Parece um contrassenso, mas depois de anos fazendo as pessoas passarem cada vez mais tempo conectadas, a indústria de tecnologia quer que sua legião de usuários se desconecte.
Pelo menos é isso que novos controles para o uso do smartphone e de aplicativos, anunciados recentemente por gigantes como Google e Apple, se propõem a fazer. Ambas as empresas estão apostando no bem-estar digital.
O Google, em sua conferência para desenvolvedores no início de maio, embutiu na nova versão do Android uma série de recursos para desestimular o uso excessivo de smartphones. Já a Apple, na última semana, revelou um app que vai detalhar quanto tempo a pessoa gastou com o iPhone ou iPad e até bloquear seu uso, se necessário. Bem parecidos entre si, os recursos permitem monitorar o tempo gasto, definir limites e bloquear notificações.
Em janeiro, o Facebook já havia reformulado seu algoritmo para mostrar mais conteúdos de família e amigos, reduzindo o tempo que as pessoas passam na rede. A tendência do bem-estar digital não surgiu por acaso. Após o escândalo do uso ilícito de dados de 87 milhões de usuários do Facebook, as gigantes de tecnologia entraram na mira de governos e órgãos reguladores. Agora, elas tentam reconstruir a imagem e mostrar responsabilidade. Se a estratégia der certo, as gigantes podem afastar de si a ameaça de regras mais duras ou mesmo novas regulamentações pelo mundo.
Impacto
Segundo o professor da ESPM, Edney Souza, o movimento para reduzir o tempo de uso da tecnologia é positivo. “Quando o usuário vê gráficos sobre como ele distribui seu tempo, isso gera uma reflexão”, afirma. Contudo, ele alerta que é importante pensar nos fatores externos que levam ao abuso do celular. “O celular é uma válvula de escape”, opina.
Isso tem a ver com o mecanismo psicológico que leva os usuários a abusarem da tecnologia. A psicóloga Sylvia van Enck, do Programa de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas, em São Paulo, explica que isso tem a ver com a sensação de prazer que jogar ou trocar mensagens proporciona. “O cérebro libera dopamina, responsável por essa sensação”, esclarece a especialista. “Além disso, sempre que você posta, se sente gratificado.” Para a psicóloga, as novas ferramentas de redução do uso são interessantes, mas não são efetivas por si só, pois dependem da vontade do indivíduo.
Dar informação sobre o uso do celular ao usuário não é suficiente, segundo o pesquisador de Ciências da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Benevenuto. As empresas, diz ele, deveriam repensar seus modelos de negócio. “Essas empresas lucram ao manter as pessoas constantemente online.”
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