Após passar dois anos e quatro meses preso por engano no lugar de um primo homônimo acusado de homicídio, o faxineiro Francisco Magalhães de Souza finalmente pôde conhecer um pedacinho de Brasília para além do Complexo Penitenciário da Papuda. Sem nenhum centavo no bolso, botou os poucos objetos pessoais na mochila e partiu a pé. Por sorte conseguiu carona até a rodoviária interestadual de uma advogada que passava pelo local e que lhe deu R$ 50. A vontade era retomar logo a vida em Paracatu (MG) e rever a mulher e a enteada, com quem perdeu o contato no período.
O homem diz não ter mágoa do parente, que ficou órfão na infância e foi adotado pelos seus pais. “Ele é primo, mas é a mesma coisa de irmão. Foi registrado pela minha mãe, para mim ele é meu irmão. Acho que não tem nada com ele, porque não foi ele quem planejou essa prisão para mim. Infelizmente temos o mesmo nome e sobrenome. O diferente é que ele é branco e eu sou preto e ele tem 52 anos e eu, 42. Mas não tenho nada contra ele.”
O problema começou em 2009. Souza, então com 35 anos, foi abordado por policiais enquanto caminhava em uma rua de Paracatu (MG). Os militares informaram que constava em aberto um mandado de prisão contra ele, por um homicídio ocorrido em Ceilândia (DF) em 1989. A única coisa que não batia entre o documento e a identidade do homem era a data de nascimento: ele é de 1974, e o acusado era de 1963.
O faxineiro negou o crime e tentou contestar, dizendo que a confusão aconteceu por ter sido registrado com o mesmo nome do primo, que a mãe já criava quando ele nasceu. Os PMs não acreditaram e suspeitaram que a documentação apresentada fosse falsa. Souza foi então levado ao presídio pela primeira vez.
Após um ano, a defesa do homem conseguiu relaxamento de prisão sob a alegação de que ele era um homônimo do verdadeiro criminoso. Souza, que só tinha até a segunda série do ensino fundamental, foi contratado por uma empresa de asfalto. O auxiliar de serviços gerais era o principal mantenedor da casa, onde vivia com a mulher e a enteada de 8 anos.
“Depois acharam que tivessem liberado uma pessoa que tivesse duas identidades, uma delas falsa. Tudo de novo. Aí emitiram novo mandado de prisão, e ele voltou a ser preso em 2014 e foi transferido para cá [DF, onde corria o processo]”, explica o advogado Ivo Ribeiro.
Souza dividiu uma cela com outras 14 pessoas e viveu em condições que considerava “ruins”. Mas a maior angústia, segundo o homem, era não ter contato com a família. As cartas enviadas não chegaram à mulher, e mesmo enfrentando fila ninguém conseguiu visitá-lo no período em que passou na Papuda.
“A única coisa que ele menciona é o sentimento de tristeza que ele sentia dentro da prisão, porque sabia que estava lá por um crime que não cometeu. Sentiu saudade da família, da filha, do contexto social que ele tinha em Paracatu. A família é muito simples. A esposa dele quando o viu chorou bastante”, lembra o advogado.
No final da última semana, um juiz de Brasília concedeu alvará de soltura para o auxiliar de serviços gerais depois de comprovar, por meio das impressões digitais, que a prisão foi um engano. O exame foi feito a pedido do Ministério Público. Souza não quis nem saber onde fica Ceilândia e decidiu voltar de imediato para MG.
O advogado dele diz que vai pedir indenização de R$ 3 milhões ao Estado por tudo o que o cliente passou. “Se tivessem feito essa comparação há mais tempo, com certeza isso não tinha acontecido isso. E tem outro detalhe: se o Francisco que foi preso indevidamente tivesse cometido o crime de 1989, que lhe foi atribuído indevidamente, ele na época seria menor de idade. Ele não responderia por homicídio, mas por ato infracional.”
Retomando a vida
Já na Rodoviária do Plano Piloto, à espera do ônibus que o levaria para casa, Souza se permitiu um lanche especial: coxinha e Coca-Cola, o refrigerante preferido. O homem tenta não ter mágoa do período que viveu e do que não pôde acompanhar no crescimento da enteada. O sonho é se reinserir no mercado de trabalho.
Ele também conta não ter contato com o primo homônimo há mais de 15 anos. “Não tenho raiva dele nenhuma, porque ele não foi culpado. O cartório de Minas [Gerais] que registrou a gente com o mesmo nome. Como que vou culpar meu irmão por algo feito pelo cartório?”, questiona.
O advogado Ivo Ribeiro diz analisar o que pode ser feito com relação à demissão motivada por uma prisão por um crime que o cliente não cometeu. A mulher de Souza não trabalha, e a família tem sobrevivido com doações.
“A grande problemática dele é se reinserir no contexto de trabalho em Paracatu. Ele saiu de lá empregado, e ele não sabe se a empresa vai readmiti-lo. Mas ele tem essa preocupação, porque o que ele quer é poder ajudar a família”, explica.
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