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Rota torturou detido com choques, comprova laudo do IML
Três homens torturados por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) estão desaparecidos desde o ano passado. Um deles recebeu choques elétricos na coxa e no pênis e outro foi mantido preso dentro de uma geladeira. A sessão de tortura durou sete horas.
Antes do desaparecimento, os três chegaram a prestar depoimento à Polícia Civil denunciando os militares. Laudo do IML (Instituto Médico Legal), ao qual a reportagem teve acesso, comprovou a tortura.
O caso teve início na manhã de 24 de outubro de 2013. Por volta das 9h, três policiais militares da Rota foram ao Jardim Bartira, periferia da zona leste de São Paulo, a procura dos assassinos de um delegado de polícia.
Em uma casa do bairro, os policiais detiveram três pessoas: André Luis Loureiro da Silva, dono da casa, Marcos Vinicius dos Santos da Silva, amigo de André que estava hospedado havia alguns dias na casa, e William Silva Santiago, vizinho de André e deficiente mental.
Na sede do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), para onde os detidos foram levados na tarde daquele dia, a Polícia Civil os confrontou com testemunhas do assassinato. Nenhum deles foi reconhecido. Antes de liberá-los, o delegado Charlie Wei Ming Wang, encarregado do caso na época, suspeitou das escoriações e coloração avermelhada da pele de Marcos. Wang requisitou, então, exame de corpo de delito. No laudo, o legista escreveu: “Sim quanto a tortura”.
O médico ainda descreveu as escoriações, edemas e equimoses sofridas por Marcos, além das lesões decorrentes de choque elétrico na região posterior da perna e no pênis. Após o delegado tomar ciência do resultado, convocou os três a prestar novo depoimento em janeiro de 2014.
Invasão da residência
André, Marcos e William afirmaram ter mentido nas primeiras declarações — em que relataram uma abordagem corriqueira da PM — por medo de represálias dos militares.
Segundo André, os policiais forçaram a entrada da sua casa, o abordaram na cozinha e levaram até o banheiro obrigando-o a sentar no vaso sanitário sobre as mãos. Marcos Vinicius estava no quarto e logo foi rendido. Minutos mais tarde chegaria William, o portador de doença mental, que também seria detido e conduzido até a cozinha.
André disse que, nas horas seguintes, os policiais se revezaram interrogando separadamente cada um dos três. Relatou, ainda, que os PMs queriam saber se o apelido de Marcos era Banzá e se teria participado do assassinato do delegado de polícia Antônio Cardoso de Sá, ocorrido dois dias antes durante o assalto a um bar na Vila Císper, zona leste de São Paulo. André negou.
Na cozinha, William também negou conhecer informações sobre a morte do policial.
Trancado na geladeira
Em depoimento, William disse que os PMs gritaram, mandando-o confessar. Em dado momento, um dos militares teria berrado: “Vocês tem sorte que quem morreu foi civil, porque, se fosse um de nós, uns 30 iam morrer também!”
William afirmou ainda que os policiais mandaram retirar as bandejas da geladeira e o trancaram dentro virando a porta contra a parede para evitar que pudesse sair. O aparelho permaneceu ligado.
André, que estava o banheiro, e William, na cozinha, afirmaram ter ouvido gritos de dor de Marcos e gargalhadas dos policiais ao mesmo tempo em que percebiam oscilações na energia da casa. Até que houve um estouro e a luz apagou.
Choque elétrico no pênis
Marcos afirmou, em depoimento, ter gritado por ter sido espancado. Os militares, ainda segundo relato de Marcos, o deixaram de cueca e, após arrancarem o fio elétrico de um aparelho de TV, colocaram uma extremidade na tomada e passaram a aplicar choques elétricos na sua genitália e nas coxas. Até o momento em que a energia da casa caiu.
Mais tarde André verificaria que um dos disjuntores havia derretido por causa da força das descargas, provocando a interrupção da transmissão de eletricidade. A tortura que começou por volta das 9h só terminou às 16h.
Após instaurar inquérito, a Polícia Civil procurou as vítimas por diversas vezes mas nenhum deles foi encontrado. Em maio de 2014, o tenente que chefiou a operação foi promovido a capitão.
Laudo pioneiro
Arles Gonçalves Junior, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-SP, acompanhou os depoimentos e disse ser esta a primeira vez que vê um laudo do IML registrar expressamente o termo “tortura”. Ele faz elogios ao legista.
— Atitudes como essa ajudam a combater esse tipo de crime.
Ele ainda disse que, mesmo com as vítimas desaparecidas, foram produzidas provas suficientes de tortura para que o Ministério Público ofereça denúncia.
— A OAB-SP vai acompanhar o caso até o final para que situações como esta não fiquem impunes.
Preocupado com a segurança das vítimas, Gonçalves Júnior disse as ter procurado pessoalmente — sem sucesso.
Dois PMs indiciados
A Secretaria de Estado da Segurança Pública emitiu nota informando que o caso esta sendo investigado nas esferas civil e militar. Segundo o órgão, dois policiais foram indiciados, inclusive o tenente que chefiou a operação. A Rota confirma a promoção do tenente para capitão e esclarece que a promoção se deu por tempo de serviço. A nota confirma que a Polícia Civil está a procura do paradeiro das vítimas.
A reportagem preservou o nome dos militares acusados porque o inquérito da Polícia Civil ainda não foi concluído.
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