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UTIGate: Justiça decidirá se afasta os envolvidos dos mandatos na Câmara
Ministério Público do DF propõe ação penal contra cinco deputados por terem pedido propina em troca da aprovação de emenda que favoreceu prestadoras de serviços de saúde
Como desfecho da primeira etapa da Operação Drácon, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) chegou à conclusão de que houve um esquema criminoso para aprovação de emenda parlamentar na Câmara Legislativa, comandado por quatro dos cinco integrantes da Mesa Diretora até agosto deste ano. A vice-procuradora-geral de Justiça do DF, Selma Sauerbronn, apresentou ontem, ao Tribunal de Justiça do DF, denúncia por corrupção passiva contra os cinco distritais investigados no episódio: Celina Leão (PPS), Júlio César (PRB), Raimundo Ribeiro (PPS), Bispo Renato Andrade (PR), que estavam à frente da Casa, e Cristiano Araújo (PSD), citado como intermediário da cobrança de propina. As investigações continuam. Agora, o Ministério Público apura se houve, de fato, o pagamento de dinheiro e quem participou do suborno. Empresários, servidores e outros personagens são os alvos.
Para evitar o que o Ministério Público considera uma possível blindagem contra essas novas etapas da investigação, a ação penal teve como complemento um pedido de afastamento dos parlamentares de seus respectivos mandatos, até o julgamento de todas as acusações. Se isso ocorrer, a bancada envolvida no escândalo, que ficou conhecido como UTIGate, dificilmente voltará a seus gabinetes na Câmara Legislativa nesta legislatura. A Justiça deverá decidir a medida cautelar. Mas uma decisão final deve ficar sob a responsabilidade do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF.
Na denúncia, o Ministério Público aponta que os cinco deputados pediram propina ao presidente da Associação Brasiliense de Construtores (Asbraco), Luiz Assad, para aprovar emendas destinadas a reformas de escolas. Como a proposta não foi para a frente, os deputados mudaram a estratégia e passaram a exigir dinheiro de prestadoras de serviços de UTI. O deputado Cristiano Araújo é apontado como o operador dessa negociação. No telefone dele, apreendido durante a busca e apreensão nos gabinetes e residências dos investigados, promotores e policiais civis encontraram uma suposta contabilidade da propina. Os registros foram feitos no aplicativo Bloco de Notas do iPhone de Cristiano. Ao lado de valores, o deputado anotou, segundo o MP, as iniciais de colegas que seriam beneficiados com o esquema criminoso.
Pela contabilidade, de 11 de fevereiro, o rateio parcial da propina seria de pelo menos R$ 50 mil para a deputada Celina Leão (CL), R$ 50 mil para Bispo Renato (BR), R$ 50 mil para Júlio César (JC), R$ 20 mil para o então secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara Valério Neves (V) e outros R$ 25 mil para Ricardo Cardoso dos Santos (RS), presidente do Fundo de Saúde. O saldo remanescente de R$ 80 mil seria destinado aos demais integrantes do grupo. Há ainda as iniciais SJ e FT, não identificados pelos investigadores.
Num dos registros, Cristiano também faz anotações sobre valores com respectivas destinações. Ao lado de UTI, aparece o registro de R$ 3 milhões. Ao tema publicidade, ele associa o montante de R$ 105 mil. As referências reforçam o depoimento do presidente da Asbraco. Luiz Assad disse ao Ministério Público que a negociação envolveria cerca de 10% do montante liberado pelo GDF em pagamentos de dívidas atrasadas, em decorrência da aprovação da emenda de autoria da Mesa Diretora. O montante aprovado foi de R$ 30 milhões.
Gravações
Além dos cinco distritais, o MP denunciou Valério Neves, Ricardo Cardoso dos Santos e Alexandre Braga Cerqueira, então secretário-executivo da 3ª Secretaria, ligado ao deputado Bispo Renato. O processo foi distribuído ao desembargador José Divino, relator do caso no TJDF. Para o Ministério Público, provas colhidas no curso da investigação, em depoimentos e em materiais apreendidos reforçaram as suspeitas que vieram à tona com as gravações realizadas pela deputada Liliane Roriz (PTB).
A filha do ex-governador Joaquim Roriz registrou dois diálogos com a então presidente da Câmara, Celina Leão, e uma conversa com Valério Neves. Ao contrário do que muita gente especula, Liliane não fez delação premiada, segundo os responsáveis pela Drácon. Ela é considerada, até o momento, uma importante testemunha. “Existem elementos de prova contundentes da prática dos crimes imputados aos réus, de corrupção passiva, elementos de prova que corroboram e confirmam aquelas gravações entregues pela deputada Liliane Roriz de que houve a solicitação de vantagem indevida para que houvesse a destinação de sobras orçamentárias da Câmara Legislativa”, afirmou o coordenador do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), promotor Clayton Germano.
Investigação
Outros deputados também podem cair na Operação Drácon. O Ministério Público apura ainda a liberação de outras emendas aprovadas pela Câmara Legislativa, no mesmo modus operandi do esquema relacionado a empresas de UTI. São remanejamentos orçamentários aprovados para favorecer credores do Executivo em detrimento da ordem de pagamentos estabelecida por lei. O MP conseguiu a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telemático e telefônico de diversos investigados. Esses dados ainda não foram liberados. Ao pedir o afastamento dos distritais denunciados, o MP alega que a medida preserva a “dignidade” da Câmara Legislativa.
Linha do tempo
17 de agosto
Liliane Roriz renuncia à vice-presidência da Câmara Legislativa e entrega gravações relativas a deputados distritais ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Os grampos revelam um suposto esquema de uso de emenda parlamentar para o pagamento de dívidas do GDF com UTIs mediante cobrança de propina. O conchavo seria integrado por Celina Leão (PPS), Raimundo Ribeiro (PPS), Julio Cesar (PRB), Bispo Renato Andrade (PRB) e Cristiano Araújo (PSD).
23 de agosto
Polícia Civil e MPDFT deflagram a operação Drácon. A ação investiga as denúncias oferecidas por Liliane Roriz (PTB). O Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) afasta da Mesa Diretora os distritais citados nos áudios da caçula de Roriz.
2 de setembro
A Polícia Civil volta à Câmara Legislativa. Dessa vez, para apurar a possibilidade de destruição ou alteração de evidências referentes ao caso. A ação foi motivada pelas acusações de Chico Vigilante (PT). O distrital declarou que um servidor da Câmara Legislativa o informou sobre retiradas de provas do Legislativo.
17 de outubro
O MPDFT deflagra a terceira etapa da operação da Drácon. Essa vertente investiga a destruição de provas por Sandro Vieira, ex-braço-direito de Celina Leão, e Alexandre Braga Cerqueira, ex-secretário executivo da 3ª Secretaria, cuja titularidade pertence a Bispo Renato Andrade.
18 de outubro
O Conselho Especial do TJDFT autoriza a volta de três parlamentares à Mesa Diretora: Raimundo Ribeiro, Julio Cesar e Bispo Renato. O retorno de Celina Leão, entretanto, é vedado.
21 de novembro
O MPDFT denuncia, por corrupção passiva, Celina Leão, Raimundo Ribeiro, Julio Cesar, Bispo Renato e Cristiano Araújo; o ex-secretário geral da Mesa Diretora Valério Campos; o ex-diretor do Fundo de Saúde do DF Ricardo Cardoso; e o ex-secretário executivo da 3ª Secretaria Alexandre Braga Cerqueira.
A defesa dos envolvidos
Os envolvidos no caso UTIgate negam as acusações. Em nota, a presidente da Câmara Legislativa afastada por decisão judicial, Celina Leão (PPS), alegou que não se manifestaria, porque não teve acesso aos autos. O 1º Secretário da Casa, Raimundo Ribeiro (PPS), declarou que “não existe nenhum elemento, por menor que seja, que indique a sua participação em quaisquer irregularidades”. A defesa do deputado distrital Julio Cesar (PRB), 2º secretário do Legislativo local, mostrou-se impossibilitada de realizar comentários acerca da denúncia. Porém, alegou que, ao oferecer a denúncia, o MPDFT “ignorou o fato de que a investigação, cada vez mais, demonstrava a fragilidade e o absurdo das acusações feitas por Liliane Roriz (PTB)”.
A defesa de Bispo Renato Andrade (PR) também afirmou não ter acesso aos autos. Entretanto, apontou que, com a medida, o “Ministério Público do DF quer constranger o Poder Judiciário local, posto que o Tribunal de Justiça do DF permitiu a volta dos secretários da Mesa Diretora à Câmara Legislativa”. O advogado se referiu à decisão do Conselho Especial do TJDFT, que, em 18 de outubro, autorizou, por 11 votos a 10, o retorno de Raimundo Ribeiro (PPS) à 1ª secretaria. O benefício estendeu-se a Julio Cesar e Bispo Renato Andrade. Na oportunidade, o Judiciário manteve o distanciamento de Celina Leão, por 11 a 9. O deputado distrital Cristiano Araújo (PSD) alegou, em nota, que a denúncia é totalmente infundada e será contestada na Justiça. O parlamentar acrescentou que “a acusação não significa condenação e, sim, o início de um processo, que deve respeitar todas as etapas estabelecidas em lei, inclusive a de ampla defesa”.
O ex-diretor do Fundo de Saúde do DF Ricardo Cardoso dos Santos, responsável pela liberação da emenda de R$ 30 milhões aos hospitais particulares, afirmou que o advogado responsável pelo caso ainda não teve acesso aos autos. Portanto, não se manifestaria sobre a denúncia. O ex-secretário geral da Mesa Diretora Valério Campos não atendeu às ligações do Correio. A equipe de reportagem não conseguiu contanto com o ex-secretário executivo da 3ª Secretaria Alexandre Braga Cerqueira, apontado pelo MPDFT como emissário de propina.
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