Economia
Entenda a investigação da Seção 301 e os possíveis impactos para o Brasil

A disputa comercial e política iniciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil atingiu um novo nível na última terça-feira, quando o Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) iniciou uma investigação sobre alegadas práticas comerciais que estariam limitando de forma injusta as exportações americanas para o mercado brasileiro.
Essa apuração, conduzida conforme a Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, aborda temas que vão desde o sistema de pagamentos Pix até a circulação de produtos falsificados na famosa Rua 25 de Março, em São Paulo, incluindo ainda o suposto bloqueio a redes sociais americanas, o descontrole do desmatamento ilegal, falta de combate eficaz à corrupção e questões relativas ao acesso ao mercado de etanol.
O anúncio desta nova medida ocorreu uma semana após o presidente Trump ameaçar impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.
Segundo o ex-secretário de comércio exterior, Welber Barral, embora essas duas ações tenham fundamentos jurídicos diferentes, elas podem se somar como um conjunto de medidas de retaliação ao país.
— Uma pode complementar a outra. E mesmo se a tarifa de 50% não for aplicada, a pressão e a instabilidade para o Brasil continuam grandes — destaca Barral.
O que é a Seção 301?
A Seção 301 faz parte da Lei de Comércio dos EUA de 1974 e concede ao USTR a autoridade para investigar práticas que possam prejudicar o comércio internacional americano, avaliando a existência ou não de irregularidades. O objetivo é sancionar atos discriminatórios contra empresas dos Estados Unidos, impondo sanções aos países envolvidos.
Se o órgão concluir que há práticas anticompetitivas por parte do Brasil nas relações comerciais bilaterais, podem ser implementadas medidas de compensação e retaliação.
Um aspecto incomum neste caso é que as tarifas punitivas foram anunciadas antes mesmo do início da investigação.
Como a investigação é conduzida?
O procedimento sob a Seção 301 segue uma série de etapas, iniciando com diálogo entre os países, passando por investigação, mediação e, finalmente, ações para corrigir possíveis irregularidades. O processo completo leva no mínimo 12 meses, podendo ser prorrogado.
— É um processo rigoroso, com prazos para manifestações, consultas públicas e audiências antes do relatório final do USTR. O Brasil pode apresentar defesa e seus exportadores podem participar da audiência pública. Contudo, a decisão final será do órgão americano — explica Barral.
Com a investigação já aberta, o governo brasileiro tem até 18 de agosto para entregar sua defesa por escrito. Uma audiência pública está programada para 3 de setembro.
Quais riscos o Brasil enfrenta?
De acordo com Barral, se o USTR confirmar irregularidades, os EUA poderão intensificar retaliações contra o Brasil, incluindo tarifas adicionais, restrições às importações e suspensão de benefícios comerciais.
— Haverá uma recomendação final do USTR indicando se houve discriminação e se retaliações tarifárias ou outras medidas serão adotadas, e contra quais setores — detalha o especialista.
Itens investigados, como o Pix, podem ser alvo de sanções em serviços financeiros, permitindo restrições às operações bancárias brasileiras. No entanto, Barral acredita ser difícil classificar o Pix como atividade discriminatória, pois não impede o funcionamento das empresas americanas.
O Brasil pode recorrer à OMC?
Para Barral, o Brasil não apenas pode, mas deve iniciar um procedimento litigioso na Organização Mundial do Comércio (OMC). Entretanto, esse processo é demorado, podendo levar de três a quatro anos.
— Há dois riscos: o primeiro é a lentidão; o segundo, que o Brasil vença mas o governo Trump não acate a decisão, como tem ocorrido em vários casos — afirma.
Quais países já foram alvo da Seção 301?
Apesar de não ser um instrumento muito frequentemente usado, a Seção 301 já foi aplicada em investigações anteriores.
O Brasil enfrentou investigações baseadas na Seção 301 em 1985 e 1987, relacionadas a restrições ao acesso de empresas americanas de tecnologia e à concessão de patentes biofarmacêuticas.
Outros países e blocos como China, Japão, Índia e a União Europeia também já passaram por processos semelhantes.
Atualmente, a Seção 301 está investigando a Nicarágua por supostas práticas inadequadas relativas a direitos trabalhistas, direitos humanos e Estado de Direito.

Você precisa estar logado para postar um comentário Login