Economia
Indústria brasileira cresce duas vezes mais que a global, mas setor vê freio com alta dos juros
Setor manufatureiro do Brasil avançou 4,6% no 3º trimestre de 2024 e ampliou vantagem da América Latina sobre outras regiões, enquanto economias desenvolvidas desaceleraram, revela agência da ONU
A indústria de transformação brasileira conseguiu reverter uma queda de -1,0% no 3º trimestre de 2023 em expansão de +4,6% no 3º trimestre de 2024, segundo os últimos dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO).
Como resultado, a produção manufatureira no Brasil registrou um ritmo de alta duas vezes maior do que o crescimento mundial do setor, do que foi de 2,3%.
A indústria global perdeu fôlego no período com um crescimento de apenas 0,4% em relação ao segundo trimestre do ano passado, menos da metade da taxa anterior, de +0,9%. A agência da ONU aponta que as travas do setor ficaram concentradas nas economias desenvolvidas do Hemisfério Norte.
Houve queda da produção na Europa, que saiu de um crescimento de +0,1% para -0,5%. De acordo com a UNIDO, a região passa por uma “trajetória volátil, lutando contra obstáculos importantes, como a inflação alta e a fraca demanda dos consumidores”.
Entre os principais produtores da região, a indústria da França (0,0%) ficou estagnada, enquanto Alemanha com -1,8%, Itália (-1,3%) e Suíça (-1,2%) experimentaram declínio. Em contraste, a produção na Áustria (+0,6%), Rússia (+1,4%) e Suécia (+0,7%) mostrou crescimento.
Já na América do Norte, a variação negativa do desempenho foi de -0,2%, impulsionada pela virtual estabilidade nos Estados Unidos (-0,2%) e retração no Canadá (-1,6%). Na comparação com mesmo período de 2023, a queda foi de -0,6%, com recuos de -0,4% nos EUA e de -3,6% em seu vizinho.
Mesmo na China, o resultado positivo de sua indústria mostra perda de dinamismo, segundo a UNIDO.
Na comparação com trimestre anterior, a produção do país asiático teve variação de +1,1%, mostrando uma desaceleração, mas ainda assim com certa dose de resiliência frente ao +1,8%, no 3º trimestre de 2023, e + 1,5% no segundo trimestre de 2024.
Ao superar os resultados da indústria mundial, a produção manufatureira do Brasil também impulsionou a recuperação da América Latina e Caribe.
O levantamento da UNIDO mostra que a região registrou sua primeira taxa positiva após cinco quedas consecutivas, crescendo 1,1% na comparação anual e 1,7% em relação ao trimestre anterior.
Créditos e redução de juros ajudam indústria, diz Iedi
Ao compilar os dados da agência da ONU, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) observa que o desempenho da indústria nacional foi puxado pelos setores de alta e média-alta tecnologia, que cresceram 9,4% no trimestre, segundo estudo da instituição com base nos dados do IBGE.
Esse resultado contrasta com o cenário do final de 2023, quando o setor recuava 17,3% em relação ao ano anterior. No cenário global, setores de alta tecnologia também impulsionaram o crescimento industrial, com destaque para a produção de computadores e eletrônicos (+2,1%) e farmacêuticos (+2,6%).
Na análise do Iedi, a recuperação da indústria no Brasil foi favorecida pela redução das taxas de juros ao longo do ano passado que, segundo o instituto, melhoraram as condições de crédito e incentivaram investimentos.
“Além disso, programas de transferência de renda e estímulos governamentais ajudaram a impulsionar a demanda interna. O BNDES também teve um papel relevante no financiamento de projetos de inovação, digitalização e sustentabilidade, fortalecendo a produção de bens de capital e duráveis”, acrescenta.
Apesar do momento positivo, o Iedi projeta que o setor industrial brasileiro possa enfrentar desafios nos próximos meses com a alta da Selic e incertezas no cenário internacional, como potenciais medidas protecionistas por parte do presidente dos EUA, Donald Trump.
Uma eventual aplicação de tarifas pode “reorganizar as cadeias industriais globais e afetar a competitividade da produção nacional”, diz o instituto.
Pressionado, o Federal Reserve (Fed) manteve as taxas de juros inalteradas em sua primeira reunião nesta quarta-feira, 29. E no Brasil o Comitê de Política Monetária (Copom) seguiu com sua política de aperto monetário diante da falta de soluções de longo prazo para o cenário fiscal do país.
A taxa Selic foi elevada para 13,25% ao ano e, segundo os analistas, há um aumento precificado para março, quando os juros podem chegar a 14,25%.
Depreciação acelerada pode mitigar impactos negativos
A análise do Iedi conclui que o programa de depreciação acelerada e o reforço da liquidez do BNDES podem mitigar parte dos impactos negativos no curto prazo.
“O desafio, no entanto, será manter o ritmo de crescimento da indústria brasileira frente às incertezas econômicas globais e ao novo ciclo de juros mais elevados no país”, afirma o instituto.
Nesta segunda, Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), anunciou que o instrumento de depreciação superacelerada da indústria terá disponíveis R$ 2,2 bilhões neste ano e R$ 2,2 bilhões em 2026.
Lançado no ano passado pela pasta, o programa de depreciação superacelerada é um incentivo fiscal que permite as indústrias deduzir em até dois anos, da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), investimentos realizados em máquinas e equipamentos.
Já o banco de fomento afirmou à EXAME, na semana passada, que o ciclo de investimentos na indústria será mantido ao longo deste ano. Até novembro de 2024, R$ 11,1 bilhões foram investidos em inovação, um recorde para o BNDES.
“Há um grande processo de investimento no setor industrial. Claro que nós vamos acompanhar, com a subida de juros, tudo isso. Mas entendemos que há um ambiente favorável, vamos observar aos pouquinhos o que está acontecendo”, disse à EXAME José Luiz Gordon, diretor de desenvolvimento produtivo, inovação e comércio exterior da instituição financeira.
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