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Filme de Jafar Panahi indicado pela França ao Oscar é ignorado pelo Irã

A França confirmou que “Foi apenas um acidente”, o premiado longa-metragem do renomado diretor iraniano Jafar Panahi, será seu representante na categoria de melhor filme internacional no Oscar. Esta escolha pouco convencional resulta da natureza da produção internacional e das normas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Cada país pode inscrever somente um filme para avaliação, um processo que frequentemente desagrada cineastas reconhecidos que atuam sob regimes autoritários.
Durante uma entrevista recente no Festival de Telluride, no Colorado, Panahi afirmou que a Academia favorece governos que restringem seus cineastas. “Em países não democráticos, a escolha para o Oscar é decidida pelo governo”, declarou Panahi através de um intérprete, acrescentando que esses comitês censuram qualquer conteúdo crítico às autoridades.
No Irã, cineastas precisam submeter seus roteiros ao governo para aprovação e muitas vezes enfrentam pedidos de alterações ou até a proibição das filmagens.
Panahi não solicitou autorização para fazer “Foi apenas um acidente”, um thriller de vingança que aborda as consequências da tortura. Usando câmeras ocultas e equipes reduzidas, filmou nas ruas de Teerã, correndo riscos significativos, já que foi preso duas vezes por suas produções.
“Ao sair do Irã, percebemos que a Academia nos impõe a mesma exigência: pedir permissão ao governo”, disse Panahi, ressaltando que outros países, como a China, enfrentam barreiras similares. Ele defende a necessidade de mudanças que beneficiem todas as nações.
“Foi apenas um acidente” recebeu a Palma de Ouro, o maior prêmio do Festival de Cannes deste ano. O filme pôde ser indicado pela França pois teve coprodução francesa, parte da equipe era francesa, a pós-produção foi realizada na França e Panahi reside no país. A Academia divulgará os cinco indicados da categoria em janeiro.
No ano anterior, “A semente do fruto sagrado”, que critica o governo iraniano, foi indicado após inscrição pela Alemanha.
Mark Johnson, que coordenou a categoria de longa-metragem internacional por 17 anos, afirmou que o processo de seleção é “falho” e difícil de aperfeiçoar, destacando casos de manipulação que a Academia não pode investigar.
Panahi mencionou que o governo iraniano anunciou recentemente que a Casa do Cinema poderia escolher o candidato ao Oscar, mas essa decisão foi revertida pelo Ministério da Cultura e Orientação Islâmica, que manteve a Fundação Farabi, responsável por essa seleção há 40 anos.
Para Panahi e outros, a Fundação Farabi busca controlar o discurso sobre o Irã mais do que promover a qualidade cinematográfica. O estudioso Jamsheed Akrami, professor emérito da Universidade William Paterson, confirmou que a fundação é uma das agências que exercem forte controle sobre o cinema iraniano.
A Academia nega qualquer envolvimento governamental no processo de seleção, conforme explicou Meredith Shea, diretora de membros, impacto e indústria do grupo, afirmando que são artistas e cineastas que avaliam os filmes, e eles precisam garantir a legitimidade dos membros dos comitês de seleção.
Em cada um dos últimos três anos, dois filmes internacionais foram indicados ao prêmio de melhor filme, refletindo a crescente diversidade da Academia, que hoje tem mais de 20% dos membros de fora dos EUA.
Pouco antes de “Foi apenas um acidente” conquistar a Palma de Ouro, o filme foi comprado pela Neon, estúdio vencedor do Oscar do ano anterior com “Anora”. A Rolling Stone descreveu o filme como “uma notável parábola de vingança”.
Mesmo assim, a Fundação Farabi não incluiu o filme na lista dos cinco finalistas divulgada recentemente.
Akrami afirmou que “não há possibilidade de aprovação do filme pela Fundação Farabi”, pois ele desrespeita dois pontos sensíveis: não seguiu os canais oficiais para obter permissão e apresenta mulheres sem o hijab obrigatório.
Graças à França, a produção de Panahi ainda concorre na categoria de melhor longa-metragem internacional, porém isso não representa satisfação para os cinéfilos iranianos.
Akrami destacou que tais filmes são tesouros nacionais para os iranianos, que gostariam de ver uma produção do país ganhar o Oscar, sem que o processo de seleção os prive dessa honra.

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