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Itamaraty sabia de brecha para fraude racial em concurso, diz ONG afro

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Diretor da Educafro diz ter se reunido três vezes com diretor de instituto. Itamaraty não comentou; Justiça barrou 5 candidatos suspeitos de fraude.

Escultura "Meteoro" em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, sem o espelho d'água (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)

Escultura “Meteoro” em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, sem o espelho d’água (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)

A possibilidade de fraudes na autodeclaração racial em concursos do Ministério de Relações Exteriores, causada por brechas nos editais, foi avisada ao órgão com antecedência, afirma o diretor-executivo da ONG Educafro, frei David dos Santos. Ele disse os Carvalho e Mello Mourão.

“O diretor sempre se mostrou muito fechado à ideia de dar qualidade à verificação de declaração racial. Isso nos preocupou muito. Após três reuniões entre Educafro e Itamaraty, uma delas com 50 ativistas, eles permanecerem duros? É algo deliberado”, diz Santos. O Itamaraty não quis comentar a afirmação.

A Educafro é uma associação nacional com objetivo de colocar negros nas universidades e no mercado de trabalho. Nesta quinta (10), decisão provisória emitida pela Justiça Federal impediu a posse de cinco candidatos aprovados suspeitos de fraude – brancos que teriam se inscrito nas cotas para negros.

Barrados
Após a publicação da liminar, o Instituto Rio Branco informou que quatro dos cinco suspeitos tiveram a autodeclaração racial rejeitada por uma banca, formada por sete diplomatas do Comitê Gestor de Gênero e Raça do Itamaraty. O resultado foi divulgado nesta sexta (11).

O órgão não informou quais medidas serão tomadas a partir dessa avaliação. Uma das candidatas suspeitas de fraude foi considerada negra pela banca, mas segue impedida de tomar posse pela Justiça Federal. Cabem recursos da decisão judicial e da análise da banca.

A banca de verificação foi anunciada pelo Itamaraty em um edital complementar, divulgado após a ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF). O processo foi protocolado na última segunda (7), com base em representações recebidas ao longo dos últimos meses.

Santos afirma que os candidatos citados na ação do MP eram “claramente brancos”. “Toda nossa preocupação e denúncia acabou de ser confirmada. Precisamos resgatar a justiça e a lisura do primeiro concurso do Itamaraty a adotar cotas para negros”, diz o diretor.

Experiência prévia
A formação de bancas avaliadoras para conferir a declaração racial de negros e pardos não é uma novidade para o Itamaraty. Há mais de dez anos, a pasta oferece bolsas anuais de R$ 25 mil para custear “estudos preparatórios” para as provas do Rio Branco, e candidatos negros passam por avaliação semelhante.

O ministério confirmou ao G1 a adoção de bancas em outros processos, mas não quis explicar o porquê de a metodologia não ter sido seguida nos concursos. Para o Educafro, a diferença de regras explicita uma contradição dentro do órgão diplomático.

“O órgão é o único do Brasil que já tinha experiência acumulada contra fraudes, regras de verificação. Nos editais para bolsas, havia honestidade, clareza e objetividade. O Itamaraty estava prontinho para fazer o melhor processo seletivo do Brasil”, diz frei David dos Santos.

‘Legalista’
O diretor da Educafro diz acreditar que a resistência do diretor do Rio Branco não é motivada “por maldade, mas por uma visão legalista”. Embora preveja punições para declaração racial falsa, a lei de cotas para concursos públicos não estabelece quais critérios serão usados para identificar os candidatos negros nem descreve formas de verificação.

“Como o governo federal fez uma lei malfeita, o Itamaraty percebeu e aproveitou o furo. A lei dá autoridade a cada concurso para elaborar critérios. No concurso da prefeitura de São Paulo, por exemplo, o candidato precisaria ter fenotipia [aparência negra] ou, então, mãe ou pai identificado como preto no IBGE. Não pardo, mas preto”, diz Santos. No concurso citado, esses critérios também são avaliados por uma comissão e podem ser comprovados por documentos complementares.

A ação do MPF que contestou a posse dos suspeitos de fraude cita voto de 2012 do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux sobre a constitucionalidade das cotas raciais nos processos seletivos da Universidade de Brasília (UnB). No texto, Fux diz ser “louvável” a iniciativa da UnB de formar uma banca para supervisionar as inscrições para cotas.

“Não se pretende acabar com a autodefinição ou negar seu elevado valor antropológico para afirmação de identidades. Pretende-se, ao contrário, evitar fraudes e abusos, que subvertem a função social das cotas raciais. Deve, portanto, servir de modelo para tantos outros sistemas inclusivos já adotados pelo território nacional”, diz a conclusão do voto citada na ação pública.

Providências
A exclusão temporária dos suspeitos de fraude no concurso do Itamaraty é considerada insuficiente pelo representante da Educafro. Segundo frei David dos Santos, outros candidatos negros e brancos foram prejudicados pela tentativa de burlar as regras do processo seletivo. Ele diz que seriam necessárias “quatro ações imediatas” para minimizar esse dano.

“Primeiro, abrir um processo civil contra esses cinco que fizeram falsidade ideológica, para servir de modelo aos demais concursos e para que nenhum branco queira passar a perna em brancos e negros. Segundo, que a lição seja aprendida pelo Itamaraty e por demais órgãos elaboradores de concursos. O órgão, os candidatos e os movimentos sociais sofreram por dias, à toa, porque não houve compreensão ampla das cotas”, diz.

“Terceiro, o Itamaraty precisa entender que o concurso não terminou. O prejuízo jurídico foi causado desde a primeira fase. Queremos que o ministério chame todos os prejudicados para entrevista e crie cinco vagas complementares, emergenciais. Quarto, se o Itamaraty não se posicionar, vamos localizar os candidatos e abrir imediatamente, no prazo regimental, um mandado de injunção.”

O mandado de injunção é um instrumento usado pelo Judiciário para avisar ao Poder Legislativo sobre a falta de uma lei (ou outro dispositivo), quando essa falta gera ofensa a direitos fundamentais.

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