O governo regional da Catalunha anunciou nesta sexta-feira que está pronto para o referendo de domingo. Segundo os organizadores, 60.000 pessoas já se inscreveram para a votação, apesar dos esforços de Madri para barrar a iniciativa, declarada “inconstitucional” pelas autoridades espanholas.
Mas por que os catalães querem a independência? Os impulsos separatistas existem há séculos, mas cresceram de forma contundente a partir do ano de 2010, até conquistarem aproximadamente metade da população regional.
Assim como em outros movimentos separatistas, os catalães querem ter o poder de tomar as próprias decisões, sem interferências. Segundo uma pesquisa do Centre d’Estudis d’Opinió (CEO), 26% da população usa o argumento da autonomia como principal razão para a independência. A crença de que estarão melhores sozinhos do que com a Espanha é apoiada por 23% da população, enquanto 19% desejam um novo modelo de gestão política.
O convívio cada vez mais agressivo entre o governo regional e a administração central também é visto como um motivo para o desmembramento. As relações estão desgastadas e, para muitos, os vínculos são insustentáveis. Além disso, razões históricas, econômicas e culturais também têm grande peso no movimento.
História
Os catalães defendem que a região se formou como Estado separado por volta do século XII. Em 1150, o casamento de Petronilia, rainha de Aragão, e Ramon Berenguer IV, conde de Barcelona, formou uma dinastia e deixou aos filhos do casal todo o território das atuais regiões de Aragão e Catalunha como herança.
A disposição durou até a Guerra de Sucessão, que acabou com a derrota de Valência em 1707 e da Catalunha em 1714, dando origem à Espanha dos dias de hoje. Os reis que subiram ao poder nos anos após a guerra tentaram impor o castelhano e as leis espanholas na região, porém abandonaram suas tentativas em 1931, quando a Generalitat (o governo nacional da Catalunha) foi restaurada.
Em 1936, com a tomada do poder pelo ditador Francisco Franco, o separatismo catalão foi mais uma vez abafado. Em 1938, as forças do general assumiram o controle da região após uma batalha que matou 3.500 pessoas e levou muitas outras ao exílio. A região só restaurou sua autonomia em 1977, com o retorno da democracia.
O governo da Espanha aprovou o estatuto de autonomia da Catalunha em 2006. Segundo as novas leis, o governo regional teria mais poder sobre as decisões envolvendo cobranças de impostos, questões judiciais e imigração. Porém, em 2010, o decreto foi desafiado e suspenso pelo Tribunal Constitucional nacional.
Ainda assim, a região tem indiscutível autonomia dentro da política nacional, já que a Constituição espanhola, aprovada por 90% dos eleitores catalães em 1978, se refere à Catalunha como “nacionalidade histórica”, além de reconhecer seu direito à autonomia. Porém, a derrota de 2010, somada a crise econômica que atingiu a Espanha, foi mais do que suficiente para reforçar a causa separatista.
Economia
A Catalunha é o coração industrial da Espanha – tanto pelo poder de seus portos e comércio têxteis, como, mais recentemente, pelas finanças, serviços e empresas de alta tecnologia. É a região mais rica do país, responsável por 20% do PIB de 2015.
Existe uma crença incentivada pelos separatistas segundo a qual os cidadãos gastam mais com o governo central do que recebem de volta. De fato, a região é a que mais paga impostos: em 2016, os catalães pagaram 20,8% dos impostos recolhidos por Madri. Muitos políticos independentistas insistem que estariam melhor sem o restante da Espanha, já que manteriam todo os recursos na região, ajudando-a a se desenvolver ainda mais.
Porém, especialistas em política espanhola e europeia vêm questionando o argumento, que não segue a complexa lógica da economia global. Muitos acreditam que, como país independente, a Catalunha teria muitos custos extras para arcar. Além disso, perderia boa parte de sua rede de comércio.
“Se a Catalunha se tornar independente, não se separará somente da Espanha, mas da União Europeia também”, diz o catedrático de direito constitucional da Universidade Autónoma de Barcelona, Francesc de Carreras. Grande parte das relações que o empresariado catalão sustenta atualmente são com a Europa, principalmente França, Itália e Alemanha. “Todas as vantagens ficais e sobretudo as relações econômicas com esses países, concedidas pela UE, se perderiam e o impacto sobre as finanças catalãs seria imediato”, completa Carreras.
Língua e cultura
O independentismo catalão é também um movimento cultural. Muito se fala, inclusive, sobre o chamado catalanismo, uma necessidade dos cidadãos da região em se diferenciarem do resto do país e exaltarem seus costumes, lendas e festas próprios para o resto do mundo.
Em Barcelona, os símbolos nacionalistas estão por toda parte, inclusive em sua arquitetura modernista única. A cruz de São Jorge, personagem religioso cristão exaltado como o cavaleiro corajoso que no passado salvou a princesa e a cidade contra a invasão de um dragão, é estampada em monumentos, prédios e igrejas. O monstro da lenda catalã é associado especialmente à figura do estrangeiro que deseja acabar com sua liberdade e autonomia.
A região também celebra festividades únicas, como a Festa de Sant Medir, Dia de Sant Jordi, Festival de Gràcia e La Mercè.
A maioria da população fala o catalão. A língua é a oficial da região, junto ao castelhano. Com o fim do regime ditatorial de Francisco Franco, em 1975, e a restauração da democracia em todo o país, o idioma passou a ser usado na política, educação e nos meios de comunicação. Nas ruas, estradas e estações de metrô, se lê o catalão sempre em primeiro lugar.
A língua tem sua identidade própria, já que não é um dialeto derivado do espanhol, e é falada por 10 milhões de pessoas na Catalunha, Valência (dialeto valenciano), Ilhas Baleares e na cidade italiana de Algueiro.
Você precisa estar logado para postar um comentário Login