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Entidade que oferece trabalho em SP obriga desempregado a doar parte do 1º salário
Ministério Público do Trabalho diz que doação não pode ser exigida porque salário é ‘impenhorável’. Após contato do G1, ONG em Pinheiros suspendeu atendimento.
As vagas de encanador, carpinteiro, pedreiro, assistentes em obras, entre outras áreas, fazem com que os interessados cheguem antes mesmo das senhas serem distribuídas, por volta das 6h. Na Rua Cardeal Arcoverde, em Pinheiros, a ONG Agefes-Paz, que atua em parceria com a Agefes-Saúde, seleciona candidatos para vagas de emprego e atrai dezenas de candidatos. No entanto, a entidade obriga que os interessados se comprometam com a doação de R$300, que seriam destinados à compra de cesta básica para crianças com câncer.
Para o Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo, o salário é “impenhorável” e a cobrança de parte dele para doação não pode ser feita.
“O salário é uma verba de natureza alimentar e direito fundamental do ser humano. Salário é impenhorável. Uma empresa, empregador ou agência de empregos (que parece ser o caso dessa ONG) não tem o direito de exigir nenhuma parcela do salário de um empregado para o que quer que seja”, informou ao G1, por meio de nota, a procuradora do Trabalho Tatiana Simonetti.
A procuradora informou, ainda, que no caso de uma agência de trabalhos domésticos pode-se cobrar taxa do empregador, “mas nunca, em hipótese alguma, do empregado”.
O G1 esteve na agência na manhã desta terça-feira (1º). Uma funcionária do local explicou sobre o pagamento da taxa. “Se você está precisando de um emprego, eu tenho emprego para te dar, e você pode ajudar uma pessoa com câncer, você concorda? Se a pessoa concordar com isso, doar uma cesta básica uma única vez, aí você tem um emprego”, disse a mulher, que preferiu não se identificar.
Por telefone, na quarta-feira (2), após a ONG ser questionada pelo G1sobre as implicações do Ministério Público do Trabalho e para onde vão as cestas básicas, a Agefes-Paz não respondeu aos questionamentos. Nesta quinta (3), o telefone do local não atendia mais. Na porta do escritório, na noite de quarta, havia um comunicado informando que o atendimento seria suspenso até o dia 28 de agosto, sem maiores informações.
Vagas para setembro
No local onde funciona a ONG a promessa era de 370 vagas abertas para início em setembro, segundo a funcionária que conversou com o G1. Os comerciantes da região contam que há um mês as filas aumentaram, mas que na terça-feira (1º) estavam ainda maiores.
Os interessados nas vagas chegam cedo, pegam uma senha, entregam o documento e fazem o cadastro. Depois, voltam em outro dia para fazerem exames e indicarem em qual área pretendem atuar. Alguns já retornaram quatro vezes, para garantir que o cadastro foi preenchido e saber se terão retorno. Os candidatos também não são informados sobre a exigência de doação de parte do salário já no primeiro cadastro.
O haitiano Patrick Benjamin, de 35 anos, deixou há pouco mais de um ano o emprego de jornalista em uma rádio de seu país. Ele, que é formado desde 2011, saiu do Haiti com medo da perseguição política que sofria por fazer reportagens de denúncias contra o governo local. “Aqui, você pode escrever, falar que sabe que não vai ter perseguição. No meu país, você não pode”, explica o jornalista, que se inscreveu em vagas de assistente de pedreiro.
“Para mim ainda é estranho, mas o Brasil está em crise, não falo português e eu preciso viver. Não sou ladrão, então preciso de emprego para viver. Mas quero voltar a trabalhar na minha área, claro”, conta Patrick, que deixou mãe, pai e irmãos no Haiti.
Com parte de sua família nos Estados Unidos, o haitiano está em um processo para conquistar o visto americano permanente. Enquanto não consegue, ele planeja voltar a “trabalhar direito”, estudar psicologia e sociologia, e aperfeiçoar o português. “No Brasil é difícil estudar e trabalhar, porque o trabalho dura o dia inteiro, é difícil conseguir um que dê tempo de estudar.”
Morando em Franco da Rocha, Patrick chegou na Rua Cardeal Arcoverde por volta das 6h30 e foi atendido por volta de 9h30.
Pela segunda vez na agência, o haitiano levou uma pasta com todos os documentos, que exibe com muito orgulho: o passaporte com visto, o diploma universitário de jornalismo, certificados de cursos e documentos de identificação. “Eu vim semana passada, mas voltei hoje para garantir que fizeram meu cadastro e vou voltar de novo.”
Um jovem que não quis se identificar com receio de afastar a possibilidade de conseguir uma vaga conta que está desempregado desde 2014 e que, desde então, só tem feito “bicos”. “Nos últimos tempos até a quantidade de bico caiu. A construção civil está muito parada. Aqui não tem um que queira trabalho para completar renda, está é todo mundo sem renda nenhuma”, lamenta.
Em busca de uma vaga de carpinteiro, outro homem que não quis se identificar conta feliz que recolheram seu documento para fazer o cadastro e pediram que voltasse na sexta-feira (4). “Cheguei às 6h, fiquei aqui esperando até pegarem o RG, mas deu tudo certo.”
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