Segundo o Ministério da Saúde, a medida faz do Brasil o primeiro país da América do Sul e o sétimo do mundo a incluir meninos em um programa nacional de imunização de HPV. A medida segue a recomendação de sociedades médicas brasileiras e veio após estudos mostrarem que a inclusão dos meninos no público-alvo da vacinação contra a doença contribui para a diminuição das doenças associadas ao vírus, já que possibilita a diminuição da circulação do vírus a população.
“Um estudo na Austrália mostrou que vacinando apenas as meninas reduzia também a incidência de verruga genital entre os meninos da mesma faixa etária”, afirma Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), à BBC Brasil.
Veja abaixo algumas respostas compiladas pela BBC Brasil para algumas das dúvidas frequentes relacionadas ao vírus e à vacinação.
Riscos do HPV à saúde
O papilomavírus humano (HPV, da sigla em inglês human papiloma virus) é o vírus sexualmente transmissível mais comum e possui mais de 200 subtipos. Desse total, mais de 40 são facilmente transmitidos pela via sexual, com o contato direto – seja genital-genital, oral-genital ou manual-genital – da pele ou de uma mucosa infectada. Entre eles, cerca de 12 são considerados de alto risco e podem causar câncer. Os subtipos 16 e 18, por exemplo, são responsáveis pela maioria dos casos de câncer relacionados ao HPV. Já os tipos 6 e 11 não estão associados a tumores, mas são responsáveis por 90% das verrugas em regiões de mucosas, genitais e ânus.
Em relação à incidência, acredita-se que cerca de 50% dos homens e mulheres sexualmente ativos nos Estados Unidos, por exemplo, já contraíram o vírus em algum momento da vida. Em 90% dos casos o sistema imunológico consegue derrotar o vírus no período de dois anos. No entanto, mesmo sem sintomas, a pessoa pode infectar parceiros. Também é possível que a doença só se manifeste anos após ter tido contato com alguém infectado, o que complica a tarefa de determinar quando ocorreu a infecção.
Quando a infecção se manifesta, pode causar, tanto em mulheres quanto em homens, “problemas como verrugas genitais, que são mais fáceis de tratar, até doenças potencialmente gravíssimas, como o câncer”, explica Isabella.
O HPV também pode provocar lesões pré-cancerosas, ou seja, lesões que podem se transformar em um câncer. No entanto, contrair o vírus – mesmo os subtipos considerados de alto risco- não é sinônimo de câncer. Segundo o site do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, a maior parte das infecções por HPV ocorre sem apresentar qualquer sintoma. O problema é que algumas persistem por muitos anos e infecções persistentes com subtipos de alto risco levam a mudanças nas células que, sem tratamento, podem causar câncer.
Prevenção
Além da vacina, a prevenção contra as doenças causadas pelo HPV continua envolvendo o exame Papanicolau, que identifica possíveis lesões precursoras do câncer e que, se tratadas precocemente, evitam o desenvolvimento da doença. Como o preservativo masculino (camisinha) não é basta para proteger contra a infecção – já que o homem e a mulher podem ter a presença do vírus em outras áreas não cobertas pelo preservativo como as mucosas – a vacinação precoce é uma das melhores formas de prevenção da doença.
Por isso, vacinar crianças tão novas, que ainda não iniciaram sua vida sexual é importante para protegê-las antes delas serem expostas ao vírus. “A vacina é eficaz para todos. Mas é claro que para os que são sexualmente ativos a efetividade é menor por uma questão: os jovens que já iniciaram a vida sexual podem ter tido contato com o vírus antes de se vacinar. Do ponto de vista de saúde pública, quanto mais precocemente se der a vacina, maior o impacto, tanto em meninas como em meninos. Vacinando quem ainda não teve relação, evitamos ter tantas dessas lesões (pré-malignas). Vacinar precocemente é válido tanto para imunizá-los antes que se infecte, mas também porque sabemos que quanto mais novo, mais robusta é a resposta à vacina.”, afirma Isabella.
Apesar da redução da eficácia, pessoas já contaminados pelo HPV também se beneficiam da vacina, porque ele provavelmente não se infectou com todos os tipos de vírus – assim, a imunização irá protegê-lo dos subtipos que ele ainda não entrou em contato. Além disso, a vacina reduz a chance de novas lesões causadas pelo HPV. Adultos e adolescentes fora da faixa-etária determinada pelo SUS também se beneficiam da vacina, mas precisam procurar uma rede privada para fazer a imunização.
Como age a vacina?
A vacina oferecida pelo SUS tanto para meninos quanto para meninas é a quadrivalente, que oferece proteção contra os subtipos 6, 11, 16 e 18 com um índice de 98% de eficácia, segundo o governo. Os subtipos 6 e 11 são ligados ao surgimento de 90% das verrugas na região genital e anal. Já o 16 e o 18 foram relacionados a 70% dos casos de câncer do colo do útero, também são responsáveis por cerca de 80% dos cânceres de ânus e 50% dos casos de câncer de vagina, vulva, pênis e sistema orofaringe.
Como outras vacinas, essa age estimulando a produção de anticorpos específicos para esses tipos de HPV. A administração é realizada em duas doses, com seis meses de intervalo entre cada. “Essa segunda dose é fundamental para a efetividade da vacina. A primeira estimula o sistema imunológico, mas a segunda é necessária para atingirmos a proteção que queremos”, explica Luciana Rodrigues Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), à BBC.
Dificuldades de adesão à vacina
A adesão à vacinação contra a doença enfrenta alguns desafios como o próprio público-alvo, o temor dos pais de que a vacina pode incentivar o filho ou a filha a iniciar a vida sexual mais cedo e o medo de possíveis efeitos adversos. Para Isabella Ballalai, implementar campanhas de saúde cujo público alvo é formado por pré-adolescentes e adolescentes exige cuidados e estratégias específicas. Em primeiro lugar, os profissionais de saúde – médicos, enfermeiros e funcionários em geral – precisam estar bem informados e preparados para interagir com as adolescentes e seus pais.
“Os adolescentes em geral têm muitos temores sobre procedimentos invasivos e dolorosos e tendem a achar que estão imunes a doenças e situações de risco. Isso faz com que seja mais difícil convencê-los da necessidade de tomar uma vacina, que é uma medida preventiva contra alguma doença que eles podem adquirir no futuro”, explica Ricardo Becker Feijó, chefe da Unidade de Adolescentes do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA-RS).
Os pais também têm papel fundamental neste processo, pois são eles que permitirão que as filhas tomem a vacina. Para eles, mais importante que a eficácia e finalidade da vacina, é a certeza de que as doses não causarão nenhum dano à saúde das garotas. Desse modo, é importante que os profissionais de saúde estejam aptos a explicar a esses adultos, em linguagem adequada, como a vacina funciona, quais são seus benefícios e quão segura é a imunização, assim como os possíveis sintomas adversos e suas causas.
Segundo Feijó, a demora da explicação por parte das autoridades do motivo da hospitalização das garotas que receberam a vacina em Bertioga gerou uma preocupação na população sobre a segurança das doses. Embora se saiba que estas reações foram causadas pelo stress do ato da vacinação e não pela vacina em si, muitos pais ainda temem vacinar suas filhas.
O receio de que a vacina incentive a iniciação sexual é real é outro empecilho. “Muitos pais receiam que, ao vacinar suas filhas contra o vírus, precisem explicar para elas como se contrai o HPV. Consequentemente isso levaria a uma conversa sobre relações sexuais, e estes pais temem que isso incentive suas filhas a fazer sexo”, explica Feijó. No entanto, um estudo feito com mais de 200.000 mulheres americanas, concluiu que a vacina contra o HPV não leva as adolescentes a adotar comportamentos sexuais precoces ou arriscados, nem eleva as taxas de doenças sexualmente transmissíveis.
“Um estudo que acompanhou meninas desde a infância, divididas entre as vacinadas e as não vacinadas contra HPV, mostrou que ninguém inicia a vida sexual por causa da vacina. Do mesmo jeito que oferecer anticoncepcional tampouco influencia nisso.”, complementa Isabella.
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