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Especialistas discordam de chamar Venezuela de narcoestado, diz Trump

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Em meio a alegações dos Estados Unidos de que o governo venezuelano está à frente de um cartel de drogas para justificar ameaças militares ao país sul-americano, especialistas entrevistados pela Agência Brasil contestam a classificação da Venezuela como um narcoestado.

Para a consultora sênior da União Europeia para Políticas sobre Drogas na América Latina e Caribe, a advogada Gabriela de Luca, o termo é exagerado e impreciso.

“O que se sabe, com base em investigações sérias, é que existem sim militares e autoridades envolvidos em esquemas de tráfico, principalmente em áreas de fronteira. Mas não há provas de que exista uma estrutura centralizada, comandada pelo governo, que coloque o Estado a serviço do narcotráfico”, explicou.

Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou que o governo da Venezuela “é um grupo operando em águas internacionais exportando para os EUA veneno que está matando e destruindo a comunidade”. Segundo ele, “O Cartel de los Soles é uma das organizações mais amplas do continente. O regime de Maduro não é um governo, é uma organização criminosa”.

Gabriela de Luca destacou que é enganoso considerar o grupo Cartel de los Soles, que o governo Donald Trump acusa de ser liderado pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, como um cartel de drogas tradicional. Em vez disso, trata-se de redes difusas envolvendo militares, ex-militares e políticos que facilitam o tráfico em determinadas regiões. Há provas de conluio entre oficiais venezuelanos e traficantes, mas nada que configure uma organização única dirigida por Maduro.

O ex-oficial de Inteligência dos EUA para América Latina, professor Fulton Armstrong, levantou dúvidas sobre as denúncias feitas em 2020 contra Maduro relacionadas ao narcotráfico. Ele afirmou que a maior parte das drogas não passa pela Venezuela e que o Cartel de los Soles é uma narrativa exagerada amplamente alardeada nos documentos oficiais, mas sem fundamentação entre analistas independentes.

O coronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Robson Rodrigues, doutor em ciências sociais, concorda que o papel do grupo Los Soles está superestimado. Ele acredita que não há evidências para sustentar a hipótese da Venezuela como narcoestado e que enviar navios e milhares de militares à costa venezuelana não é estratégia eficaz para combater o narcotráfico. Segundo ele, o combate real precisa envolver inteligência e parcerias regionais, o que não ocorre.

Robson Rodrigues também destacou que o envolvimento de autoridades com o narcotráfico ocorre em vários países, inclusive nos EUA. Ele lembrou casos históricos de conluio entre agências americanas e o tráfico de drogas.

Um livro recente do repórter investigativo Seth Harp expõe casos de narcotráfico dentro das Forças Especiais dos EUA, com conspirações, acobertamentos militares e cumplicidade americana no tráfico de heroína no Afeganistão.

A acusação contra Maduro de envolvimento com o narcotráfico foi feita inicialmente durante o primeiro mandato de Donald Trump, em 2020, no contexto da política de máxima pressão para derrubar seu governo. Em 2019, o então deputado Juan Guaidó se autoproclamou presidente e buscava dividir as Forças Armadas bolivarianas para acabar com o regime chavista que governa desde 1999.

O então procurador-geral dos EUA, William P. Barr, afirmou que Maduro e seus assessores estariam envolvidos em conspirar há mais de 20 anos com guerrilhas colombianas para traficar cocaína para os EUA, ligando-os ao Cartel de los Soles.

Recentemente, a fiscal geral dos EUA, Pamela Bondi, aumentou a recompensa por informações que levem à prisão de Maduro, acusando-o de integrar várias organizações criminosas, incluindo o Tren de Aragua e o Cartel de Sinaloa. Segundo ela, Maduro é um dos maiores traficantes do mundo e ameaça a segurança dos EUA. Ela afirmou que o DEA apreendeu 30 toneladas de cocaína ligadas a ele.

Porém, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, declarou que não há evidências que conectem Maduro ao Cartel de Sinaloa e pediu que provas sejam apresentadas.

O centro de pesquisa Washinton Office on Latin America (WOLA) avaliou que o papel da Venezuela no tráfico mundial de drogas é exagerado, e que a crise no país fomentou crime e corrupção, mas não ao ponto descrito pelas acusações do narcotráfico.

Gabriela de Luca destacou que a Venezuela não é produtora relevante, mas rota de passagem para os EUA, e que o grosso da cocaína sai da Colômbia. Estimativas apontam que entre 7% e 13% da cocaína mundial passa pelo território ou águas venezuelanas.

Relatórios recentes da ONU e da União Europeia não mencionam a Venezuela como ator principal no mercado global de drogas, citando outros países andinos e do continente.

Autoridades latino-americanas criticam as declarações e ações de Trump que indicam possível intervenção na região sob o pretexto da guerra às drogas. A presidente Claudia Sheinbaum defende cooperação sem interferência externa. Posição semelhante foi adotada pelo Brasil e Colômbia.

Em encontro com o presidente do Equador, Daniel Noboa, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que o combate às drogas não deve justificar intervenção estrangeira. Segundo ele, é fundamental que os países da América do Sul atuem juntos para deter as redes criminosas, sem rotular organizações criminosas como terroristas ou violar soberania alheia.

Recentemente, Trump classificou diversos grupos criminosos como terroristas e pressionou o Brasil a adotar postura semelhante, tentando unificar a estratégia contra o crime organizado na região.

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