Economia
Hidrovia diminui emissões, mas alerta sobre impactos socioambientais

O governo federal tem investido na concessão das hidrovias como um marco em sua administração, porém esses projetos, discutidos há décadas, ainda geram desconfiança entre especialistas, autoridades ambientais e parlamentares, que destacam a subestimação dos impactos sociais, ambientais e econômicos.
Recentemente, o Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) enviou ao Tribunal de Contas da União (TCU) o primeiro projeto pronto para a iniciativa privada: a Hidrovia do Paraguai, enquanto outros sete estão em diferentes estágios de desenvolvimento. O Executivo defende que essa modalidade de transporte trará maior eficiência para o escoamento da produção agrícola, causando menos impacto ambiental comparado ao transporte rodoviário.
Sadi Flores, procurador do Ministério Público Federal (MPF) que monitora o projeto Tocantins-Araguaia, ressalta que a implantação das hidrovias está vinculada ao aumento da exploração dos recursos naturais, o que contraria os esforços para mitigar a crise climática e revela que a prioridade dos Estados está mais na economia do que no clima, meio ambiente e comunidades afetadas.
Um estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) indica que o transporte por rios emite até 60% menos CO² que as estradas. Porém, os críticos afirmam que avaliar os impactos socioambientais apenas com base nas emissões dos gases do efeito estufa é inadequado.
O professor Alberto Akama, doutor em biologia animal, alerta para os graves problemas causados pela hidrovia Tocantins-Araguaia, como dragagens contínuas, destruição de habitats e mudanças no fluxo dos rios. Ele destaca que os benefícios sociais e econômicos locais são mínimos, enquanto os impactos nas comunidades e na fauna são profundos.
Quanto ao fator ambiental, Jorge Bastos, diretor-presidente da Infra S.A., empresa estatal responsável pela maioria dos projetos de hidrovias, assegura que a sustentabilidade ambiental é integrada desde as fases iniciais dos projetos, incluindo audiências públicas para incorporar críticas e sugestões das comunidades quando possível.
Entretanto, Sadi Flores aponta que no projeto Tocantins-Araguaia houve falha na consulta às comunidades tradicionais, que é uma obrigação prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e que audiências públicas não substituem essa consulta, que deve incluir diálogo informado e possibilidade de rejeição do empreendimento.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) destaca que as hidrovias podem afetar a qualidade da água, o regime hidráulico e o uso do solo. Atividades como dragagens e alterações nos cursos d’água modificam habitats aquáticos, prejudicam a fauna local e podem interferir em áreas protegidas.
Segundo uma nota técnica da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama, os estudos ambientais precisam medir a extensão e duração dos impactos, propor medidas para mitigá-los e compensações ambientais quando não for possível evitá-los. Ainda assim, os efeitos podem ultrapassar o limite dos corpos d’água, afetando ecossistemas e comunidades humanas.
Alberto Akama também sublinha a possível falta de mecanismos eficazes de compensação ambiental nos projetos de hidrovias, comparando aos projetos de rodovias que incluem desde manutenção de florestas até passagens de fauna para reduzir atropelamentos.
Por outro lado, Ronei Glanzmann, CEO do MoveInfra, representante dos principais grupos de infraestrutura do País, comenta que na Europa já se considera que transferir um contêiner do caminhão para uma barcaça é uma forma de compensação ambiental.
No âmbito econômico, a Hidrovia do Madeira é alvo de críticas de parlamentares da região Norte, que apontam aumento nos custos logísticos para Rondônia e Acre, que dependem da BR-364, atualmente pedagiada para tráfego até portos privados no Amazonas. O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) afirma que a privatização pode tornar mais vantajoso o transporte por ferrovia até Santos.
Representantes locais demonstram descontentamento, pois o modelo de negócio atual se adapta ao período de seca, quando a navegação é inviável, e temem a cobrança de taxas na concessão.
Jaime Bagattoli defende que o problema da navegação ocorre apenas na seca e que o foco deveria ser a recuperação da BR-319, ao invés da privatização da hidrovia.
Em resposta, o secretário Nacional de Hidrovias e Navegação, Dino Antunes, argumenta que essa visão não considera o potencial econômico, pois com calados maiores, as embarcações podem operar por mais tempo, em maior carga e inclusive à noite, aumentando a eficiência. Ele afirma que o concessionário será responsável por monitorar constantemente o leito, garantindo segurança e previsibilidade.

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