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Centro-Oeste

GDF prepara reforma em serviços públicos de saúde mental

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Palácio do Buriti incumbiu servidores da Secretaria de Saúde de definir projeto que visa atender lei sancionada em 1995

O Governo do Distrito Federal (GDF) definirá até meados de agosto, pelo menos, como readequará os serviços públicos de saúde mental na região. O objetivo é atender tanto às solicitações de profissionais que trabalham com pessoas que precisam desse tipo de atendimento quanto à legislação específica do DF para pacientes com alguma necessidade psiquiátrica. Na quinta-feira, um grupo instituído pelo Executivo local começou a desenhar as diretrizes que serão adotadas. A comissão, criada na semana anterior, deverá analisar a reorganização, a ampliação e o fortalecimento dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Também terá que reformatar a atuação dos setores de urgência e de emergência especializados e os fluxos de processos médicos, entre outros pontos. De acordo com a Secretaria de Saúde (SES), se buscará, além disso, aumentar a oferta de terapias e a rede de atenção nas instituições governamentais. Especialistas ouvidas pelo Correio defenderam que o Estado adote uma abordagem mais humanizada no tratamento de transtornos mentais. Caso os servidores do Palácio do Buriti não concluam seu projeto nos próximos três meses, terão até novembro para apresentá-lo.

O esforço do GDF busca entrar em conformidade com a Lei da Reforma Psiquiátrica (nº 975/1995). Ela definiu diversos parâmetros que são fiscalizados pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Entre outras providências, os promotores têm monitorado a estrutura que o governo local disponibiliza para tratamentos em saúde mental. Dentro disso, por exemplo, a instituição cobrou judicialmente a construção de 19 novos Caps. Até agora, quatro foram construídos e se somaram aos 18 existentes

Os Caps, de acordo com a SES, atendem às chamadas “pessoas com sofrimento mental grave”, que incluem as que fazem uso excessivo de álcool e drogas. Nesses centros, são desenvolvidas atividades que pretendem ajudar pacientes a deixarem vícios e retornarem ao convívio social. Para isso, participam de reuniões em grupo onde expõem suas dificuldades a especialistas e a outros indivíduos com problemas semelhantes. Segundo a pasta, até o começo de 2026, está prevista a implantação de mais cinco unidades na capital federal. Dessas, duas serão destinadas ao público infantojuvenil e ficarão no Recanto das Emas e em Ceilândia. Outras duas, no Guará e em Taguatinda, oferecerão terapias a quem não consegue controlar o consumo de bebidas e nem afastar-se de substâncias tóxicas. Uma quinta será aberta no Gama em 2025.

Providências

Em 2022, o MPDFT fiscalizou os Caps e elaborou um relatório que considerou, entre outros aspectos, a quantidade de moradores em cada região administrativa onde estão instalados. “Os Caps que já existem estão atendendo a um contingente muito maior do que a capacidade. Em termos de recursos humanos e materiais, as condições precisam melhorar”, observou o promotor de justiça da Promotoria de Defesa da Saúde (Prosus) do MPDFT, Clayton Germano, sobre a verificação.

A checagem do Ministério Público levou o órgão a abrir a ação que obrigou o GDF a ter novos Caps. “Dos 15 Caps que faltam, a SES já apresentou um cronograma para construção de cinco. Até o fim do ano, vamos tratar dos outros que estão faltando”, informou o promotor. “Nós estamos monitorando, ainda, a contratação de profissionais para os novos Caps. A ação requer ainda a construção de 25 residências terapêuticas, com um total de 100 vagas. O GDF já contratou uma empresa que criará entre 10 e 20 vagas”, esclareceu Germano.

Ao Correio, a SES informou que a rede de serviços de ressocialização psicossocial está sendo ampliada e qualificada, especialmente para urgências e emergências, com mais leitos, inclusive. Além disso, foi aberto um chamamento público para oferta de Serviços Residenciais Terapêuticos, que já conta com 20 vagas com equipes especializadas.

“Para mim, foi difícil entrar no Caps, já que eu vim de outro estado. Comecei no do Guará e fui encaminhado ao da Asa Sul. Fiquei satisfeito com o atendimento. Os profissionais são prestativos e bem exigentes em relação às restrições: se beber ou usar droga, não aceitam mais a gente por lá, já que estamos para resocializar e nos tratar. Apesar de estar bom, acho que o serviço do Caps sempre pode melhorar”, declarou ao Correio o paciente Jean Linhares.

“Estou satisfeito de ter procurado o Caps. Acho que uma coisa que eles poderiam melhorar era ter mais espaço e mais salas na instituição, porque ficamos um pouco apertados junto aos outros pacientes. As atividades também são boas, participo de várias, acrescentou outro usuário do Caps, que pediu anonimato.

Mudanças

De acordo com a Lei da Reforma Psiquiátrica do DF, que serve de parâmetro ao MPDFT, a atenção para quem precisa de serviços de saúde mental deve assegurar o direito a um tratamento humano e respeitoso. Nesse sentido, a legislação deu lugar a que especialistas defendessem que os internos de hospitais e clínicas psiquiátricas passassem a usufruir de novos tipos de tratamento. Essa renovação está fazendo, por exemplo, que o HSVP substitua, gradativamente, a internação por uma  linha terapêutica em que não se precisa ficar 24h na unidade por diversos dias.

Mariana Sellva, terapeuta especializada em teoria e prática psicanalítica, considerou que o São Vicente deve dar um passo adiante. Ela defendeu o fechamento do hospital. “Se estamos falando de uma reforma psiquiátrica, pela que a gente vai tornar as clínicas capacitadas e humanizadas para prosseguir com um tratamento psiquiátrico adequado, entendo que o Hospital São Vicente de Paulo não está adequado. Ele está se prolongando, ele contraria o protocolo nacional de tudo que vimos estudando e conversamos sobre a luta antimanicomial”, afirmou.

Por sua vez, a professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), Larissa Polejack, citou novos modelos de atendimento psicossocial. “É importante acordarmos para a necessidade de investimento na implementação de uma rede completa de atenção psicossocial. Modelos como o do São Vicente de Paulo não cabem mais no modelo antimanicomial humanizado que pensa no transtorno como uma cronicidade”, ressaltou. “A gente precisa criar condições para que essas pessoas vivam com qualidade de vida, com autonomia e sem estarem institucionalizadas”, disse.

A especialista considerou que, na capital federal, a reforma antimanicomial é feita, praticamente, pelo movimento social e por trabalhadores da saúde. “Infelizmente, a luta ainda não recebeu o apoio necessário aqui no DF. Quando a rede de atenção psicossocial foi pensada como modelo substitutivo ao modelo manicomial, foi pensada com vários dispositivos além do Caps. Tem a previsão de residências terapêuticas, um eixo de geração de rendimentos, além de outros dispositivos”, comentou.

O Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF), contudo, sugeriu que o processo não se dê de modo imediato. A entidade tem recomendado que o fechamento dos leitos de saúde mental do HSVP seja realizada de forma gradual. Para o CRM-DF, devem ser asseguradas internações às pessoas com transtornos psíquicos nos hospitais gerais e nas outros instituições de saúde mental, como forma de prevenir a desassistência.

“O CRM-DF tem acompanhado a adoção da política distrital de saúde mental não apenas por dever de ofício, mas também pela garantia de direitos às pessoas com transtornos mentais. Entendemos que todos os esforços devem ser empenhados para assegurar a dignidade, segurança, humanidade e proteção da pessoa humana, incluindo os que padecem de doenças psiquiátricas graves”, declarou o conselho por nota.

Luta antimanicomial

Por Mariana Sellva, terapeuta psicanalista especializada em teoria e prática psicanalítica

A luta antimanicomial é desconstruir preconceitos acerca da saúde mental, além de defender pessoas que estão em estado de sofrimento e têm o direito fundamental à liberdade, à vida em sociedade, a um tratamento que seja digno. Entendemos que uma internação, muitas vezes, é algo necessário, mas não necessariamente é preciso um isolamento ou tratamento forçado. A luta antimanicomial vai contra manicômios, ambientes onde o paciente não tem uma posição de sujeito, de se questionar, de conhecer o que é o próprio diagnóstico, onde eles não têm ações de socialização.

Em clínicas mais humanizadas, o pacientes vai com uma motivação de retiro, de se retirar daquele local onde o volume da sociedade é muito alto para poder ouvir as próprias questões acompanhado por profissionais. O paciente vai ter um auxílio psiquátrico com medicações que ajudem e também psicológico. Ele fica em uma posição de retiro, mas ainda como protagonista e desempenhando sua autonomia.

Manicômios são lugares de isolamento e tratamentos forçados que, às vezes, não tem a ver com o que o paciente precisa. Precisamos lutar por ambientes mais capacitados e humanizados onde a pessoa em estado de sofrimento tenha um tratamento digno independentemente de crença, religião, gênero, raça ou poder aquisitivo.

Vagas em unidades de saúde mental no DF

Leitos psiquiátricos

– HBDF- 36
– Hospital da Criança- HCB – 2
– HUB – 1
– HSVP- 83

Leitos Clínicos em Saúde Mental em hospitais gerais
– HMIB – 10
– HRC- 3
– HRG- 8
– HRL- 3
– HRSM- 6
– HRS- 19
– HRGU- 5

Correio Braziliense

 

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