“Esse material que está aqui são os catadores que trazem. Vocês já imaginaram tudo isso aqui no planeta? Tudo isso aqui no oceano? Vai acabar com o mundo, vai acabar com o mundo”, diz a catadora Laura Cruz.
A Laura da Cruz, da ONG Pimp My Carroça, faz a parte dela para o mundo não acabar. Só perde a paciência quando alguém a chama de catadora de lixo:
“Não existe catador de lixo. Existe catador de reciclagem, que catador não é lixo, não é marginal. E catador não precisa de pena. Ele precisa de dignidade e respeito”, afirma.
Laura faz parte de um grupo que soma quase 1 milhão de brasileiros. A maioria trabalha sozinha e é mais facilmente explorada pelos atravessadores que revendem os materiais para a indústria. A situação é menos aflitiva para quem trabalha em cooperativas.
Não adianta separar os recicláveis em casa ou no varejo. Para garantir o retorno dos materiais como matéria-prima para a indústria, é preciso garantir que o preço do quilo de cada reciclável seja interessante para os catadores. São eles que fazem funcionar o negócio da reciclagem no Brasil.
“Eu cheguei aqui e não tinha nada. Hoje, eu tenho até um dinheiro guardado no banco. E é daqui do lixo, do ouro, com muito orgulho. Isso aqui é uma beleza, uma riqueza”, conta a catadora Rosa Maria Santana.
André Trigueiro, repórter: Eu estou aqui do lado da catadora mais experiente da cooperativa, Dona Jô, 80 anos recém-completos, cheia de energia. Trabalha há quanto tempo com reciclável, Dona Jô?
Jovelina do Nascimento, catadora: Tem 10 anos.
Repórter: E a senhora gosta do que a senhora faz?
Jovelina: Eu gosto e preciso também. Porque eu moro sozinha e pago aluguel, meu filho. Se eu não trabalhar aqui, não dá para comprar comida.
“Tem mês que a gente tira mais, tem mês que a gente tira menos, porque depende do material que a gente recicla e recebe”, conta a catadora Rosa Maria Santana.
É que nem tudo que vai parar em uma cooperativa tem valor. Tem o rejeito. Rejeito é aquilo que não é reciclável ou é reciclável, mas o custo da reciclagem é economicamente inviável, ou é o reciclável que foi contaminado por matéria orgânica. Portanto, o rejeito é descartado como lixo em aterro. Alguns exemplos de rejeito: esponja de cozinha usada, isopor (até reciclável, mas o custo não vale a pena), qualquer cerâmica descartada como lixo, várias famílias de embalagem com papel aluminizado e vários tipos de plástico como o plástico PVC normalmente acoplado em uma bandeja de isopor – muito comum de se ver no supermercado ou padaria.
40% da coleta seletiva da maior cidade do país passam por uma cooperativa de reciclagem. Mas acredite: São Paulo separa só 6% dos materiais recicláveis.
“A gente está jogando dinheiro fora, destinando para aterro sanitário. A gente precisa do apoio das grandes marcas, fabricantes de embalagens. Nós precisamos de um apoio do governo federal, estadual, municipal, e uma lei que faça com que os catadores sejam contratados e pagos e remunerados pelo serviço ambiental que prestam”, afirma Telines Basílio, diretor-presidente da Coopercaps e da Conatrec.
Quando não são, ficam sujeitos a variações do mercado de recicláveis. Mesmo que alguns materiais, como o alumínio, tenham um valor de mercado interessante, a regra geral não é essa. A situação pode se agravar com a possibilidade de os produtos reciclados pagarem os mesmos impostos que os não reciclados. O assunto está em discussão no STF.
“Eles chegam a ser mais caros que um produto virgem. Aí, como uma indústria, ela vai comprar um produto que é mais caro para ela reciclar? Não tem jeito, ela não vai fazer isso. Então, as indústrias continuarão a consumir e a extrair mais materiais do meio ambiente”, explica Clineu Nunes Alvarenga, presidente do Instituto Nacional da Reciclagem.
“(A saída para esse problema) É zerar o imposto relacionado ao material reciclado, porque esse material já pagou imposto na sua origem”, afirma Adalberto Maluf, secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental.
“Principalmente os países do Hemisfério Norte, eles dão todo incentivo à reciclagem. A reciclagem é isenta de imposto, e aqui no Brasil é ao contrário”, diz Clineu Nunes Alvarenga, presidente do Instituto Nacional da Reciclagem.
Uma boa notícia é que a garrafa PET, que até pouco tempo era um resíduo desvalorizado, passou a valer a pena para os catadores. O venezuelano Carlos Eduardo Rodrigues está ligado.
Repórter: O que está dando para coletar e ganhar dinheiro?
Carlos Eduardo Rodrigues: Latinha e PET.
Repórter: Garrafa PET é uma boa?
Carlos Eduardo: Ahã.
Repórter: Você já pegou quantas hoje?
Carlos Eduardo: Um monte, 40.
A engarrafadora líder de mercado passou a pagar mais pelo PET para aumentar a produção de embalagens recicladas.
“Então, aumentou a demanda, aumentou a procura. E isso fez com que o preço dessas garrafas PET quintuplicasse”, diz Telines Basilio, diretor presidente da Coopercaps e da Conatrec.
Repórter: É tudo garrafa PET aqui?
Maria Dias, catadora: É, só PET.
Repórter: Nossa! Quanto a senhora acha que vai conseguir com essas duas?
Maria Dias: R$ 30.
Repórter: R$ 30 aqui?
Maria Dias: É.
Repórter: E só garrafa PET?
Maria Dias: É.
E tem garrafa PET tecnológica chegando ao Brasil. A novidade foi testada no Chile, onde 6 milhões de embalagens foram fabricadas com QR code.
“A gente consegue saber quantas idas e voltas a garrafa fez. Quantas vezes, se já está na hora de destiná-la para reciclagem ou não. Mas eu também consigo ver qual a cidade que está mais retornando, qual o supermercado. Acredito que todos como país desejamos um Brasil… Praia, floresta, enfim, sem lixo. Sem resíduo”, diz Rodrigo Brito, diretor de Sustentabilidade da Coca-Cola América Latina.
Toda tecnologia é bem-vinda, desde que o trabalho que a gente mal enxerga seja percebido e valorizado.
Na próxima reportagem da série, que volta na quinta-feira (9), você vai conhecer projetos que transformam lixo orgânico em adubo e energia para indústrias e veículos.
Você precisa estar logado para postar um comentário Login