Conecte Conosco

Centro-Oeste

GDF revela porque estuda fechar distribuidoras de bebidas mais cedo no DF

Publicado

em

Estudo indica que 24% dos homicídios consumados e tentados em todo o DF, até fevereiro de 2025, ocorreram próximos a esses estabelecimentos. Moradores reclamam de violência, som alto e discussões pelo consumo de bebida na madrugada

A violência em áreas próximas a distribuidoras de bebidas tem ganhado destaque. De acordo com um balanço da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), até fevereiro de 2025, 24% dos homicídios de todo o DF, consumados e tentados, ocorreram nesses locais. Em todo o ano passado, o percentual ficou na casa dos 20%.

Ao Correio, Avelar explica que as investigações da Polícia Civil (PCDF) dão conta de que, em algumas regiões administrativas, tem ocorrido homicídios e tentativas de homicídios durante as madrugadas, em razão de embriaguez, nas proximidades das distribuidoras de bebidas ou bares. O levantamento da SSP apontou que, em 2024, 33% dos homicídios consumados que ocorreram em distribuidoras foram entre meia-noite e 6h, número que saltou para 60%, neste ano.

O secretário avalia que é preciso tratar o assunto com muita seriedade. Por isso, está elaborando um estudo para tentar alterar o horário de funcionamento desses locais. “A distribuidora de bebidas não pode se confundir com um bar. Por serem classificadas como um ambiente sem risco, conseguem o alvará que libera o funcionamento 24 horas por dia, sete dias por semana. Só que algumas delas colocam mesas, e o local acaba se tornando um bar”, observou. “Além disso, há o som alto, que incomoda a população. São muitos casos”, acrescentou.

Sandro Avelar disse que está conversando com a Secretaria de Governo (Segov) sobre o tema. “Estamos construindo uma solução, mas, por parte da segurança pública, vamos continuar trabalhando para diminuir essas ocorrências”, garantiu. “Nas reuniões dos Consegs (Conselhos de Segurança), tenho falado com a população. Quando não é unânime, a grande maioria é a favor da limitação nos horários das distribuidoras de bebidas. Se não é pelo tumulto e pelo barulho, é por causa dos crimes oriundos da situação atual”, pontuou.

O secretário explicou que, hoje, as administrações regionais, vinculadas à Segov, têm autonomia para reger o assunto e, portanto, não há necessidade de aprovação de lei específica, embora pretenda abrir o debate sobre o tema. “Nenhuma secretaria tratará do assunto de forma isolada”, disse.

Subsecretário de Gestão da Informação da SSP, o delegado George Couto disse que busca qualificar os casos de homicídios, consumados e tentados, para compreender padrões, dinâmicas, características, entre outros. “Esse trabalho é fundamental para a adoção de linhas de ação específicas por parte das forças de segurança”, ressaltou. “Percebemos um incremento de crimes que vem ocorrendo em bares e distribuidoras, grande parte decorrente de conflitos interpessoais iniciados, por vezes, no próprio local”, pontuou.

De acordo com ele, essa percepção é importante para diferenciar as linhas de ação a serem adotadas. “Isso porque existem outras motivações, como homicídios decorrentes de atividades criminosas: acerto de contas, drogas, disputa de áreas”, explica.

cidades ilustra distribuidora

cidades ilustra distribuidora(foto: pacifico)

Sustento

Para Alberto Santos, representante do Sindicato de Trabalhadores das Empresas de Bebidas no DF e Entorno (Sintrabe/DF), limitar o som, principalmente automotivo, pode ser válido. No entanto, restringir o horário de funcionamento das distribuidoras de bebidas não resolverá a questão da criminalidade. “As distribuidoras apenas vendem os produtos. Não são responsáveis pelo consumo, que sequer deve ocorrer no estabelecimento”, afirmou.

Santos reforçou que é preciso maior fiscalização dos alvarás que liberam o funcionamento 24 horas por dia, sete dias por semana, para evitar que se transformem em bares até com mesas do lado de fora. “De toda forma, são locais que precisam de maior atenção, com mais policiamento, não de limitação de horário”, completou.

Dono de uma distribuidora há um ano na QN 516 de Samambaia, Gustavo Silva, 30 anos, não concorda com a mudança. “Primeiramente, é preciso que a polícia investigue para saber quem está fazendo um trabalho honesto. A grande maioria das distribuidoras são sérias e tentam cumprir seu papel, sem atrapalhar ninguém. Só que algumas estão infiltradas, fingindo funcionar como distribuidoras, mas utilizam o ponto para traficar, por exemplo”, opinou.

De acordo com o comerciante, uma possível alteração no horário de funcionamento vai mexer no bolso de quem trabalha no ramo. “Muitas pessoas tiram todo o seu sustento das distribuidoras. Diminuindo o funcionamento, reduz o lucro, até porque é durante a noite que as vendas costumam ocorrer com maior frequência”, avaliou.

Na QR 308, em Samambaia, Ana Paula, 21, também tem uma distribuidora. Apesar de considerar que uma possível alteração do horário de funcionamento pode ser benéfica, ela não acha que os donos colocam mesas nos estabelecimentos com má intenção. “Não acho errado quem coloca mesa na porta das distribuidoras. Às vezes, os donos só querem faturar um pouco mais”, afirmou. “Só que, realmente, isso pode acabar atraindo pessoas com má intenção ou até mesmo que vão acabar bebendo um pouco a mais e ficar agressivas”, ponderou.

Segundo Ana Paula, a possibilidade de mudança no horário de funcionamento pode acabar sendo boa. “Isso vai dar uma filtrada no público que frequenta as distribuidoras. Porém, não acho que seria certo limitar até as 22h. Tem que equilibrar os lados. Coloca um horário que não atrapalha o faturamento do comerciante, mas que também evite a circulação dos clientes até tarde da noite”, salientou.

Mudanças

Segundo o especialista em segurança pública Leonardo Sant’Anna, não é novidade que o consumo de bebida alcoólica tem uma correlação com aumento da criminalidade e da violência. “Não estamos falando de nada novo, tanto dentro quanto fora do Brasil. Todo mundo sabe que o álcool contribui para esse tipo de situação, uma vez que ele afeta diretamente o estado cognitivo das pessoas”, ressaltou. “Sabe-se, também, que a pessoa que está sob efeito de álcool acaba se envolvendo muito mais rapidamente em situações de provocação, e é nessa hora que elas se tornam criminosas, tudo por causa da alteração do seu comportamento”, alertou.

No que se refere às distribuidoras de bebidas, Sant’Anna concorda com o que disse o secretário Sandro Avelar. “Sabemos que existe uma alteração do que, inicialmente, esses estabelecimentos se propuseram a fazer. Como o próprio nome diz, estamos falando de um local onde há uma pessoa que adquire a bebida, mas não consome na loja. Mas não é o que acontece, geralmente. Hoje, esse tipo de loja se transformou em um ponto de consumo e não apenas de compra”, comentou.

Com isso, de acordo com o especialista, há a questão de não ser um espaço protegido e vigiado. “Por não ser uma casa noturna ou um bar, normalmente, as pessoas que trabalham nesses locais não têm nenhuma capacitação ou treinamento para se desvencilhar de algum ato de violência que possa ocorrer nas proximidades da distribuidora”, avaliou.

Sant’Anna ressaltou que esse tipo de fenômeno não é exclusivo do DF e do Brasil. “Isso é algo que acontece e já aconteceu em qualquer lugar do mundo. No início dos anos 2000, por exemplo, o Reino Unido teve que mudar seu comportamento, por causa do consumo excessivo de bebida alcoólica, com restrição de horários e aumento da penalidade. Isso obrigou uma mudança de postura do Estado e, muito possivelmente, é o que vai ter que acontecer no Distrito Federal”, destacou.

“Então, não se trata apenas de uma condição social e de extrato econômico. Em todos os lugares onde a presença da vida alcoólica — independentemente do ponto onde isso ocorra — teve um descontrole, sem que se possa ter uma nova política pública de segurança, houve problemas”, salientou o especialista.

Incômodo

A telefonista Adilma Santos, 43, mora na QR 308 de Samambaia há três décadas. Na opinião dela, as distribuidoras, em si, não incomodam. “Só que, infelizmente, o público que frequenta acaba incomodando. Eles ficam bebendo até tarde, com som alto, usam drogas e até urinam nas portas das casas. Já acordei várias vezes, de manhã cedo, com fedor de xixi ou de alguma droga na porta da minha casa”, disse.

Além disso, de acordo com Adilma, habitualmente há discussões. “Há cerca de quatro anos, houve um homicídio a três metros da minha casa, de um rapaz que estava na distribuidora. Fiquei chocada, porque foi a primeira vez que aconteceu algo do tipo, nesses 30 anos em que moro aqui”, recordou.

O militar do Exército Matheus Marcens, 24, mora na QN 516 da região administrativa há três anos e afirmou que pessoas usam drogas perto das distribuidoras e acabam tornando o local mais perigoso. “Além disso, o consumo do álcool faz com que as pessoas percam o controle. E isso ocorre não só em distribuidoras, qualquer lugar que tenha bebida alcoólica é mais comum de ter discussão ou briga”, comentou.

Só que, de acordo com ele, limitar o funcionamento desses estabelecimentos não vai resolver. “Na minha opinião, é preciso aumentar o patrulhamento próximo a esses locais, além de aumentar a pena para quem comete algum crime violento. Não adianta nada prender um homicida e ele sair da cadeia por bom comportamento depois de certo tempo”, ressaltou.

Memória

9 de fevereiro de 2019 — Um adolescente de 15 anos morreu após levar um tiro na cabeça, quando tentava separar uma briga. O caso aconteceu próximo a uma distribuidora de bebidas na Quadra 301 do Recanto das Emas. Segundo relatos de testemunhas, na época do crime, a área próxima à distribuidora estava movimentada;

21 de novembro de 2020 — Um homem de 44 anos morreu após ser baleado diversas vezes, em Samambaia. O crime ocorreu em frente a uma distribuidora de bebidas, localizada na QR 308. A vítima estava acompanhada de um outro homem, de 32 anos, que também acabou alvejado na região lombar e precisou ser encaminhado ao hospital;

10 de julho de 2024 — Um homem de 20 anos foi preso pela Polícia Civil, por tráfico de drogas, numa distribuidora de bebidas de Ceilândia. A investigação foi iniciada após denúncias anônimas sobre atividades ilícitas no estabelecimento. Durante o monitoramento, policiais flagraram, em momentos diferentes, duas pessoas, supostamente, adquirindo drogas;

13 de fevereiro de 2025 — Dois homens foram presos durante uma operação da 6ª Delegacia de Polícia (Itapoã) que desarticulou uma associação criminosa que utilizava uma distribuidora de bebidas como fachada para o tráfico de drogas, no Itapoã. A investigação teve início após uma denúncia anônima, que apontou o estabelecimento como um ponto de distribuição de cocaína;

28 de fevereiro de 2025 — Um homem de 34 anos foi assassinado, com dois tiros na cabeça, em uma distribuidora de bebidas localizada na QN 516, em Samambaia Sul. Uma segunda vítima, um homem de 26 anos, foi atingida de raspão nas costas e encaminhada ao hospital.

 

Correio Braziliense

 

Clique aqui para comentar

Você precisa estar logado para postar um comentário Login

Deixe um Comentário

Copyright © 2024 - Todos os Direitos Reservados