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Enviado americano revela proximidade entre Putin e Trump

Steve Witkoff diz que acredita no desejo de paz do presidente russo e demonstra falta de conhecimento das causas do conflito
O representante de Donald Trump nas negociações com a Rússia e a Ucrânia demonstrou em duas entrevistas nos últimos dias o nível de proximidade pessoal entre o presidente americano e Vladimir Putin, além de uma crença nas boas intenções do presidente russo e um certo desconhecimento das causas da guerra.
De acordo com Steve Witkoff, Putin lhe relatou que, ao ficar sabendo do atentado contra Trump em julho durante um comício na Pensilvânia, “foi até a sua igreja local, reuniu-se com seu sacerdote e rezou pelo presidente” americano.
Putin “tinha uma amizade com ele e estava rezando por seu amigo”, enfatizou Witkoff, acrescentando que Trump ficou “visivelmente comovido” quando lhe contou essa história.
Em entrevista ao podcast do jornalista Tucker Carlson, o enviado de Trump relatou ainda que Putin encomendou de um artista russo um “belo retrato” de Trump, que Witkoff trouxe para o presidente americano.
Hackers vinculados ao Kremlin invadiram o banco de dados da campanha de Hillary Clinton, adversária de Trump, na campanha de 2016, e entregaram milhares de mensagens para o Wikileaks. Agências de propaganda também ligadas ao governo russo fizeram campanha contra a candidata democrata no Facebook.
Essas interferências foram constatadas pelo FBI, mas depois de se reunir com Putin em Helsinque em 2018, Trump afirmou que o presidente russo havia negado seu envolvimento, e que acreditava nele.
Os detalhes do relacionamento com Putin contrastam drasticamente com a história entre Trump e o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky.
Em seu primeiro mandato, o presidente americano reteve uma ajuda militar de US$ 600 milhões para a Ucrânia, na época com 8% de seu território ocupado pela Rússia e condicionou sua liberação a Zelensky “cavar sujeira” sobre o filho do então ex-vice-presidente Joe Biden, Hunter, que foi conselheiro da empresa de óleo e gás Barisma, da Ucrânia.
A Câmara dos Deputados americana abriu processo de impeachment contra Trump por causa da gravação dessa conversa, mas o Senado, de maioria republicana, absolveu o presidente. No recente bate-boca com Zelensky na Casa Branca, Trump demonstrou sua antipatia pelo presidente ucraniano.
Em outra entrevista, à Fox News, Witkoff disse, a respeito de Putin, com quem afirmou ter se reunido duas vezes, por 3 horas e meia a 4 horas cada: “Eu sinto que ele quer a paz. O presidente teve dois telefonemas muito produtivos na semana passada, um com o presidente Zelensky e outro com o presidente Putin. Eu ouvi ambos. Ambos foram sobre uma paz duradoura. Muitos progressos foram feitos”.

Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio. • REUTERS
Esses avanços, segundo ele, foram sobre uma trégua nos ataques contra a infraestrutura de energia de ambos os países e sobre um cessar-fogo no Mar Negro, para por fim aos ataques aos navios.
A entrevistadora da Fox News questionou Witkoff sobre os sequestros em massa de ucranianos, ataques a alvos civis ordenados por Putin, o desaparecimento de seus adversários e sua imagem de “tirano”.
O representante e amigo de Trump respondeu: “Em meus 68 anos nessa terra, nunca vi uma história que não tivesse dois lados. Nunca é preto e branco como as pessoas frequentemente retratam”.
Durante a entrevista, Witkoff, um empresário do setor imobiliário que ao que se sabe não estivera antes na Rússia, demonstrou pouca intimidade com as causas da guerra.
“Ele (Putin) tem estado em guerra há muitos anos, em grande parte por causa dessas cinco regiões”, disse Witkoff, aparentemente referindo-se à Península da Crimeia e às regiões de Donnetsk, Luhansk, Zaporizhzhia e Kherson, que a Rússia anexou formalmente, sem reconhecimento da comunidade internacional, e sem ocupar os territórios integralmente.
“Há uma visão na Rússia de que são territórios russos, que referendos dentro deles justificam essas ações”, continuou Witkoff. Na verdade, votações como essas, feitas sob ocupação e pressão de militares, não têm valor legal. Muitos moradores foram tirados de suas casas por soldados armados para irem votar à força.
Witkoff parece partir do princípio de que quem fala russo na Ucrânia deseja ser anexado pela Rússia, o que é uma confusão entre etnia e nacionalidade, que recentemente o conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, também fez em entrevista à Fox News.
Os russófonos da Ucrânia são cidadãos ucranianos e, em sua imensa maioria, querem continuar sendo, como mostram pesquisas e entrevistas feitas de forma independente.
Por fim, Witkoff contestou a percepção generalizada na Europa de que, se não for contido, Putin tentará ocupar mais território: “Não vejo que ele queira tomar toda a Europa. É uma situação muito diferente da 2ª Guerra Mundial, quando não havia a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Acho que os europeus estão chegando a essa conclusão também. Mas isso não importa. É uma discussão acadêmica”.
Ninguém afirma que Putin queira tomar toda a Europa, mas sim partes da antiga União Soviética, como as três repúblicas bálticas, e países do Leste antes sob domínio russo, como a Polônia.
Os europeus não deixaram de se preocupar com isso, com exceção dos primeiros-ministros Viktor Orbán da Hungria e Robert Fico da Eslováquia, aliados de Putin. E certamente não é uma discussão acadêmica.

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