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Morador de rua de São Paulo que coleciona livros e mantém limpeza
Rabelo não gosta de ser referido pelos nomes José ou Ricardo, que considera comuns e desgastados pelo uso. Prefere ser chamado simplesmente de Rabelo, pois para ele o nome representa uma identidade escolhida, não imposta.
Rabelo vive em frente ao número 318 da Rua da Consolação, no centro de São Paulo. O local onde ele dorme não possui paredes nem portas, mas ele o chama de “casa” ou, às vezes, de “acampamento”. Dentre os muitos espaços ocupados por pessoas em situação de rua, o dele se destaca pela organização e limpeza. Quando a reportagem o entrevistou, às 10h03 de uma sexta-feira, ele organizava os livros sob a marquise de um imóvel comercial fechado que antes abrigava um call center, alinhando os volumes, varrendo ao redor e recolhendo o lixo para uma lixeira branca próxima, que mantinha ali.
Ele dorme sobre um colchonete fino coberto por um lençol claro e limpo, usando uma caixa de isopor como cabeceira, onde guarda roupas doadas. Costuma posicionar imagens junto aos livros, embora algumas, como um retrato de John Lennon, tenham sido levadas recentemente, o que ele atribui a um problema comum de quem vive na rua.
Os livros são encontrados nas ruas. Alguns permanecem expostos à vista, enquanto outros permanecem escondidos para que não desapareçam. Rabelo também mostrou um livro ilustrado de histórias maravilhosas que guarda para devolver a um amigo, destacando seu cuidado com o que lhe é emprestado.
Antônio Vieira, conhecido como Toninho, jornaleiro que trabalha há cerca de 30 anos próximo ao local, relata que Rabelo chegou em junho, dois meses após o fechamento do imóvel comercial. Ele é descrito como discreto, calado e gentil, já tendo ajudado senhoras com sacolas, e se destaca pela organização e pelo hábito de passar horas lendo.
Rabelo se identifica como José Ricardo Rabelo de Oliveira Marques, embora não tenha apresentado documentos. Nasceu em São Luís do Maranhão, filho de um coronel da Polícia Militar, pai de irmãos que seguiram carreira similar. Após a morte da mãe há cerca de quatro anos e do pai dois anos depois, ele diz que a família ainda é rica, mas cortaram a pensão que deveria receber, o que resultou em seu afastamento da família desde então. Contou que foi adotado pelo segundo marido de sua mãe, de quem herdou o sobrenome Rabelo, e descreveu sua família como matriarcal, com a mãe comandando o lar.
Ele frequentou bons colégios, mas não seguiu as carreiras que a mãe desejava, demonstrando não querer ser policial e não gostando de sala de aula. Desde jovem viajou por diversas capitais e cidades brasileiras, mas escolheu ficar em São Paulo, local que considera acolhedor para pessoas como ele.
A chegada à rua foi gradual após perder a pensão, passando por albergues, mas preferindo a liberdade da rua, onde foi aconselhado a desfazer-se de objetos para evitar furtos e manter a higiene por conta própria. Ele toma banho diariamente em uma bica na Avenida 23 de Maio quando está quente e mantém a roupa limpa descartando peças usadas.
Rabelo não consome álcool, mas fuma cigarro e crack, afirmando que esta última droga lhe dá coragem para enfrentar as dificuldades. Trabalha com reciclagem para sustentar-se, evitando pedir esmolas e garantindo que não comete atos ilícitos. Seus gastos incluem alimentos simples, cigarros e crack.
Para Rabelo, o centro de São Paulo é o melhor local para viver devido à aceitação das pessoas em situação de rua. Ele não planeja deixar a vida nas ruas e prefere não se vincular ao sistema. Sua casa temporária muda frequentemente, decorada por ele com elementos artísticos que refletem sua memória afetiva, como homenagens e enfeites natalinos feitos com materiais encontrados, mantendo sempre tudo limpo e organizado em homenagem à mãe.
Durante as viagens, teve quatro filhos e dois netos, embora prefira manter sua localização em segredo para a segurança da filha que tenta tirá-lo da rua. Suas constantes mudanças parecem ligadas a esse desejo e ao seu desgosto pela rotina. Ele alerta para os perigos da vida na rua, principalmente causados por outros moradores em situação de rua, referindo-se a alguns como “ratos” por furtarem propriedades alheias.
Questionado sobre pensar no passado ou no futuro, Rabelo afirma viver o presente, focando no aqui e agora enquanto mantém sua casa temporária limpa e organizada.


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