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“Terrorismo é desculpa para suprimir direitos em Hong Kong”, diz jurista
O Congresso Nacional do Povo, órgão máximo legislativo da China, aprovou nesta quinta-feira (28/05), a controversa proposta de lei de segurança nacional para Hong Kong. O plano provocou nova onda de protestos no território semiautônomo, onde manifestantes pró-democracia acusam Pequim de tentar minar o modelo “um país, dois sistemas”, que garante liberdades no território inexistentes na China continental, criando um molde legal para punir dissidentes, como já ocorre no continente, e aumentar seu poder sobre a região.
“O medo é que Pequim use a nova lei para reprimir o contraditório, a oposição e o ativismo, inclusive o pacífico”, afirma o advogado e ativista pró-democracia Wilson Leung, em entrevista à DW. Atuante num tribunal de Hong Kong, Leung estudou ciências políticas e direito na Escola de Economia e Ciência Política de Londres, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na Universidade de Hong Kong.
Por que muitos honcongueses estão preocupados com o anúncio de que uma lei de segurança formulada e adotada por Pequim deve ser aplicada futuramente na região administrativa especial?
Wilson Leung: O medo é que Pequim use a nova lei para reprimir o contraditório, a oposição e o ativismo, inclusive o pacífico. Isso já está acontecendo no continente, onde o mesmo método é usado contra dissidentes.
Subversão é um dos crimes visados pela lei. Desse modo, a liderança chinesa já tomou medidas contra Liu Xiaobo, o pastor Wang Yi e Wang Quanzhang. Há um grande medo de que isso também venha a acontecer em Hong Kong.
Existem sinais de que isso poderia ir nessa direção?
Sim. O [jornal ligado ao Partido Comunista Chinês] Global Times já mencionou [o empresário pró-democrático] Jimmy Lai, cujos tuítes certamente poderiam ser usados como evidência de que ele tenta minar o poder do Estado. E o ex-presidente-executivo de Hong Kong, CY Leung, já disse que a vigília anual de 4 de junho em Hong Kong [aniversário da supressão dos protestos estudantis na China em 1989] poderia ser proibida sob a nova lei.
O que o senhor diz sobre a justificativa da liderança de Pequim de que a lei é necessária para o combate do terrorismo?
Eu digo que as ditaduras em todo o mundo, incluindo a do Partido Comunista Chinês, estão exagerando fortemente a ameaça do terrorismo para reprimir os direitos de milhões. Relatores especiais da ONU alertaram repetidamente Pequim sobre o perigo de uma interpretação ampla demais das leis locais antiterrorismo existentes em Hong Kong, mais recentemente no final de abril.
E, apesar dessas medidas já existentes contra o terrorismo, os líderes em Pequim e Hong Kong sentem-se compelidos a justificar a nova e restritiva lei de segurança com uma suposta ameaça terrorista. Então dá para ver que a coisa toda é apenas uma desculpa.
Não houve preparativos para ataques de ativistas?
Evidências de atos ou planos terroristas em Hong Kong são extremamente frágeis. Houve algumas prisões por supostos achados de bombas em circunstâncias duvidosas. Nesses casos, quase não havia conexão com os manifestantes e certamente não com a corrente principal do movimento democrático. Se trata aqui da bem conhecida instrumentalização de frases como “terrorismo” e “segurança nacional” para suprimir direitos. Face aos eventos na região noroeste de Xinjiang, acho isso extremamente perturbador.
O senhor realmente acredita que poderiam se repetir em Hong Kong as medidas já implementadas contra a minoria muçulmana em Xinjiang?
Certamente não em termos do número de pessoas que foram colocadas em campos de detenção. Mas a abordagem básica é a mesma: você exagera um número muito limitado de incidentes violentos para privar muitos de seus direitos.
Haverá maneiras de se defender contra o abuso da nova lei de segurança?
Será muito difícil se defender legalmente contra o abuso desta lei. Antes de tudo, é muito improvável que ela venha a ficar subordinada à Declaração de Direitos de Hong Kong, que protege a liberdade de expressão, entre outras coisas. Essa é uma legislação local do território. A nova lei de segurança é uma lei em nível nacional. É mais do que duvidoso que esta lei nacional venha a ser restringida por uma lei local.
Ainda mais importante é o fato de que a competência final para interpretar a Lei Básica de Hong Kong cabe ao Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo. Então, ele poderia dizer: “A nova lei não é passível de restrições pela Declaração de Direitos”. Com essa interpretação, a nova lei estaria automaticamente fora do escopo da “Declaração de Direitos”.
Que outros perigos para a proteção contra a arbitrariedade o senhor vê com a nova lei de segurança?
O grande medo aqui é que a nova lei não esteja sujeita às restrições impostas pelos mecanismos de proteção dos direitos humanos de Hong Kong. Também é questionável se o uso indevido da lei poderá ser tratado pelos tribunais de Hong Kong. Afinal, as autoridades do continente é que deverão ser responsáveis pela aplicação da lei. Será que elas poderão ser presas e interrogadas pelas autoridades de Hong Kong se houver suspeita de violação? Isso é bastante improvável.
Portanto, a questão é se a nova lei de segurança estará ou não totalmente fora do sistema legal de Hong Kong. Se o Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo fizer tal interpretação, os tribunais de Hong Kong não terão competência sobre ela.
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