Centro-Oeste
GDF estudará tarifa zero no transporte todos os dias da semana, afirma Ibaneis
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A medida anunciada pelo governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), valerá a partir de 1º de março e servirá como teste para implantação do modelo em todos os dias da semana. Especialistas e parlamentares repercutem a decisão
Ibaneis disse que convocou uma reunião, ontem, para tratar sobre o assunto e que terá mais duas, antes de editar o decreto. “Quero publicá-lo na próxima semana”, afirmou. Segundo ele, no primeiro encontro, foram apresentados os estudos e os impactos financeiros da nova medida. “Além disso, foi mostrada a repercussão que podemos ter no turismo, lazer e comércio. Como se adequou ao nosso orçamento, autorizei que fizessem os pareceres e que preparassem o decreto”, acrescentou. Sobre a repercussão no turismo, lazer e comércio, Ibaneis ressaltou que isso será avaliado ao longo da implantação. “Nos locais onde existe essa gratuidade, por exemplo São Paulo, o impacto (no crescimento da economia) chega a 30%”, observou.
Secretário de Transporte e Mobilidade (Semob), Zeno Gonçalves afirmou que essa é uma medida muito importante, dentro da proposta de atrair mais pessoas para o transporte público. “Principalmente por ser aos domingos e feriados, que são dias mais ‘família’. Pelas nossas projeções, teremos um aumento de 30% nos acessos, que é a população que não costuma usar o transporte público nesses dias”, avaliou.
Apesar de admitir que a gratuidade trará forte impacto na arrecadação do transporte público, Zeno Gonçalves garantiu que os valores serão recuperados de outras maneiras. “Inicialmente, calculamos uma perda de R$ 30 milhões, porém, a expectativa é que esse dinheiro entre nos cofres públicos de outras formas. Se o cidadão não pagar a passagem, ele utiliza o dinheiro comprando uma pipoca, por exemplo”, explicou.
De acordo com o secretário, a nova medida será um “grande laboratório” para entender como o sistema de transporte do DF vai funcionar com a tarifa zero. “Não temos, no Brasil, nenhuma região do porte do DF com tarifa zero. Por isso, temos que pensar esse modelo começando com os domingos e feriados. Mas será, sim, um teste para avaliar uma possível implantação definitiva do modelo no transporte público”, reforçou.
Estudo
Doutor em transportes pela Universidade de Brasília (UnB), Artur Morais classificou como ótima a iniciativa. “(O transporte) é um direito inalienável do brasileiro, assim como a saúde e a educação”, ressaltou. “Só que não é simplesmente aplicar (a tarifa zero), é preciso um estudo aprofundado, para avaliar possíveis impactos. Imagino que isso está sendo feito, com essa medida”, enfatizou.
O especialista explicou como funciona, na prática, esse modelo de transporte público. “Em resumo, todo o custo operacional do transporte público ficará 100% subsidiado pelo Tesouro do Distrito Federal, que tem recursos vindos da arrecadação do governo”, esclareceu. Artur Morais também avaliou sobre possíveis prós e contras da tarifa zero.
“A população vai ter o direito de circular, gratuitamente, pela cidade, dará maior acesso a outros serviços públicos gratuitos, faz com que o salário do trabalhador formal não tenha descontos, ajuda o empresário a contratar mais funcionários e beneficia o trabalhador informal, que não tem direito ao vale-transporte”, elencou. “O único argumento contrário a esse modelo seria a possibilidade de uma superlotação. Na minha opinião, isso só vai ocorrer se não houver investimentos na frota, tanto de ônibus quanto do metrô”, avaliou.
Um estudo divulgado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em abril de 2024, destacou que houve um aumento significativo no uso do transporte público, após a implementação da tarifa zero. A pesquisa comparou dados antes e depois da adoção desta medida, em uma amostra de 12 cidades brasileiras, e indicou que todos os municípios registraram aumento da demanda por viagens de ônibus, variando de 33% a 371% , após a adoção da tarifa zero.
O estudo da NTU também indicou que a tarifa zero vem sendo adotada principalmente por cidades pequenas. De acordo com o levantamento, 71% dos municípios brasileiros que implementaram a tarifa zero no transporte público têm menos de 50 mil habitantes. No total, 124 municípios adotaram essa política, com 106 (85,5%) aplicando-a de forma universal, em todas as linhas e em todos os dias da semana, segundo a associação.
Distritais
Ao Correio, o presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU) da Câmara Legislativa (CLDF), Max Maciel (PSol), disse que recebeu a notícia com felicidade. “Há de se comemorar essa medida, pois, a partir dela, podemos fazer uma medição da real necessidade e da importância do acesso à cidade”, comentou.
Só que, de acordo com o parlamentar, para que a iniciativa dê certo, o governo precisa fortalecer a estrutura do metrô, fazer uma auditoria no sistema, discutir como se remunera as empresas. “Mesmo assim, para nós, que lutamos pelo transporte público gratuito, é um passo importantíssimo”, ponderou.
Líder do governo na CLDF, o deputado Hermeto (MDB) defendeu a nova medida. “O trabalhador mais humilde que, no domingo ou feriado, quer se divertir, visitar um parente ou mesmo sair para ir ao Zoológico, por exemplo, vai poder fazer isso”, observou.
“Acho que foi uma grande sacada do governador, uma medida extremamente bem-vinda, principalmente para os trabalhadores e as pessoas mais humildes do Distrito Federal. O governador mostra, mais uma vez, o compromisso dele com as pessoas mais humildes da cidade”, acrescentou o emebedista.
O que diz a população
“Acredito que vai ajudar muito na locomoção das pessoas que moram longe. Como o salário não rende muito, essa medida vai permitir que a gente saia mais e aproveite mais as atrações que a cidade oferece”
Jéssica de Oliveira, 27 anos, psicopedagoga (Sobradinho)
“Sou do Entorno e trabalho aqui, no Plano Piloto. Não tenho dia fixo para trabalhar, então, trabalho em feriados e domingos também. Essa mudança vai me ajudar muito a transitar aqui em Brasília e economizar algumas passagens”
Isaura Mendes, 54, diarista (Cidade Ocidental)
“Deixei de sair muitas vezes, aos domingos, porque não tinha dinheiro. Isso vai facilitar mais a locomoção e permitir mais opções de lazer e passeios”
Matheus Saunders, 19, estudante (Sobradinho)
“Achei extremamente viável essa mudança. Domingos e feriados são os únicos dias que tenho para sair e, como sou estudante, não consigo usar o passe estudantil nesses dias. Agora vou considerar bem mais sair nestes dias”
Clarisse Fleury, 21, estudante (Taguatinga)
“Os compromissos que eu não podia ir antes, por causa dos preços das passagens, agora passam a ser mais viáveis. Principalmente nesse período que o carnaval se aproxima, a população vai poder passear mais e ter mais opções para o lazer”
Caíque Araújo, 32, professor (Guará)
“Não pagar passagem vai permitir que eu conheça mais a cidade, principalmente nos feriados. Eu mesma não tinha o costume de passear para longe em feriados e finais de semana, agora com o metrô e ônibus gratuitos, vou passar a fazer isso”
Raimunda Alves, 45, camareira (Novo Gama)
Cidades com tarifa zero todos os dias
Estado Número de
municípios
SP 37
MG 28
PR 15
RJ 13
SC 7
GO 5
CE 3
RS 3
BA 1
ES 1
RO 1
Total 114
Fonte: tarifazero.org
ARTIGO
Me surpreendi com a decisão anunciada pelo governador Ibaneis de retirar a cobrança de tarifa no Sistema de Transporte Público do DF, aos domingos e feriados. A surpresa se deve ao fato de que a tarifa zero (TZ), mesmo que já tenha sido objeto de análise por parte da Semob, a princípio, não estava na agenda atual de prioridades do GDF, uma vez que outras pautas se apresentavam como mais urgentes.
Destaco o processo de produção do novo Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade (PDTU), que deve apontar novas diretrizes para a política de mobilidade, podendo ser um agente de transformações, assim como a implementação do Projeto Zona Verde, que propõe a cobrança pelo uso de estacionamentos em áreas e vias públicas, mas que, infelizmente, não consegue avançar.
A limitação da proposta de TZ aos domingos e feriados é uma proposta interessante para a avaliação dos possíveis impactos e dos ajustes que serão necessários, como a identificação da demanda e o dimensionamento necessário da oferta para o novo cenário. Destaca-se que, nas datas previstas, há ociosidade no sistema de transporte público e o sistema viário não tem a sobrecarga dos dias úteis.
Por outro lado, mesmo reconhecendo que a TZ é um poderoso instrumento de inclusão social para aqueles segmentos mais vulneráveis, que terão garantido o usufruto do direito à cidade, mesmo que limitado à dias específicos, esse instrumento, por si só, não vai contribuir para a qualificação do sistema de transporte público.
São necessárias mais vias exclusivas, além disso, preocupa o fato de que o programa vai exigir o aporte de mais recursos públicos do GDF para o seu financiamento (estima-se em R$ 30 milhões), sem que a gestão viabilize a geração de recursos por meio de outras fontes, como o próprio Projeto Zona Verde, que produziria dinheiro suficiente para o custeio não só do TZ, mas também para o investimento em infraestrutura para os modais ativos e o transporte público, além de se alinhar com as premissas da Política Nacional de Mobilidade Urbana e do atual PDTU.
Wesley Ferro Nogueira, economista e secretário executivo do Instituto MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos)
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