São Paulo amanheceu no domingo dividida para acompanhar a votação do impeachment contra presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados.
Apenas 5 km de distância separavam aqueles a favor do impedimento, concentrados na avenida Paulista, e aqueles contra, reunidos no vale do Anhangabaú.
No Anhangabaú, predominava o discurso em prol da preservação do regime democrático.
“Vai ser muito difícil voltar a viver num país sem democracia. Estou aqui porque já vivi isso, foi muito ruim e não quero voltar a ter vergonha do Brasil”, disse a artista plástica Martha Alvarez, de 64 anos.
“Estive aqui no Anhangabaú pelas Diretas Já e agora estou de novo aqui para que a nossa jovem democracia não seja asfixiada. Seja qual for o resultado, vai ser bem apertado, mas mantenho a fé até o fim”, disse a jornalista Eunice Nunes, de 56 anos.
Já na avenida Paulista, as pessoas aproveitavam o calor para tomar sorvete e tirar selfies.
Alguns dos pontos mais disputados pelos manifestantes pró-impeachment eram dois manifestantes fantasiados de Dilma e Lula presos e uma árvore com “Frutos do PT”, com cocôs (falsos) ao invés de frutas em seus galhos, instalada em frente ao Museu de Artes de São Paulo (Masp).
Expectativa em alta
Os primeiros manifestantes começaram a chegar à avenida Paulista já pela manhã, vestidos de verde e amarelo e carregando faixas e cartazes de protesto contra o governo. Na via, onde se concentraram cerca de 250 mil pessoas, segundo o Datafolha, o clima era de vitória antes mesmo do início da votação.
“Ninguém recebeu dinheiro para estar aqui hoje. Uma das coisas mais legais da última manifestação foi quando o (Geraldo) Alckmin e o Aécio (Neves) foram expulsos. Só quem defende partidos têm bandidos de estimação. Nós defendemos um país”, disse o apresentador Danilo Gentili.
No ato pró-governo no vale, a supervisora financeira Cintia Braga, 35, e integrante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto) há oito, diz que as acusações de que manifestantes recebem dinheiro para estar nos atos contra o impeachment são “uma injustiça”. “As pessoas estão aqui porque querem. Comprados são aqueles das classes lá de cima”, afirmou.
Um carro de som posicionado sobre o viaduto do Chá, sobre o Anhangabaú, alternava músicas e discursos de lideranças políticas e celebridades, como a cantora Leci Brandão.
“Qualquer que seja o resultado, continuem lutando. Vocês estão mostrando que a luta pela democracia não começou ontem nem vai terminar hoje”, disse ela perante a multidão que tomava o centro paulistano.
Ali, muitas pessoas diziam acreditar em uma vitória do governo, como o assistente administrativo Eduardo Alves, de 32 anos. “O impeachment vai ser barrado. Não acho que os deputados vão querer ser taxados como golpistas.”
Mas havia quem não acreditasse nesse resultado. “Não queria vir porque vai passar, mas meu filho fez questão de estar aqui, então, viemos juntos”, disse o advogado Vilmo Gonçalves Jr., 46, ao lado de Pedro, 10.
Telões disputados
Tanto na Paulista quanto no Anhangabaú, os espaços em frente aos telões foram os mais disputados quando a votação começou, às 17h45. Em ambos os locais, as pessoas dividiam seus olhares entre a transmissão ao vivo e tela de celulares, por onde acompanhavam o placar da votação e repercussão nas redes sociais.
Na manifestação contra o impeachment, cada voto “não” era muito celebrado, assim como as poucas abstenções e manifestações contrárias ao impedimento dadas por partidos da oposição, como fizeram alguns deputados do PMDB.
Já os votos “sim” era muito vaiados, e quem os proferia era alvo de xingamentos – “ignorante” e golpista” eram os mais leves – e de piadas por parte de muitos manifestantes. “Esse aí pintou o cabelo hoje para aparecer bem na foto”, disse uma mulher sobre um dos deputados enquanto ele fazia o discurso de seu voto.
Na Paulista, ocorria justamente o contrário. Cada voto a favor do impeachment era comemorado como um gol feito em uma final de campeonato, com buzinas, gritos e algumas vezes até fogos.
Toda e qualquer manifestação de algum deputado feita contra Cunha era muito celebrada no Anhangabaú. Quando a imagem do presidente da Câmara surgiu no telão, ainda no início da votação, os manifestantes gritaram: “Ô, Cunha, pode esperar, a tua hora vai chegar”.
Enquanto o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) proferia seu voto, pessoas no Anhangabaú o xingavam de “fascista” e faziam gestos obscenos em direção ao telão. Na Paulista, o político foi ovacionado após fazer um polêmico discurso exaltando o Golpe Militar e a votar contra a presidente Dilma. As manifestações contrárias a Eduardo Cunha, por outro lado, eram tímidas.
Cansaço
Conforme a votação avançava e extrapolava o horário esperado, manifestantes de ambos os lados não escondiam seu cansaço, sentando e até mesmo deitando no chão.
No Anhangabaú, as longas sequências de votos a favor do impeachment deixavam as pessoas presentes ali cada vez mais desanimadas, como a economista Amanda Silva, de 23 anos, que não continha as lágrimas.
“É por medo de perder tudo que a gente conquistou nos últimos anos e dessa galera que está vindo. Eu vim da periferia, de uma família pobre, consegui estudar e hoje levo renda para minha casa e quero que mais pessoas continuem a ter esta chance em vez de anularem tudo isso”, disse.
Muitas pessoas deixaram o local antes do final da sessão em Brasília, já que diversas caravanas vieram de fora de São Paulo para participar do protesto e, com o avançar da hora, tiveram que retornar.
Quando o resultado foi finalmente anunciado, o vale já estava bem mais vazio. Após o voto que conferiu os dois terços do plenário necessários para o prosseguimento do processo, a transmissão foi interrompida e, em seu lugar na tela, surgiu a expressão: “Luto+Luta”.
Resignadas, as pessoas que ainda permaneciam ali trocaram abraços emocionados.
“Isso é uma injustiça. A gente elegeu a Dilma”, disse a cientista política Daniela Pereira, de 26 anos, aos prantos, ao lado de dois amigos. “Eu estava otimista, porque havia notícias de muitas abstenções.”
No Anhangabaú, mesmo em meio ao predominante pesar pela derrota, havia quem defendesse que a batalha ainda não está totalmente perdida.
A estudante de medicina Suzane Pereira da Silva, 29, disse que, apesar da derrota, “não gostaria de estar do outro lado e ser chamada de golpista.”
“Agora, vamos ocupar a rua e mostrar que o golpe será derrotado com a pressão popular”, afirmou a universitária.
Enquanto isso, Chico Cézar cantava diante de um melancólico grupo de menos de 100 pessoas. “Não desanimem”, pediu ele.
Sem hora para acabar
A 5 km dali, a avenida Paulista virou palco de comemoração após a votação impeachment. Para os manifestantes anti-Dilma, a vitória em Brasília parecia o golpe final contra a presidente e a festa, com direito ao esperado show do grupo de dançarinos da Carreta Furacão, não tinha hora para acabar.
Um grupo de amigas que assistia à votação na casa de um amigo no Itaim Bibi (zona sul da capital paulista) foi à Paulista para comemorar. A advogada Rafaella Pinheiro, 30, disse que elas não planejavam ir embora. “Eu quero é comemorar a saída dessa bandida. Ainda tem muita comemoração”, afirmou.
O processo agora seguirá para o Senado, onde precisará de maioria simples do plenário para ser aprovado.
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