Mundo
Índia desiste de projeto para vigiar todos os celulares do país
A Índia entrou em um intenso debate sobre privacidade de dados após o governo do primeiro-ministro Narendra Modi ter sido obrigado a recuar de uma decisão que exigia a pré-instalação de um aplicativo estatal em todos os celulares fabricados ou importados para uso no país.
Essa determinação, justificada como uma forma de rastrear a localização dos celulares, enfrentou forte resistência de grandes empresas de tecnologia como Google, Apple e Samsung. Segundo documentos e depoimentos obtidos pela Reuters, essas empresas argumentaram que a medida viola a privacidade dos usuários.
O governo de Modi afirma há anos que as operadoras de telecomunicações não fornecem dados de localização precisos quando solicitados legalmente para investigações, já que atualmente só usam dados de telefonia que permitem apenas uma localização aproximada do celular.
Um e-mail interno do Ministério de Tecnologia da Informação da Índia propôs que a localização exata do usuário só seja fornecida se as fabricantes de smartphones ativassem a tecnologia A-GPS, que combina sinais de satélites com dados de rede, mas isso dependeria de manter os serviços de localização sempre ativos nos dispositivos, o que foi rejeitado por Apple, Google e Samsung.
A Associação da Indústria de Celulares e Eletrônicos da Índia, que representa Apple e Google, destacou que nenhum outro país do mundo exige rastreamento por dispositivos móveis como proposto.
Uma reunião marcada pelo Ministério do Interior para tratar do assunto foi adiada.
O que o governo propôs
Na semana passada, o governo ordenou que as empresas de tecnologia garantissem a pré-instalação de um aplicativo estatal chamado Sanchar Saathi em todos os celulares fabricados ou importados para a Índia, com o objetivo de proteger a cibersegurança das telecomunicações e prevenir crimes como roubos e fraudes de call centers.
A ordem gerou indignação entre a população e líderes políticos, incluindo Priyanka Gandhi, líder do Partido do Congresso, que classificou o aplicativo de ferramenta de espionagem e um risco para a privacidade dos cidadãos.
No entanto, o governo anunciou que o uso do aplicativo seria opcional, permitindo que os usuários removam o aplicativo a qualquer momento.
Grande número de celulares e riscos de segurança
A Índia possui mais de um bilhão de celulares ativos, e os crimes cibernéticos estão em crescimento, com 2,3 milhões de incidentes registrados no último ano. O aplicativo Sanchar Saathi, embutido no sistema operacional dos celulares, poderia acessar muito mais do que apenas a localização, incluindo mensagens, áudios e imagens.
Especialistas apontam que, sem uma legislação clara de proteção de dados, o governo pode usar o aplicativo para coletar informações pessoais de forma ampla. Um advogado destacado afirmou que a imposição de tal aplicativo nos celulares equivale a colocar uma trava digital dentro da casa dos cidadãos, impactando a segurança e privacidade digital.
Possíveis vulnerabilidades e histórico de preocupações
Outros países, como a Rússia, também adotaram medidas similares recentemente, pré-instalando aplicativos estatais em celulares. Fabricantes como a Apple já confrontaram o governo indiano anteriormente por questões de privacidade.
Além disso, o uso de programas de espionagem como o Pegasus, que já foi usado para monitorar ativistas, jornalistas e políticos dentro da Índia, alimenta o receio de vigilância governamental.
Especialistas alertam que aplicativos destinados à cibersegurança também podem se transformar em pontos vulneráveis a ataques, ao concentrar dados de milhões de usuários em uma única plataforma, facilitando invasões e fraudes.
O governo indiano tem, nos últimos anos, reunido e combinado grandes volumes de dados pessoais, o que pode abrir portas para formas sofisticadas de fraude e engano, explorando a confiança dos cidadãos.


Você precisa estar logado para postar um comentário Login