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Segurança do STF recria monumentos do DF com etiquetas de visitantes
Ele sonha em ser arquiteto, mas teve de deixar o curso por falta de dinheiro.
De família pobre, Silva construía os próprios brinquedos com latas e caixas.
Inspirado pelas obras que circundam seu local de trabalho, o segurança do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaneison Moreira da Silva, de 31 anos, encontrou um uso diferente para as mais de cem etiquetas de identificação que os visitantes devolvem quando deixam a sede da mais alta corte do país diariamente: com os adesivos, recriou alguns dos principais monumentos de Brasília e do mundo.
Entre as obras recriadas por ele está a Torre de TV Digital, o Congresso Nacional, a Catedral de Brasília, o Supremo, a estátua Dois Candangos, o Museu do Índio e a estátua da Justiça. Silva conta que não usa régua e arame e não mede as maquetes – faz tudo de cabeça, às vezes com o auxílio de uma foto. “Me inspirei nas obras de Niemeyer, que são bem conhecidas e cheias de curva”, diz.
“Quando comecei a trabalhar aqui, há um ano e três meses, ficava na portaria, e sempre via os seguranças pegando as etiquetas e grudando, fazendo bolas. Foi então que imaginei que dava para fazer alguma coisa melhor, já que sempre gostei de construir e montar”, diz.
“Eu não tinha plano de fazer esse tanto. Primeiro fiz um copo. Depois, um bule e uma xícara de chá para o garçom, que me pediu de presente. Então, pensei: ‘vou fazer os monumentos de Brasília’. Como a Torre de TV Digital estava muito famosa na época, foi a primeira. E aí, depois que comecei, não parei mais. Fui inventando coisas de Brasília. Depois da torre, fiz o Congresso. Todo mundo que vê pede um.”
A Torre de TV Digital, o primeiro momumento a reproduzir, levou uma semana para ser concluído. O mais demorado foi o STF, prédio em que trabalha, que levou três meses e é o favorito dele “por conta das curvas das colunas”.
As obras ficavam expostas em um balcão atrás da recepção e chamaram a atenção de servidores e funcionários, que começaram a fazer encomendas e a guardar as etiquetas para que o segurança tivesse material para trabalhar nos horários de folga. Silva diz que chegou a passar três horas além do horário de trabalho imerso nas reproduções. Ele também já recriou com os adesivos o Cristo Redentor, a Estátua da Liberdade e a Torre Eiffel.
O projeto despertou no segurança o sonho adormecido de se tornar arquiteto. No início do ano, ele chegou a se matricular no curso de arquitetura e urbanismo em uma faculdade da capital, mas mesmo com 50% de financiamento pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), teve de abandonar as aulas por conta do alto custo da mensalidade – R$ 1,4 mil. “Fiquei muito mal por ter de abandonar, estava muito empolgado”, diz ele. “Sempre quis fazer arquitetura ou engenharia, sempre gostei de desenhar casas e prédios.”
Silva conta que, desde que era criança e vivia na roça com a família em Formoso, interior de Minas Gerais, tinha como hábito construir sozinho brinquedos e maquetes para brincar. “Vim de uma família muito humilde, bem pobre mesmo. Éramos seis irmãos e não tínhamos brinquedos”, conta. “Lembro que uma vez, quando tinha 5 anos, pedi a meu pai, que estava indo fazer a feira, para comprar dois carrinhos para mim. Lembro disso como se fosse hoje. Ele olhou para mim e brigou, porque o dinheiro mal dava para comprar os alimentos de casa, como ele ia comprar carrinho? Ele brigou comigo e me deu um sermão. E eu fui para detrás da porta chorar.”
A solução, então, foi construir carrinhos com latas de sardinha e folhas de palmeiras. “Procurava sandália no lixo, recortava e fazia rodas para os carrinhos. Brincava com pedaços de madeira. Já um pouco maior, comecei a fazer carrinhos de latas”, diz. “Através disso desenvolvi esse lado de construir, já que nunca tive brinquedos industrializados. Se não ganhasse, tinha que encontrar um meio de construir os próprios brinquedos.”
Na escola, ele foi vencedor da feira de ciências com a construção de uma maquete de um pequeno engenho com um buriti, palmeira típica do cerrado. “Fiz um carro de boi, um engenho e dois bonequinhos que se moviam, um de cada lado, usando o pilão”, diz. “Ganhei o troféu e o pessoal gostou muito na época. Criei tudo sozinho, imaginando mesmo.”
Depois que concluiu o ensino médio, Silva abandonou os projetos para se dedicar ao trabalho. “Nunca pensei mesmo no que eu queria fazer. Queria mesmo era trabalhar para começar a ganhar dinheiro, ajudar meu pai”, diz. “Depois, vim para Brasília no intuito de trabalhar e estudar. Mas, por conta das dificuldades aqui, nunca pude estudar. Trabalhei como motoboy, em farmácia, fiz tanta coisa. Até corretor de imóveis durante uma época.”
Embora receba diversas encomendas de servidores, principalmente da Torre Eiffel, Silva afirma que não comercializa as maquetes, que atualmente ficam guardadas na sala de apoio dos funcionários terceirizados do STF. Enquanto dá prosseguimento à coleção de monumentos de Brasília na expectativa de levá-los algum dia a uma exposição, o segurança diz sonhar a voltar à faculdade para concluir o curso de arquitetura.
g1
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