Economia
Negociação e defesa da soberania marcam o primeiro mês do tarifaço

O tarifaço imposto pelos Estados Unidos às exportações brasileiras completou um mês neste sábado (6). Nesse período, prevaleceram tentativas de negociação, defesa da soberania nacional e iniciativas para apoiar empresas brasileiras.
A Agência Brasil conversou com especialistas para analisar os impactos dessas medidas americanas que estabeleceram barreiras ao comércio exterior e relembra os principais acontecimentos dos últimos 30 dias:
Ameaças em julho
Em 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviou uma carta para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciando a imposição de uma tarifa de 50% sobre todas as exportações brasileiras para os EUA. A carta foi divulgada pelo próprio Trump em uma rede social.
O comunicado justificava o tarifaço pelo déficit comercial dos EUA e alegava perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro, considerado por Trump como alvo de tal perseguição. Contudo, os Estados Unidos possuem superávit na relação comercial com o Brasil. Em resposta, o Brasil destacou que acumula um déficit comercial com os EUA de quase US$ 410 bilhões nos últimos 15 anos, significando maior importação do que exportação para aquele país nesse período.
Implementação em agosto
Apesar das tentativas de negociação por autoridades e empresários brasileiros, em 30 de julho Trump confirmou as medidas retaliatórias. O tarifaço entrou em vigor em 6 de agosto, com exceções para cerca de 700 produtos, incluindo suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis, beneficiando especialmente a Embraer, uma das maiores fabricantes de aviões do mundo e com significativa exportação aos EUA.
Detalhes das tarifas
Os produtos excluídos abrangem 44,6% das exportações brasileiras para os EUA, pagando uma tarifa de até 10%, já estabelecida anteriormente. O tarifaço completo, que soma 50%, incide sobre 35,9% dos produtos exportados. Outros 19,5% são tributados com tarifas específicas baseadas em argumentos de segurança nacional, afetando setores automotivos e de metais como aço, alumínio e cobre.
Assim, 64,1% das exportações brasileiras para os EUA competem em condições equiparadas, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). O vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin estima que o tarifaço impacta 3,3% das exportações brasileiras.
Negociações e postura institucional
Após o início das tarifas, o governo brasileiro buscou diálogo, com reuniões entre Geraldo Alckmin e representantes da embaixada americana. Entretanto, dificuldades persistem, inclusive com o cancelamento de encontros com autoridades dos EUA, associados a articulações políticas controversas envolvendo lideranças brasileiras.
O professor José Niemeyer, do Ibmec-RJ, destaca uma postura negociadora institucional do Brasil, sem confrontos, valorizando o esforço diplomático para conquistar a lista de isenções e reduzir tarifas em alguns produtos.
Defesa da soberania nacional
O presidente Lula refuta as alegações de Trump de que o Brasil seria um parceiro comercial pouco confiável. Em eventos públicos, reforçou a importância de defender a soberania nacional e rejeitou qualquer desrespeito dos EUA, afirmando que o país permanece aberto à negociação, embora considere as decisões americanas inadequadas.
Recursos internacionais e legislação
O Brasil acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC) para contestar o tarifaço, acusando os EUA de violar compromissos multilaterais. Além disso, foram implementadas medidas internas, como a Lei da Reciprocidade Econômica, que permite respostas tarifárias pelo Brasil, sob coordenação da Câmara de Comércio Exterior (Camex).
Impactos econômicos
As tarifas americanas elevam os custos dos produtos brasileiros nos EUA, afetando a competitividade do país, preocupando estados como Ceará, o maior exportador para os EUA, e setores como fruticultura no Vale do São Francisco e a indústria de calçados em Franca (SP).
Para minimizar esses efeitos, o governo lançou o Plano Brasil Soberano, oferecendo linhas de crédito de R$ 30 bilhões, prorrogação da suspensão de tributos e facilitação da compra de alimentos por órgãos públicos.
Indicadores e análises
Em agosto, as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5%, incluindo produtos não afetados diretamente, indicando antecipação de embarques em julho para evitar o tarifaço. Apesar disso, as exportações totais do Brasil cresceram 3,9%, com superávit comercial de US$ 6,1 bilhões. Setores e regiões enfrentam impactos variados, reforçando a necessidade de diversificação dos mercados.
A economista Lia Valls Pereira, da Uerj e do Ibre/FGV, observa que o tarifaço já influencia negativamente alguns setores, especialmente aqueles com forte dependência do mercado americano. Ela enfatiza a importância de manutenção das negociações e busca por novos acordos comerciais, como com a União Europeia.
Influência na inflação
O economista Matheus Dias, do Ibre/FGV, avalia que o tarifaço não teve impacto relevante na inflação brasileira, devido à ampla lista de isenções. Para ele, sem essas isenções, pode haver realocação nas cadeias comerciais, influenciando preços internos, mas atualmente os efeitos setoriais são limitados e sem reflexo direto para o consumidor.

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