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Maioria dos agentes da ditadura morre sem julgamento
Uma análise realizada pela Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) revela que a maioria dos agentes envolvidos em violações de direitos humanos durante o regime militar não chegou a ser formalmente acusada ou julgada antes de falecer.
Segundo o estudo, 69% dessas pessoas morreram sem enfrentar quaisquer processos criminais. As investigações dizem respeito a questões graves, como homicídio, falsificação de documentos e sequestros, frequentemente ligados a ocultação de corpos e ao menos 18 desaparecimentos forçados.
Foram identificados 139 envolvidos em tais crimes, mencionados em 53 processos judiciais iniciados pelo Ministério Público entre 2012 e 2022. Destes, 96 faleceram antes de qualquer denúncia ser apresentada ou durante o andamento dos processos. Apenas 72 chegaram a ser oficialmente julgados, porém nenhum recebeu condenação definitiva.
O estudo enfatiza dois grandes desafios para a responsabilização: a rejeição das denúncias, geralmente com base na Lei da Anistia e na prescrição penal, e a lentidão dos processos judiciais, considerada uma barreira institucional.
Entre os réus cujos casos foram encerrados pela morte, destacam-se Carlos Brilhante Ustra, que presidiu o Doi-Codi do 2º Exército nos anos 70, e Alcides Singillo, delegado que trabalhou no Deops. Outros nomes como os policiais Sérgio Fernando Paranhos Fleury e Alcides Cintra Bueno, o coronel Ênio Pimentel Da Silveira e o médico-legista Isaac Abramovitch também faleceram sem que respondam por seus processos.
O levantamento mostra que 38 das 53 denúncias foram rejeitadas. Das 14 aceitas, várias não avançaram ou foram suspensas. Apenas dois casos resultaram em condenações iniciais, mas ambas foram revertidas em segundo grau por prescrição.
O estudo menciona o caso singular do sargento Antonio Waneir Pinheiro Lima, que esteve no centro de torturas conhecido como “Casa da Morte”. A acusação inicial contra ele foi rejeitada, mas recursos permitiram a continuidade do processo, que está pendente de decisão.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a aplicação da Lei da Anistia, rejeitando a revisão solicitada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para responsabilizar agentes da ditadura por atos de tortura.
Atualmente, existem ao menos dez recursos pendentes no STF que discutem a viabilidade da anistia para crimes graves cometidos durante o regime, incluindo ocultação de cadáver e outras violações severas dos direitos humanos.
A investigação feita pela Unifesp entre setembro e novembro, em parceria com organizações de direitos humanos e grupos de pesquisa da USP, destacou a importância do posicionamento do STF para avançar na responsabilização.
Carla Osmo, professora e coordenadora da Clínica de Direitos Humanos da Unifesp, enfatiza que o Brasil enfrenta um atraso significativo no cumprimento das obrigações internacionais de investigar e processar crimes da ditadura. Ela ressalta que, com o passar do tempo, torna-se cada vez mais difícil responsabilizar os envolvidos.
Segundo as autoras, as ações no STF apontam para uma possível mudança na interpretação da lei, permitindo, mesmo que tardiamente, que haja responsabilização penal dos agentes da ditadura. Contudo, a demora e a morte dos acusados, sobreviventes e familiares antes da conclusão dos processos representam um obstáculo importante.
O Supremo deve analisar, em breve, se a Lei da Anistia pode ser aplicada a crimes permanentes, como o desaparecimento forçado de pessoas, considerando decisões recentes e recursos em andamento.
Casos emblemáticos como o sumiço dos militantes da Guerrilha do Araguaia e o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva são citados como exemplos que ilustram a complexidade e relevância do tema para a justiça brasileira.
Além disso, existem processos suspensos aguardando a definição do STF sobre essa questão, que pode redefinir a interpretação da anistia e promover avanços no combate à impunidade.


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