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O país latino-americano que disse ‘Não’ a Musk: Starlink é proibida na Bolívia

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Apenas pouco mais da metade dos lares bolivianos possui internet banda larga

Mas o avanço da Starlink foi barrado pela Bolívia, que se recusou a conceder-lhe uma licença de operação no ano passado, com autoridades e especialistas citando preocupações sobre sua dominância descontrolada em todos os lugares onde se estabelece, optando em vez disso por continuar dependendo de seu próprio satélite envelhecido, de fabricação chinesa.

A decisão de rejeitar a Starlink intrigou e irritou muitos na Bolívia, onde a velocidade da internet é a mais lenta da América do Sul e centenas de milhares de pessoas permanecem offline. Sem conexão com a internet, as pessoas frequentemente enfrentam dificuldades para obter educação, acesso a empregos e ajuda rápida durante desastres naturais.

Mas, ao manter a Starlink fora do país, a Bolívia se uniu a outras nações que começaram a soar o alarme sobre a SpaceX e a influência política que Musk pode exercer por meio do controle de uma rede de telecomunicações usada por governos, forças armadas e pessoas em todo o mundo.

A Starlink, que não respondeu aos pedidos de comentário, também enfrentou obstáculos no Caribe, na Europa e na África do Sul. Musk afirma que — não há substituto para a Starlink — e usa o X, a plataforma de mídia social que também possui, para promover sua política de direita. Ele também tem sido vocal sobre o poder que detém.

— Os países perceberam que não podem simplesmente depender de uma única parte — disse Antoine Grenier, chefe global de espaço da Analysys Mason, uma consultoria com sede na Inglaterra.

Apenas pouco mais da metade dos lares bolivianos possui internet banda larga, em comparação com 87% no Brasil e 94% no Chile. Mais de 90% dos bolivianos usam celulares para acessar a internet, mas nas áreas rurais, onde o sinal de celular pode ser irregular, muitos não têm nenhuma forma de se conectar.

— As pessoas às vezes têm que subir em uma árvore ou numa pedra para conseguir sinal — disse Patricia Llanos, professora universitária e geógrafa que frequentemente lidera equipes de pesquisadores de campo na região amazônica da Bolívia. — É um grande problema para nós.

Em outras partes do mundo, a Starlink ajudou a levar internet a muitos lugares. Em apenas alguns anos, a SpaceX lançou mais de 7.300 pequenos satélites ao espaço, conectando mais de cinco milhões de pessoas em 125 países.

Mas, apesar do sucesso em outros lugares, a Starlink é vista com desconfiança pelo governo boliviano.

A preocupação, segundo autoridades e especialistas bolivianos, é que a Starlink possa promover uma concorrência desleal e minar a soberania do país ao entregar controle demais a uma empresa estrangeira poderosa, que pode tentar usar sua influência para moldar os regulamentos bolivianos a seu favor.

A Starlink — tem superioridade tecnológica — sobre os serviços de internet da Bolívia, disse Iván Zambrana, diretor da agência espacial boliviana, que é proprietária do satélite chinês do país e o opera desde seu lançamento em 2013. Mas os reguladores devem estabelecer regras para garantir que a Starlink contribua para a economia boliviana e — compita em igualdade de condições —, sem prejudicar os provedores de internet locais, acrescentou.

— Qualquer empresa que venha fazer negócios no país vai ficar com uma fatia do bolo — um bolo que agora pertence a nós que estamos aqui — disse Zambrana em entrevista.

Starlink no Brasil
O serviço da Starlink tornou-se um sucesso em grande parte da América do Sul, principalmente porque pode ser difícil e caro levar infraestrutura tradicional de internet a áreas remotas. Em vilarejos acessíveis apenas por barco ou por estradas de terra, os kits compactos da Starlink oferecem uma forma mais barata e prática de conectar casas, escolas e hospitais.

No Brasil, seu maior mercado na América Latina, a Starlink cresceu para mais de 250.000 assinantes desde que chegou em 2022, segundo dados da própria empresa.

Mas o Brasil começou a buscar alternativas, temendo uma dependência excessiva da Starlink. No ano passado, depois que a X de Musk desafiou ordens do Supremo Tribunal Federal para remover postagens de direita com desinformação, o Brasil fechou um acordo com a SpaceSail, uma rival chinesa que atualmente desenvolve seu próprio sistema de internet via satélite.

Na Bolívia, Zambrana minimizou a necessidade do país pela Starlink, insistindo que o satélite chinês que utiliza é confiável e fornece cobertura de internet em todo o território. — Não há lugar onde esses serviços não sejam oferecidos — afirmou.

Mas especialistas dizem que, na prática, o satélite envelhecido não é páreo para a Starlink. Seu sinal é lento e instável, e a instalação de antenas e pratos em áreas rurais é cara e difícil. Agora, o satélite boliviano está se aproximando do fim de sua vida útil, com estimativas de que possa ficar sem combustível e sair do ar já em 2028.

A Bolívia ainda está avaliando como substituir o satélite, mas já iniciou conversas preliminares com a SpaceSail, da China, sobre o possível uso da rede de satélites que está construindo, disse Hugo Siles, embaixador da Bolívia na China.

— Temos trabalhado com a China porque sentimos que há uma acomodação absoluta em relação às regulamentações bolivianas e um respeito pela soberania — disse Siles em entrevista.

A SpaceSail, que não respondeu a um pedido de comentário, planeja lançar 648 satélites de órbita baixa ainda este ano, e até 15.000 até 2030, segundo números divulgados pelo governo municipal de Xangai, que é proprietário da empresa.

— Se alguém conseguir competir com a Starlink num futuro próximo, será ela — disse Gregory Falco, professor assistente de engenharia mecânica e aeroespacial da Universidade Cornell.

Por ora, a pressão para conectar os bolivianos está crescendo, com parlamentares reconsiderando se o país deve permitir que a Starlink opere em seu território. A Starlink parece otimista quanto às suas chances. Em seu mapa de áreas de serviço, ela lista a Bolívia como um país onde seu serviço de internet via satélite estará disponível em 2025.

Essa seria uma boa notícia para Adrián Valencia, 45 anos, professor em Quetena Chico, um vilarejo de mil habitantes na região sul da Bolívia. Valencia, que dirige a única escola secundária da cidade, atendendo cerca de 200 alunos, disse que a conexão de internet ruim o obriga a dirigir seis horas até a cidade mais próxima para carregar vídeos educacionais que grava para seus estudantes.

— A internet é péssima — disse ele. Isso prejudica a educação e o letramento digital dos alunos. — Não ter acesso à internet — acrescentou — é como não saber ler.

Alguns hotéis locais chegaram a contrabandear roteadores da Starlink do país vizinho, o Chile. Embora o sinal alcance partes da fronteira boliviana, a Starlink geralmente corta o serviço após alguns meses.

Enquanto Llanos, a geógrafa, preparava recentemente um workshop em uma região florestal remota, a sete horas de La Paz, ela também esperava recorrer à Starlink, pedindo a colegas que lhe trouxessem um roteador. No entanto, eles não conseguiram obter um a tempo, e os 80 participantes usaram walkie-talkies para se comunicar durante o treinamento.

— Mesmo tendo um satélite no espaço — disse Llanos, referindo-se à nave chinesa —, ainda não temos uma forma de nos conectar.

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