A primeira-ministra da Tailândia, Paetongtarn Shinawatra, enfrenta uma crescente pressão para renunciar após ter aparentemente criticado o poderoso Exército de seu próprio país e adotado um tom submisso em uma conversa privada com o líder de fato do Camboja.
A conversa, que deveria acalmar as tensões sobre uma disputa fronteiriça que se arrasta há semanas, acabou desencadeando um novo tumulto na Tailândia, país que nos últimos anos tem enfrentado uma crise política atrás da outra.
No domingo, Paetongtarn discutiu a questão da fronteira com Hun Sen, ex-primeiro-ministro do Camboja e pai do atual líder do país. Hun Sen publicou a gravação da conversa — realizada com intérpretes de tailandês e khmer — em sua página do Facebook na quarta-feira.
Na gravação, ela é ouvida chamando Hun Sen de “tio” em inglês. Ela também pediu que ele ignorasse “o outro lado”, em referência ao Exército tailandês, dizendo que os militares estavam tentando “parecer legais” com declarações que não eram úteis.
“Diga a ele que, se quiser alguma coisa, é só falar que a gente providencia”, disse Paetongtarn ao intérprete tailandês, referindo-se a Hun Sen.
Os comentários provocaram condenações de parlamentares, tanto da coalizão governista quanto da oposição, todos pedindo a renúncia da primeira-ministra.
A conversa se tornou o mais recente foco de insatisfação crescente com o governo de Paetongtarn e sua família. Ela é a filha mais nova de Thaksin Shinawatra, ex-primeiro-ministro que tem sido uma figura central na política tailandesa há mais de duas décadas.
Conservadores que desconfiam dos Shinawatra e os veem como uma dinastia ávida por poder interpretaram o episódio como mais uma prova de que a família estaria disposta a “vender” a Tailândia em benefício próprio.
Paetongtarn demonstrou visível irritação ao falar com a imprensa na quarta-feira, afirmando que seu “ton suave e comentários empáticos” foram uma “técnica de negociação”.
A explicação, no entanto, fez pouco para conter a indignação pública. No final da quarta-feira, o segundo maior partido de sua coalizão de governo, o Bhumjaithai, anunciou que deixaria a aliança. Isso deixou o partido Pheu Thai, de Paetongtarn, com uma maioria apertada no Parlamento.
“Isso marca o começo do fim para o governo Paetongtarn”, afirmou Napon Jatusripitak, especialista em Tailândia do Instituto ISEAS – Yusof Ishak, em Singapura.
Na quinta-feira, manifestantes se reuniram em frente ao gabinete de Paetongtarn em Bangkok.
“Não é hora de brigarmos entre nós”, disse ela em uma entrevista coletiva na quinta-feira. “Lamento o que aconteceu.”
Ela não respondeu diretamente aos pedidos de renúncia e afirmou que foi “inaceitável” Hun Sen ter tornado pública a conversa.
A crise acontece enquanto a Tailândia negocia tarifas com o governo Trump, e enquanto a tensão na fronteira com o Camboja continua sem sinais de resolução. Isso aumentou os temores de uma intervenção militar — o Exército tem um histórico de golpes de Estado —, embora analistas acreditem que o establishment prefira usar o Judiciário como primeira opção.
O líder da oposição, Natthaphong Ruengpanyawut, pediu que Paetongtarn dissolva o Parlamento.
“Também fazemos um apelo aos membros da atual coalizão governista: mudar o primeiro-ministro por meio de poder externo não é a solução”, disse Natthaphong, em uma referência indireta ao Exército.
Em comunicado divulgado na quinta-feira, o chefe do Exército tailandês afirmou que o mais importante é que “o povo tailandês permaneça unido” e que os interesses nacionais continuam sendo “a prioridade suprema”.
Paetongtarn assumiu o cargo em 2024, após o Tribunal Constitucional destituir seu antecessor, Srettha Thavisin, por violação de normas éticas. Aos 37 anos, ela se tornou a premiê mais jovem da Ásia.
Sua nomeação representou o auge de um surpreendente retorno político de Thaksin, seu pai, hoje com 75 anos. Ele voltou à Tailândia em 2023 após passar 15 anos no exílio, depois de ser condenado por corrupção e abuso de poder. Muitos analistas acreditam que seu retorno foi fruto de um grande acordo com o establishment militar-monarquista, para impedir que o progressista Partido Move Forward assumisse o poder.
Mas, nos últimos meses, Paetongtarn tem enfrentado crescentes pressões para explicar por que seu pai não passou nem um dia na prisão ao retornar ao país. Ele ficou detido em uma suíte VIP de hospital, sendo tratado por pressão alta, baixa oxigenação e aperto no peito; a maior parte de sua sentença acabou sendo comutada.
Neste mês, o Conselho Médico da Tailândia confirmou que não havia evidências claras de que a condição de Thaksin justificava tratamento por seis meses no Hospital Geral da Polícia. A Suprema Corte, que está analisando se a estadia hospitalar foi legítima e se a sentença foi devidamente cumprida, ouvirá depoimentos sobre o caso na segunda-feira.
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