Brasil
Inquérito do STF sobre fake news: entenda as polêmicas da investigação que provoca atrito entre Bolsonaro e a Corte
A Polícia Federal (PF) cumpriu nesta quarta-feira (27/05) mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito que apura a veiculação de notícias falsas contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
O inquérito é conduzido em sigilo pela própria Corte e está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que expediu as ordens à polícia.
Os 29 mandados foram cumpridos em cinco Estados – Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina – e no Distrito Federal e têm como alvo pessoas suspeitas de envolvimento com uma rede de divulgação de ofensas, ataques e ameaças contra ministros da corte e seus familiares.
Entre eles, segundo a imprensa, estariam apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como o empresário Luciano Hang, fundador da Havan, o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), a militante Sara Winter, o empresário Edgard Corona, presidente da rede de academias Smart Fit, os blogueiros Winston Lima e Allan dos Santos, e o presidente nacional do PTB, o ex-deputado federal Roberto Jefferson.
Moraes também determinou que deputados federais do PSL, pelo qual Bolsonaro se elegeu e do qual se desfiliou em novembro do ano passado, sejam ouvidos nos próximos dias. Mas eles não foram alvos de mandados nesta quarta.
Entre eles, estão Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Daniel Lúcio (RJ), Filipe Barros (PR), Geraldo Junio (MG) e Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (RJ).
O ministro também quer ouvir dois deputados estaduais do PSL em São Paulo, Douglas dos Santos e Gil Diniz.
O que está sendo investigado?
O inquérito foi aberto em março de 2019 pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, sem provocação de outro órgão. Toffoli escolheu Moraes para conduzir o inquérito sem que houvesse sorteio entre todos os ministros
“Não existe Estado Democrático de Direito nem democracia sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre”, afirmou o Toffoli ao anunciar a medida.
“O STF sempre atuou na defesa das liberdades, em especial da liberdade de imprensa e de uma imprensa livre em vários de seus julgados.”
O inquérito exclui a participação do Ministério Público nas investigações e se tornou alvo de críticas não só de procuradores, mas também de membros do Executivo e do Legislativo, que temem uma concentração excessiva de poder nas mãos do Supremo.
A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tentou impedir a continuidade dessa investigação, por considerá-la ilegal. Ela encaminhou ao STF um documento informando que havia arquivado o inquérito porque só o Ministério Público poderia abrir e conduzir uma investigação criminal.
A decisão de Dodge, porém, foi descartada por Alexandre de Moraes. Para ele, só o STF tem prerrogativa para arquivar a investigação, já que ela é conduzida pelo próprio tribunal, não por promotores.
O ministro afirmou também que o inquérito foi aberto com base no regimento interno da Corte, sem participação do Ministério Público.
Moraes se refere ao Artigo 42, segundo o qual “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.
Toffoli alega que, embora os crimes não tenham sido praticados dentro do prédio do Supremo, os ministros, supostas vítimas das suspeitas investigadas, “são o tribunal”.
Por sua vez, o sucessor de Dodge no cargo, Augusto Aras, deu em outubro do ano passado um parecer pela continuidade do inquérito em uma ação movida pela Rede Sustentabilidade na qual o partido questionava a investigação.
Aras afirmou ser possível “concluir que a polícia da Corte Suprema abrange também a proteção de bens e serviços do Tribunal, assim como a incolumidade dos ministros, juízes, servidores e demais pessoas que o frequentam”.
A Advocacia-Geral da União também defendeu a legalidade das investigações. Segundo um parecer do advogado-geral da União, André Mendonça, enviado ao ministro Edison Fachin, há previsão legal para a investigação no regimento interno do tribunal. E, para Mendonça, cabe somente aos ministros interpretar as regras previstas.
O que já foi feito?
Desde a abertura do inquérito, Moraes já determinou busca e apreensão nas casas de usuários de redes sociais que fizeram críticas e ameaças a ministros, e determinou o bloqueio das contas de sete investigados em redes sociais e no WhatsApp.
Um dos alvos foi o general da reserva Paulo Chagas, candidato ao governo do Distrito Federal em 2018. Ele teria defendido, segundo Moraes, a criação de um “tribunal de exceção para julgar ministros do STF”.
A medida irritou militares que ocupam cargos no governo Bolsonaro e que temem ações contra outros membros da corporação.
Moraes também chegou a determinar a retirada do ar de uma reportagem publicada pelo site O Antagonista e pela revista digital Crusoé que mencionava o presidente do STF.
O ministro voltou atrás após entidades da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil, associações que representam jornalistas e até mesmo alguns ministros do STF classificarem o ato como uma censura à liberdade de imprensa. Moraes, no entanto, refutou a crítica de censura.
Em abril, após Bolsonaro trocar o diretor-geral da PF, Moraes determinou que os delegados responsáveis pelo inquérito foram mantidos com o objetivo de blindar as investigações contra interferências políticas.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, a PF teria identificado o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, como um dos articuladores da rede de fake news. O vereador nega e diz que o inquérito é “inconstitucional”.
A previsão era de que a investigação terminasse em janeiro, mas o prazo foi prorrogado para junho. Nada impede que isso ocorra novamente.
Segundo o presidente do STF, o ministro Dias Toffoli, o inquérito já produziu, independentemente de seus resultados, uma inibição de ações que geram “instabilidade institucional”.
“Da noite para o dia, mais de 70% das fake news que rodavam nas redes sociais desapareceram”, disse Toffoli em entrevista ao site ConJur.
Fake news também são alvo de CPMI
Também está em curso no Congresso uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a veiculação de notícias falsas, a CPMI das Fake News.
A comissão foi criada para investigar suspeitas de ataques na internet e utilização de perfis falsos para influenciar as eleições 2018 e foi ampliada para apurar o possível uso dessas práticas depois do pleito.
Depoimentos feitos à comissão apontaram a participação de dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos Bolsonaro, e de assessores próximos em campanhas na internet para atacar adversários.
Alvo de ataques em sites e redes sociais, a deputada federal e ex-líder do governo Joice Hasselmann (PSL-SP) apresentou um dossiê à comissão em que aponta “milícias digitais” em torno de Bolsonaro que praticam ataques orquestrados a críticos de sua gestão.
Segundo ela, as ofensivas são impulsionadas por robôs, por Carlos e Eduardo e por assessores do Poder Executivo e de parlamentares aliados do governo.
Outro deputado federal, Alexandre Frota (PSDB-SP), também alvo de ataques e outro ex-aliado, fez acusações semelhantes.
Para a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da CPMI, “é muito difícil imaginar que exista um gabinete atuando ali e que ele (Bolsonaro) não saiba o que acontece ali”. Ela ressalta que o presidente não foi implicado diretamente em nenhum depoimento, mas sim seus familiares e auxiliares.
Segundo Da Mata, há três núcleos sob investigação: “o operacional, que conta com assessores de deputados estaduais e federais; o distribuidor, que envolve sites e blogs; e o núcleo econômico, que todos queremos identificar”. Um dos objetivos próximos passos da CPMI é “seguir o caminho do dinheiro”.
Na CPMI, Eduardo Bolsonaro afirmou que não iria fazer perguntas a Frota por “ter mais o que fazer”. “Tenho que trabalhar, em vez de ficar aqui ouvindo baboseiras e ilações sem qualquer conexão com a verdade.”
As acusações de Frota e Joice foram rebatidas por deputados da base governista e aliados do presidente, que as classificaram de “falsas”, “fruto de vingança”, “sem provas” e “conto de fadas”. A CPMI das Fake News foi apelidada por eles de CPI da Censura.
A comissão tinha a previsão de ser concluída até abril de 2020, mas seu prazo foi prorrogado por tempo indeterminado no final de abril.
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