Economia
Real lidera desvalorização entre moedas de países emergentes
Com quedas acumuladas, desde janeiro, de quase 11%, o dinheiro brasileiro é o que mais tem perdido valor este ano
Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltar a criticar o titular do Banco Central, Roberto Campos Neto, nesta sexta-feira (21), o dólar acabou desvalorizando no fechamento, cotado a R$ 5,44, com queda de 0,39% em relação ao dia anterior. Contudo, o real é a moeda emergente que mais perdeu valor no ano, com perdas acumuladas desde janeiro de quase 11%, conforme dados levantados pela RB Investimentos a pedido do Correio.
Analistas avaliam que a montanha-russa de emoções da Bolsa deve continuar ao longo do ano, mesmo com o alívio de ontem, quando o Índice Bovespa (IBovespa) voltou a ficar acima de 121 mil pontos. Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, destacou que o real segue desvalorizado, em grande parte, por conta das incertezas no mercado doméstico e, nesse sentido, as falas de Lula ajudam a piorar o quadro. “O dólar registrou valorização de 0,26% em relação à maior parte das moedas, conforme os dados do índice DXY. Foi uma semana de leve valorização do dólar contra a maior parte das moedas, mas, em relação ao real, a divisa norte-americana subiu 1,49%”, explicou. Segundo ele, a tendência é de o real seguir a direção do dólar, desvalorizando mais em momentos de stress e valorizando menos em momentos de calma internacional. “Todo o ataque de Lula ao Banco Central provoca dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública e sobre a leniência com a inflação, o que enfraquece a moeda brasileira, e, consequentemente, diminui o fluxo de capital estrangeiro ao país”, destacou.
Na quarta-feira (20), o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC manteve a taxa básica da economia (Selic) em 10,50% ao ano, na contramão das pressões do petista que fez ataques fortes contra Campos Neto às vésperas da reunião do colegiado. No comunicado, o Comitê reforçou a preocupação com a questão fiscal, que tem piorado e contribuído para a desancoragem das expectativas de inflação. “Faz sentido o mercado acalmar um pouco no curto prazo depois de quarta-feira, mas os riscos permanecem todos elevados no fiscal e sobre o novo BC. Essa pressão no câmbio tende a continuar no segundo semestre”, destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e especialista em contas públicas, lembrou que, a decisão unânime do Copom pela manutenção da taxa de juros, as reiteradas críticas de Lula seguiram adicionando volatilidade e contribuindo para a sustentação do real acima de R$ 5,40. “A entrega de um ajuste fiscal do lado do gasto é fundamental para minimizar o prêmio de risco na curva de juros e desanuviar a pressão no câmbio, com efeito tanto sobre a desancoragem das expectativas quanto da própria projeção de inflação. Quanto mais tempo o real se mantiver depreciado, haverá pressão renovada sobre o Banco Central, que pode vir a ter que subir os juros caso a deterioração permaneça durante as próximas semanas”, alertou.
Antes da decisão do Copom, o consenso do mercado era de que o ciclo de cortes da taxa Selic, iniciado em agosto de 2023, seria interrompido e a torcida era de um consenso na diretoria colegiada, para afastar temores de um afrouxamento no compromisso do BC de buscar manter a inflação – o pior de todos os impostos – dentro da meta.
Luis Leal, economista-chefe da G5 Partners, lembrou que, no comunicado do Copom após a decisão de manutenção da Selic, o Comitê buscou palavras que diminuíram “consideravelmente uma eventual retomada do processo de flexibilização monetária no curto prazo”. Na avaliação dele, o mercado segue oscilando entre o mau humor com o governo e os preços dos ativos, se o chefe do Executivo continuar falando nos momentos errados.
Desânimo
“As falas do Lula, ontem, pioraram um pouco os preços dos ativos, mas nada que invertesse a tendência de melhora, pelo menos, até agora. O que desanima é que todo dia em que o mercado dá uma melhorada, o Lula vem e fala algo que põe tudo a perder”, destacou Leal. Ao contrário da maioria dos analistas, ele ainda prevê a Selic encerrando o ano em 10% ao ano em vez de 10,50%. “Esse mesmo mercado entrou no ano achando que os juros iam ficar abaixo de 9% agora prevê a Selic em 10,50%. Se o Fed cortar os juros em setembro e o governo fizer algum movimento no sentido de cortar gastos, o sentimento dos agentes financeiros muda de novo. Mas, se nada disso ocorrer, aí não tem o que discutir, os juros vão ficar estáveis até o fim do primeiro trimestre de 2025”, complementou.
Rafael Cardoso, economista-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycoval, acredita que é mais provável que o Fed comece a reduzir os juros apenas em dezembro, e, com isso, o Copom deverá voltar a cortar a Selic apenas a partir do segundo semestre de 2025, mesmo “não houver uma piora acentuada no quadro fiscal”.
“Normalmente, nos momentos onde o cenário externo fica incerto, o mercado fica mais arisco com o país em relação ao fiscal e os problemas locais acabam sendo influenciados”, afirmou. Para Cardoso, que prevê a inflação ainda abaixo de 4% nos próximos anos e a taxa Selic passando para 9,5%, no fim de 2025, e para 8,5%, no fim de 2026, o que importa mais do que as falas de Lula são os projetos que ele vai patrocinar. “Na campanha e no início do mandato, Lula fez discursos indesejáveis ao mercado financeiro, mas antes da posse e depois, ele patrocinou, na prática, as medidas defendidas pelo ministro Fernando Haddad (da Fazenda), até negociando e fazendo barganhas políticas questionáveis”, ressaltou. Agora, depois de a medida provisória da compensação da desoneração da folha ter sido devolvida pelo Congresso, a dúvida que fica, na avaliação de Cardoso, é se Lula apoiará Haddad apenas no discurso ou continuará dando suporte às propostas defendidas pelo chefe da equipe econômica na tentativa de buscar algum equilíbrio fiscal. “O mercado ficará atento se Haddad passar a ter uma postura menos fiscalista do que a do ano passado ou perder o patrocínio de Lula, porque o cenário ficará mais preocupante”, explicou.
Adversário político
O presidente Lula afirmou, ontem, que o presidente do BC “é um adversário político, ideológico e do modelo de governança”. “Estamos com um problema sério. Eu já fui eleito presidente há um ano e sete meses, e o presidente do Banco Central é um adversário político, ideológico e adversário do modelo de governança que nós fazemos. Ele foi indicado pelo governo anterior e faz questão de dar demonstração de que não está preocupado com a nossa governança, ele está preocupado com o que ele se comprometeu”, disse o petista em entrevista à rádio maranhense Mirante News.
Lula também lamentou a decisão do Copom, que foi unânime – incluindo os quatro indicados por ele na diretoria do BC composta por nove economistas – e lembrou que o mandato de Campos Neto termina no fim deste ano, um dos motivos de a tensão no mercado financeiro ter aumentado, pois a expectativa é que o presidente escolha alguém que não seja ortodoxo e seja mais leniente com a inflação do que o atual chefe do BC, ou seja, um pombo em vez de um falcão no jargão dos economistas. “Estamos chegando no momento de trocar o presidente do BC, nós vamos ter que tirar ele, indicar outras pessoas, e acho que as coisas vão voltar à normalidade, porque o Brasil é um país de muita confiabilidade”, disse Lula minimizando a tensão no mercado.
Bolsa recupera os 121 mil pontos
A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou a semana no azul, alta de 0,74%, nesta sexta-feira (21), em relação à véspera, 121.341 pontos, recuperando o patamar de 121 mil pontos, perdido nos últimos dias. Com os novos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao titular do Banco Central, Roberto Campos Neto, o Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, chegou a atingir a mínima de 120.061 pontos, com queda de 0,32%, mas fechou no azul embalado pelo otimismo dos investidores com a Petrobras, que tem um dos maiores pesos no indicador.
O volume de negócios da B3, ontem, girou em torno de R$ 30,8 bilhões. No mês, o IBovespa ainda acumula desvalorização de 0,62%. No acumulado do ano até sexta-feira, o recuo do IBovespa foi de 9,57%.
De acordo com Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, a fala de Lula de que o governo “vai explorar a Margem Equatorial” ajudou a puxar a Bolsa para cima, porque há uma expectativa de que haverá mais pressão para o projeto da Petrobras em buscar aumento de produção de petróleo no litoral norte do país como forma de manter a autossuficiência no abastecimento do combustível no mercado doméstico. “Como a Petrobras é um dos maiores pesos do IBovespa, isso ajudou o mercado de ações. A questão da Margem Equatorial virou uma queda de braço entre praticamente todos os ministérios do governo e o do Meio Ambiente (chefiado pela ministra Marina Silva)”, disse.
Na mesma entrevista em que criticou Campos Neto, Lula voltou a defender a exploração de petróleo na Margem Equatorial. O chefe do Executivo disse, porém, que é preciso fazer a medição da área e confirmar se há riqueza e qual a quantidade a ser explorada. “Vamos explorar a margem. Por enquanto, não é explorar, queremos fazer uma medição para saber se tem e qual a quantidade de riqueza que tem lá embaixo. E, se tiver, temos a Petrobras, a empresa de maior competência tecnológica para explorar petróleo em águas profundas”, disse em entrevista à rádio Mirante News, em São Luís.
O chefe do Executivo disse ainda que a Petrobras possui competência tecnológica para explorar petróleo em águas profundas e admitiu novamente que a medida vai na contramão da transição energética.
“Não houve um incidente da Petrobras na exploração do pré-sal. São 575 quilômetros da margem da Amazônia, então nós vamos ter o cuidado que temos que ter. Nós vamos estudar nosso pré-sal na Margem Equatorial, pode ter certeza que vamos estudar isso”, afirmou. “E se tiver, nós temos uma coisa que é o seguinte: a nossa Petrobras é uma empresa de maior competência tecnológica para explorar petróleo em águas profundas”, acrescentou.
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