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Financiamento a países pobres não pode ‘matar o doente’, diz Mauro Vieira, que será anfitrião do G20

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O ministro das Relações Exteriores, anfitrião do encontro de chanceleres no evento do grupo de maiores economias do planeta nesta semana, defende foco em reforma de órgãos como FMI e ONU

Anfitrião da primeira reunião de alto nível do G20 no Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, pretende usar o encontro de chanceleres nesta semana no Rio para lançar propostas brasileiras de regras em instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. A pauta do governo Lula de rever as regras de governança global, especialmente do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), também será abordada.

Em entrevista ao GLOBO para falar sobre a reunião, Vieira afirma que os principais organismos econômicos internacionais precisam ser instrumentos de apoio e impulso econômico, além de dar soluções para o endividamento de países. E que é preciso reduzir as exigências desses órgãos para emprestar recursos a nações em desenvolvimento. Vieira defende o que chama de “democratização” das instituições criadas com o Acordo de Bretton Woods, assinado nos anos 1940 por 45 nações aliadas na cidade dos Estados Unidos que leva esse nome. O acordo estabeleceu as bases da política econômica global pós-Segunda Guerra Mundial e criou instituições como o FMI e o Banco Mundial.

Qual a expectativa do Brasil com a reunião de chanceleres do G20?

O G20 é um grande evento, um grande acontecimento. E é a primeira vez que o Brasil tem a presidência do grupo. É uma reunião importantíssima de um grupo que ganhou muita importância, porque foi ampliado. Ele se chama G20, mas tem mais de 20, são 21 membros. Nós, na presidência, convidamos mais 8 países e 11 organizações para participar das discussões.

O presidente Lula, desde o início do governo, disse que queria dedicar uma atenção especial à promoção de três grandes eixos, que são o combate à pobreza e à fome; a transição energética e o desenvolvimento sustentável; e a reforma na governança global, que será o principal tema dessa reunião e onde a ONU também entra, tanto no Conselho de Segurança como na própria Assembleia Geral. Queremos a modernização e a democratização da ONU, da Organização Mundial do Comércio (OMC) e das instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial). Teremos duas reuniões de chanceleres. A primeira este mês e a segunda em setembro, depois da abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

Espera-se algum resultado em termos de reforma da governança global nesta primeira reunião de chanceleres?

Essa é uma discussão que será lançada. Cada país vai se manifestar e vamos recolher tudo ao longo do ano. Os países vão poder falar, apresentar suas conclusões e posições, e além dos países-membros do G20, os organismos internacionais. O encontro estará aberto para todos se inscreverem e entregarem algum documento com suas sugestões. A novidade da reunião de Nova York é que ela será aberta também para os países que não são do G20.

Há apoio do G20 a uma ampla reforma na governança?

Nas Nações Unidas, tem país que quer, tem país que não quer, assim como na OMC. Eu sempre digo que a arma do Brasil é o multilateralismo. Se você tem uma organização tão importante como a OMC paralisada há tanto tempo, há uma perda significativa. E o Brasil teve vitórias importantes na OMC, não pode deixar de valorizar e de querer ver a organização funcionando outra vez. E também uma reforma dos organismos de Bretton Woods, para que eles sejam instrumentos de apoio, impulso e soluções de endividamento.

Em que os organismos financeiros como o FMI e o Banco Mundial deveriam mudar?

Precisam ter menos condicionalidades e exigências. Não digo que é para não ter regras e entregar todos os recursos de qualquer forma, mas terem exigências menores. Tem de haver uma adaptação à necessidade. Não se pode impor uma receita que mata o doente.

O presidente Lula está na África neste momento. O governo brasileiro conta com o apoio das nações em desenvolvimento no G20?

Propostas como o combate à fome e à pobreza são de interesse dos países africanos, assim como a transição energética e a reforma dos organismos. A dívida somada dos países africanos é algo assustador, cerca de US$ 1 trilhão. Tem que haver uma reestruturação e um mecanismo que permita uma equação favorável para o crescimento e investimentos. Se for só para pagar a dívida, vai virar uma bola de neve.

O mundo vive guerras e disputas envolvendo grandes países. É factível encaminhar uma pauta de mudança na governança global com esse cenário?

Sim. Esses países mencionados estão no G20, que é um ambiente muito importante para o diálogo. As coisas não são resolvidas automaticamente. Não é com uma reunião que as soluções saem, mas é sempre um passo para uma solução a ser aceita por todos. Para o Brasil, o importante não parar de conversar e tomar iniciativas.

Os debates têm como foco a declaração final que sairá, em novembro, da reunião de líderes do G20, no Rio. É possível ter uma declaração concreta?

Esperamos ter uma declaração que mostre avanços, que tenha substância e que seja importante. Todas essas reuniões de todas as áreas vão contribuir depois para as discussões dos chefes de Estado.

Como evitar que a declaração se transforme em uma carta de intenções, sem compromissos?

Dependerá da vontade das pessoas da mesa. Se quiserem dar um passo adiante, sempre podem. Espero que, na presidência brasileira, haja avanços em várias áreas. Queremos que o G20 promova melhores condições para que os países em desenvolvimento possam avançar e promover o bem-estar das suas populações e a inserção política das pessoas. O lema do Brasil, na presidência brasileira do G20, é construir um mundo mais justo e sustentável.

Chanceleres do mundo todo estarão no Rio. Temas como Gaza e Ucrânia podem entrar na agenda?

É uma reunião de ministros do Exterior. São temas que podem ser discutidos. O tema da reunião não é especificamente esse, mas se os ministros se manifestarem, haverá tempo para isso. No corredor, você encontra com um e outro.

O presidente Lula defende a desdolarização global (usar menos o dólar em trocas comerciais e investimentos). Essa proposta está na reforma da governança?

Não exatamente dentro da agenda da reforma da governança global, mas em muitos outros foros.

O senhor fará reuniões com outros chanceleres à margem do encontro?

Há uma longa lista de pedidos de reuniões bilaterais e, infelizmente, não haverá tempo para todos. Reino Unido, Argentina, França e Noruega pediram.

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