Economia
Discussão sobre isenção do IR: câmbio, dívidas e capacidade ociosa

Comprar pela ideia de que a elevação da isenção do Imposto de Renda (IR) para salários de até R$ 5 mil por mês impactará a demanda, interferindo na inflação e possivelmente alterando as estratégias do Comitê de Política Monetária (Copom), pode não ser uma análise precisa.
De acordo com economistas consultados pelo Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado), há pelo menos três razões importantes que mostram que o assunto é mais complexo: valorização cambial, alto endividamento das famílias e capacidade ociosa da indústria.
Primeiramente, comenta Igor Rocha, economista-chefe da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), que essa medida deve ser encarada como um movimento de reorganização tributária, pois representa um avanço na justiça fiscal.
Um aspecto crucial agora, segundo Rocha, é a influência do câmbio. Mesmo com o desemprego no menor nível histórico — 5,6% no trimestre até agosto — a inflação tem mostrado desaceleração. Isso é explicado pelo elevado diferencial de juros que beneficia o Brasil, mantendo algumas das maiores taxas globalmente.
“Se o dólar continuar se valorizando menos, isso pode equilibrar as pressões inflacionárias. A isenção até R$ 5 mil deve ser vista por essa perspectiva tributária que tende a tornar a economia mais eficiente. É verdade que pode estimular a atividade econômica, porém hoje o câmbio exerce maior influência na redução da inflação do que a demanda gerada pela isenção”, analisou o chefe do Departamento Econômico da Fiesp.
Rocha também destaca que, mesmo com a massa salarial batendo recordes consecutivos, a inflação segue em queda. “Os juros cresceram, mas o câmbio é o principal fator que tem pressionado para o recuo da inflação, especialmente nos alimentos, que são mais sensíveis à demanda resultante do aumento do poder de compra das famílias devido à isenção”, explicou.
André Perfeito, economista e fundador da André Perfeito Consultoria Econômica (APCE), concorda que o impacto do aumento da isenção sobre a demanda será menor do que se imagina, pois as famílias enfrentam elevado endividamento e estão financeiramente comprometidas.
“Não aceito a tese simplista, porque o nível de endividamento das famílias é alto e elas estão alavancadas. Não acredito que isso se converta em aumento significativo da demanda agregada”, comentou.
De acordo com ambos os economistas, mesmo se o dinheiro extra for destinado ao consumo, o setor produtivo possui capacidade ociosa para expandir a oferta. A indústria paulista, por exemplo, tem cerca de 20,6 pontos percentuais de capacidade livre para ser utilizada.
O Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) na indústria de transformação paulista está em 79,4%, segundo a Fiesp. Já no segmento de máquinas e equipamentos, o Nuci em agosto foi 78,8%, revelando 21,2 pontos de ociosidade.
A carteira de pedidos da indústria de máquinas e equipamentos, após crescimento de 2,1% em julho, recuou 2,5% em agosto, com piora em diversos setores, especialmente em máquinas agrícolas e para indústria de transformação. Ou seja, há espaço para aumento da oferta e atendimento de eventual expansão da demanda.
“Existe ociosidade em setores que poderá absorver o aumento da demanda, aliviando a pressão. A preocupação é com o mercado de trabalho muito apertado, que poderia levar a aumento real dos salários. Talvez o salário pare de crescer e o ganho venha por conta da isenção do IR, mas não considero que toda a isenção se converterá automaticamente em maior demanda”, previu Perfeito.
Outro indicador que revela a baixa atividade da indústria paulista é o Sensor, que fechou setembro em 49,6 pontos. Apesar de crescimento em relação a agosto, o valor permanece abaixo dos 50 pontos, indicando percepção de contração industrial.
As vendas registraram 50,3 pontos em setembro, 3,5 pontos a mais que agosto e 1 ponto a menos que setembro de 2024. Os estoques alcançaram 49 pontos, aumento de 5,5 pontos em comparação a agosto, mas permanecem abaixo da linha de 50 pontos.
Por esses motivos, Rocha acredita que o Banco Central manterá sua postura cautelosa, aguardando a confirmação dos resultados do aperto monetário antes de alterar o plano de ação.

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