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Justiça apura se deportação de imigrantes nos EUA violou decisão judicial

Governo americano pode ter ignorado ordem de juiz de suspender expulsão de venezuelanos
O juiz federal James Boasberg deu prazo ao governo americano até esta terça-feira para fornecer mais informações sobre a aparente desobediência de sua ordem de reverter a deportação de imigrantes acusados de pertencer à organização criminosa venezuelana Tren de Aragua. Não é a primeira vez que a administração de Donald Trump, com apenas oito semanas de existência, pode ter violado uma decisão da Justiça.
Na noite de sexta-feira, Trump assinou secretamente um decreto presidencial evocando a Lei dos Inimigos Estrangeiros, de 1798, que permite a prisão e deportação sumárias, ou seja, sem o devido processo legal, de imigrantes quando os Estados Unidos estão em guerra.
De fato, a lei só havia sido aplicada na guerra de 1812 a 1815 contra o Reino Unido, para deter cidadãos britânicos, na 1ª e 2ª Guerras Mundiais, nesse último caso para impor a internação de 110 mil japoneses, depois do ataque do Japão a Pearl Harbour.
Trump argumenta que os Estados Unidos estão “em guerra” contra “invasores estrangeiros criminosos”, mas essa analogia não tem efeito jurídico: para o país estar em guerra, é preciso que o Congresso declare guerra contra uma ou mais nações.
Duas organizações defensoras dos direitos humanos, American Civil Liberties Union (ACLU) e Democracy Forward, entraram no sábado de manhã com uma ação na Justiça contra as deportações, representando cinco imigrantes venezuelanos. O juiz ordenou então a suspensão das deportações, e que os aviões voltassem se já tivessem decolado.
Não está claro se os três aviões, levando no total 137 venezuelanos, partiram antes ou depois da ordem. Mas parece claro que eles não tinham chegado ainda a El Salvador, de maneira que a ordem de voltar pode ter sido desobedecida.
O juiz havia marcado audiência sobre o caso às 17h locais (19h de Brasília) nessa segunda-feira, mas o Departamento de Estado alegou que não tinha novas informações para fornecer. Daí a extensão do prazo até esta terça-feira.
O responsável da Casa Branca pela política de imigração, Tom Homan, declarou: “Nós não vamos parar. Eu não ligo para o que os juízes pensam”.
Nayib Bukele, presidente de El Salvador, que recebeu US$ 6 milhões dos Estados Unidos para acomodar os imigrantes em suas prisões, publicou no X uma reprodução da ordem do juiz, com a legenda: “Oopsie… Tarde demais”. O secretário de Estado americano, Marco Rubio, compartilhou a publicação em sua página pessoal.
Não é a primeira vez que o governo Trump desobedece ordens da Justiça para agir contra imigrantes. A médica libanesa Rasha Alawieh, professora da Universidade Brown, foi deportada ao desembarcar no aeroporto de Boston, de volta do funeral do líder do Hezbollah Hassan Narsallah.
As autoridades afirmaram ter encontrado em seu celular conteúdo simpático ao grupo xiita libanês. O juiz Leo Sorokin proibiu a remoção dela do Estado de Massachusetts sem um aviso com 48 horas de antecedência. Mesmo assim, ela foi colocada na mesma noite em um voo para a França e de lá para o Líbano.
O estudante sírio de origem palestina Mahmoud Khalil, da Universidade Columbia, continua em uma prisão da Louisiana embora o juiz Jesse Furman tenha ordenado que ele tivesse direito a uma comunicação adequada com seus advogados, que se encontram em Nova York, onde ele mora e estuda.
Khalil tem greencard, a residência americana, além de ser casado com cidadã americana, que ademais está grávida dele. De acordo com a lei americana, alguém com esse status não pode ser sumariamente deportado. O governo Trump o acusa de ser militante do Hamas, mas não há provas e nem uma investigação em curso nesse sentido.
Khalil liderou os protestos contra os ataques israelenses à Faixa de Gaza. O governo cortou US$ 400 milhões em contratos e subsídios federais à Universidade Columbia, acusando-a de não adotar medidas suficientes para conter o “antissemitismo”.
Essas atitudes violam a liberdade de expressão, garantida na Primeira Emenda da Constituição, e usada como justificativa pelo próprio governo para repelir qualquer regulação das redes sociais. A conclusão é a de que se trata de uma defesa seletiva da liberdade.
Essas e outras iniciativas causam preocupações nos Estados Unidos de que o governo Trump esteja criando precedentes para se colocar acima da lei e da Justiça.

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