A liberação do voto das bancadas do PRB e do PP já surtiu efeito nos levantamentos sobre a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, prevista para o próximo domingo. Cotejando os dados do Placar do Impeachment, do jornal O Estado de S. Paulo, e do Mapa do Impeachment, do movimento Vem Pra Rua, temos agora 312 votos a favor, 136contra, 63 indefinidos e 2 ausências.
Supondo que a probabilidade de voto de um deputado sofre influência igual de seu estado e de seu partido, o valor esperado de votos favoráveis entre os indecisos agora é 34. Ao todo, portanto, minha projeção dá hoje 312 + 34 = 346 votos a favor do impeachment. Ele seria aprovado com uma margem superior a 1% dos votos e acima de 6% dos votos sobre os quais há dúvida.
A aprovação do impeachment de Dilma se tornou, portanto, o cenário mais provável. Essa realidade acaba por gerar uma bola de neve. Em política, a vitória atrai apoio. Deputados antes indecisos tendem a votar pelo impeachment assim que perceberem a posição da maioria. Com uma votação mais definida, o valor de troca de um apoio ao governo cai, pois ele já não faz tanta diferença. Tudo isso leva a crer que a votação prevista para o próximo domingo trará um placar ainda mais favorável ao impeachment na Câmara.
O passo seguinte será a nomeação de uma Comissão Especial no Senado, que precisa aceitar o processo por maioria simples. Levando em conta a divisão atual das bancadas na Casa e a posição de cada partido a respeito da matéria, não será difícil que isso aconteça, provavelmente já no início do mês que vem. Como já disse que não renunciará em nenhuma hipótese, Dilma será então afastada do cargo para ser submetida a julgamento.
O processo não será indolor. O impeachment de Dilma gera apenas incômodo para uns, mas descontentamento profundo para outros. O Brasil se verá livre dela para perceber que seus problemas não se limitavam ao PT. A crise econômica persistirá, o custo altíssimo de nosso Estado perisistirá, os problemas seculares na nossa educação e saúde persistirão, assim com o envolvimento comprovado de uma parcela significativa da nossa classe política com a corrupção.
A principal sequela política do impeachment, contudo, será uma fratura social difícil de reparar. Em sua história, o Brasil sempre resolveu pela força as tensões resultantes de tamanho grau de polarização. Não se sabe ainda o que acontecerá desta vez. Será, sem dúvida, o maior desafio já enfrentado por nossas instituições e pela nossa democracia.
Apesar de impecável em sua legitimidade até agora, o processo de impeachment sofreu questionamentos que abrem espaço para protestos e contestações no futuro. Eles têm pouco ou nenhum valor lógico, valor jurídico discutível, mas um inegável valor político. Analisá-los ajuda a traçar os novos focos de conflito no Brasil pós-impeachment.
O primeiro deles está no presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Ele é réu na Operação Lava Jato, e há provas eloquentes de que recebeu propinas resultantes do esquema da Petrobras, depositadas em contas no exterior. Cunha conseguiu até agora, graças a manobras regimentais, driblar a cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Câmara. O impeachment desviou as atenções dele. Mas sua situação é frágil e ele não tem condição de ocupar seu cargo. O que fariam o Congresso e um novo governo em relação a Cunha?
O segundo questionamento é a classificação incorreta dos crimes orçamentários atribuídos a Dilma como “tecnicalidades” pelos adversários do impeachment. Todas as Constituições brasileiras, exceto a de 1937, previram crimes de responsabilidade contra a Lei Orçamentária. É evidente que uma das atribuições mais importantes da Presidência está no zelo pelo gasto público. A acusação exibiu provas de que Dilma persistiu, no ano passado, em várias práticas lenientes que levaram o Tribunal de Contas da União (TCU) a rejeitar suas contas de 2014.
Não se trata de “tecnicalidade”, portanto. Mas de questão técnica. Da maior relevância, sem dúvida. Mas técnica. Apenas essa característica bastará para gerar contestações e recursos. O processo de impeachment teria sido politicamente mais sólido se estivesse baseado em outro tipo de acusação.
Teria sido possível montar um caso robusto imputando a Dilma o crime de obstrução de Justiça, com base na delação premiada do senador Delcídio Amaral e nas gravações que revelam as tentativas de deter as investigações da Lava Jato. Também teria sido possível esperar o julgamento da chapa que a elegeu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já que são abundantes as evidências de que sua campanha recebeu dinheiro sujo do petrolão.
A queda de Dilma por algum desses motivos estaria muito menos sujeita a controvérsias jurídicas ou a protestos, pois seria mais difícil confundir a opinião pública levando a discussão para o campo técnico das violações à Lei Orçamentária. O Congresso tem toda legitimidade para julgá-la, mas uma vitória no plenário não significará o fim do questionamento. Persistirá no PT e em parcela da sociedade um sentimento de injustiça. Também persistirá a campanha publicitária que tenta associar a palavra “golpe” a um processo que representa apenas o funcionamento saudável de nossas instituições num dos momentos mais delicados da democracia.
O que nos leva naturalmente ao terceiro foco de questionamento: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É evidente que Dilma o nomeou para o ministério da Casa Civil para tentar protegê-lo das investigações da Lava Jato, em que Lula é suspeito de ocultar patrimônio oriundo do dinheiro sujo recebido de empreiteiras. Cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a nomeação de Lula. Isso deverá ser feito apenas na semana que vem, quando a votação do impeachment estiver decidida.
Como o cenário mais provável hoje é a saída de Dilma do poder, o julgamento terá um efeito inócuo. Politicamente, porém, Lula saberá usar qualquer ato contra ele ou contra o PT para fazer aquilo que sabe fazer melhor: posar de vítima de uma conspiração das elites. Uma conspiração inverossímil que, a julgar pelo tipo de informação que circula pela internet, reúne o Congresso Nacional, o STF, juízes federais, o Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República, os partidos de oposição e a imprensa.
Absurdos desse tipo têm um apelo político inegável. Com Michel Temer na Presidência e o julgamento de Dilma em andamento no Senado – a valer suas palavras de que jamais renunciará –, Lula se tornará o vértice para o qual convergirão as esperanças de todos os interesses atrelados ao governo do PT. O STF terá de devolver para o juiz Sérgio Moro o processo da Lava Jato contra ele, e Lula continuará a ser investigado. Se for preso e se tornar réu, estará politicamente enfraquecido. Se não, saberá transformar o discurso de vitimização no mote da campanha eleitoral em que tentará voltar ao poder em 2018.
A maior dúvida num eventual governo Temer está justamente no andamento da Lava Jato. Cunha, Lula, o presidente do Senado, Renan Calheiros, o líder do PSDB Aécio Neves e políticos de todas as colorações partidárias estão entre os alvos. O nome do próprio Temer já foi citado em diversas delações premiadas. O interesse de todos eles é interromper as investigações. O do Brasil é que elas prossigam. A dúvida é se o cenário posterior ao provável impeachment de Dilma será favorável a isso ou se já está em gestação algum tipo “acordão” para poupá-los.
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