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Especialistas temem interferência dos EUA na América Latina

Especialistas em relações internacionais avaliam que a confirmação da atuação da Agência Central de Inteligência (CIA) na Venezuela pelos Estados Unidos (EUA) representa um perigoso precedente, que pode justificar novas intervenções militares diretas de Washington em toda a América Latina.
Os estudiosos consultados pela Agência Brasil ressaltaram que uma intervenção dos EUA na Venezuela viola a lei internacional; pode causar uma guerra civil em um país vizinho ao Brasil; e tem como objetivo controlar as maiores reservas petrolíferas do mundo, e não combater o tráfico de drogas, conforme alegado pela Casa Branca.
O professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Goulart Menezes, considera o impacto como “desastroso” para toda a região. “Não sabemos se os EUA irão parar na Venezuela. O governo brasileiro está completamente apreensivo, assim como a Colômbia e todos os demais países. Eles tentarão transformar a Venezuela em protetorado dos EUA e colocar no poder quem desejam”, comentou.
O pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os EUA acrescentou que a ação contra a Venezuela representa uma ameaça para toda a América Latina e o Caribe. “Isso coloca toda a região em alerta. Estamos falando de uma potencial invasão de um país que faz fronteira com o Brasil. Isso não é algo trivial. É, na verdade, alarmante”, afirmou.
Na quarta-feira (15), Donald Trump confirmou que autorizou a CIA a atuar contra o governo Maduro. “Acredito que a Venezuela está sentindo a pressão, assim como outros países”, declarou em coletiva de imprensa na Casa Branca.
A professora de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Camila Vidal, destacou que a intervenção dos EUA na Venezuela fere o direito internacional. “Um país interferir na soberania de outro é ilegal. Gostando ou não, Maduro é o presidente da Venezuela. Para o Brasil, isso traz graves consequências, já que temos fronteira com a Venezuela. Estamos diante de uma situação de conflito na nossa fronteira. Se hoje é a Venezuela, amanhã pode ser outro país”, explicou.
Possível guerra civil
O historiador e especialista em conflitos armados, delegado Rodolfo Queiroz Laterza, analisa que essas medidas contra Caracas podem se repetir em qualquer país latino-americano que contrarie os interesses americanos.
“Isso mostra que qualquer regime, sistema de governo ou sociedade na América Latina pode ser alvo de estratégias de guerra híbrida, como ocorre na Venezuela”, declarou.
Em setembro, a maioria dos países latino-americanos expressou preocupação diante da presença militar dos EUA no Caribe.
Para Laterza, uma possível queda de Maduro poderia desencadear uma guerra civil na Venezuela, afetando todos os países vizinhos, incluindo o Brasil. “O assassinato ou queda de Maduro poderia iniciar movimentos paramilitares e de oposição, impulsionados pela grande mídia corporativa, provocando uma polarização social e política intensa que resultaria em um conflito interno severo, aumento do fluxo migratório e instabilidade nas fronteiras”, explicou.
Drogas e petróleo
Laterza também afirmou que, embora a Venezuela tenha problemas com narcotráfico, não possui cartéis produtores de drogas que sustentem as acusações feitas por Trump.
“O principal motivo das ações do governo americano é geoeconômico. A Venezuela detém as maiores reservas de petróleo do mundo. O interesse de Washington é controlar essas riquezas e garantir que empresas aliadas assumam essas reservas”, destacou.
O professor Roberto Goulart Menezes concorda com essa análise. “São cerca de 320 bilhões de barris de petróleo. Os EUA querem retomar a Venezuela, que é fundamental para o Caribe devido à sua importância no setor energético”, acrescentou.
Em junho de 2023, Trump admitiu que, se tivesse vencido a eleição contra Biden em 2020, teria “assumido a Venezuela” e ficado com todo o seu petróleo.
Para a professora Camila Vidal, as medidas de Trump contra Maduro se devem ao fato de a Venezuela não ser subserviente aos EUA, e não têm relação com o combate às drogas ou à imigração ilegal.
“A Venezuela não representa ameaça para os EUA. A questão é que o país mantém uma política autônoma, independente e que não se submete às ordens de Washington. Ter, na América Latina, um país que não aceita ditames dos EUA não é tolerado”, afirmou.
Segundo Vidal, a justificativa do combate às drogas é apenas uma desculpa. “Assim como aconteceu no Iraque com a desculpa de armas nucleares que sabíamos não existir; durante a Guerra Fria foi o comunismo soviético; agora alegam combater o tráfico. O real interesse é derrubar um governo autônomo para instalar um subserviente aos EUA”, concluiu.
Relações conflituosas
Desde a chegada dos chavistas ao poder em 1999, Caracas e Washington mantêm uma relação conturbada. Em 2002, um golpe de Estado temporário afastou Hugo Chávez da presidência, sendo revertido por militares leais ao ex-presidente.
Em 2017, os EUA sancionaram o setor financeiro venezuelano após Maduro estabelecer uma Assembleia Constituinte que retirou poderes da Assembleia Nacional, controlada pela oposição.
Em 2019, Washington impôs um embargo ao petróleo venezuelano e apoiou as tentativas do deputado Juan Guaidó de assumir o comando do país. Desde meados de 2022, após a guerra na Ucrânia, o embargo sofreu flexibilizações parciais.
Em julho de 2024, Maduro foi reeleito em um processo denunciado como fraudulento. Com a reeleição de Trump, os EUA intensificaram a pressão para desestabilizar Caracas, enviando milhares de militares à costa do país caribenho.

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