O Ministério Público de Contas recomendou o cancelamento do contrato entre o governo do Distrito Federal e a empresa Ticket Car, responsável pela gestão e manutenção da frota de carros oficiais do executivo. Segundo o órgão, a companhia não tem obrigação de cobrar os preços mais baratos, o que “não assegura a obtenção da proposta mais vantajosa” para os cofres públicos. O Tribunal de Contas não tem previsão para julgar se as demandas são procedentes.
A Ticket Car informou que não foi notificada sobre o assunto e que adota conduta idônea em conformidade com a lei brasileira, em especial a de licitações e contratações públicas. A empresa diz possuir um código de conduta e processos internos que visam a garantir relacionamento transparente e ético com os clientes.
Procurada, a Secretaria de Planejamento, atual gestora do contrato, declarou também não ter sido notificada sobre o parecer do MP de Contas. Como não há decisão final do Tribunal de Contas, o GDF informou que não iria se pronunciar neste momento.
Anualmente, o governo pode pagar até R$ 11,89 milhões para a empresa. Ela é paga ao apresentar o orçamento de três companhias que fariam a manutenção dos veículos. A escolha é pela opção mais barata.
De acordo com MP de Contas, como a administração deixa a cargo da Ticket Car a negociação com as oficinas, a empresa pode apresentar orçamentos que não sejam necessariamente os mais baratos.
“A escolha dos fornecedores é feita pela contratada e não pela administração, sem a obrigatoriedade do rito processualístico da licitação quanto à confidencialidade das propostas até a abertura dos envelopes de preço, o que propicia a quebra do sigilo dos orçamentos e o conluio entre as empresas orçadoras”, entendeu o órgão, em um parecer de 19 de setembro.
Válido até março de 2017, o contrato entre o governo e a empresa foi assinado em 2015. Ele substitui um contrato de R$ 200 mil, afirma o MP de Contas. Inicialmente, a previsão era de gerir uma frota de 1.507 veículos, mas no documento assinado entre as partes consta que a companhia deve administrar 1.959 automóveis – 30% a mais do que o estimado.
Não houve licitação. A empresa passou a fazer parte da folha de pagamento do GDF por meio de uma ata de registro de preços – espécie de “atalho” para os órgãos públicos contratarem, com base em uma licitação feita por outro ente público. Neste caso, o governo usou a tabela empregada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Também não houve concorrência: só a Ticket Car manifestou interesse em participar do contrato, diz o MP de Contas.
Outra suspeita apontada pelo órgão de fiscalização é o fato de a companhia ter apresentado uma proposta para ser contratada pelo GDF antes mesmo de a Secretaria de Planejamento montar o Termo de Referência. O documento explicita quais são as demandas do órgão público. De acordo com a procuradora Cláudia Fernanda Pereira, o pedido de adesão à ata foi feito no dia 3 de março e autorizado no dia 5. O Termo de Referência é do dia seguinte.
Para o MP de Contas, “a situação indica um contato prévio que pode ter influenciado na tomada de decisão do gestor em aderir à Ata de Registro de Preços 5/2014 da Polícia Rodoviária Federal”. A empresa que venceu a licitação da PRF foi a Molicar. “As empresas Molicar e Ticket podem ter sócios parentes, Flávio Molica e José Luiz Molica”, menciona o órgão.
Ao recomendar a anulação do contrato, a procuradora Cláudia Pereira afirma que o modelo de contratação entre o GDF e a Ticket Car “ofende o princípio da impessoalidade, restringe o caráter competitivo do certame e não assegura a obtenção da proposta mais vantajosa para a administração”.
CPI da Saúde
Responsável entre outros pela manutenção de ambulâncias, a Ticket Car é investigada na CPI da Saúde da Câmara Legislativa e teve sigilo quebrado por decisão dos deputados. A empresa é citada em áudios gravados pela presidente do sindicato dos servidores da saúde, Marli Rodrigues.
Em um dos registros, o ex-secretário subsecretário de Infraestrutura e Logística Marco Júnior diz que o contrato “é do Marcello Nóbrega”, sucessor dele na pasta – embora ele tenha sido firmado pela então Secretaria de Gestão Administrativa e Desburocratização.
Segundo Marco Júnior, o contrato foi assinado “sem dotação orçamentária, sem passar pelo Jurídico, sem passar pela Procuradoria” e que Nóbrega seria “operador” da mulher do governador na pasta. Ele afirma que o processo “está cheio de vícios”.
“O Marcello requisitou o processo para ele, contrata a empresa sem um parecer jurídico, sem nada. Os atos foram juntados depois: a dotação orçamentária, o parecer jurídico. Isso não pode”, afirma Júnior na gravação.
Em depoimento à CPI, Marco Júnior se manteve calado na maior parte do tempo, usando o direito de permanecer calado. Sobre as acusações de ser operador do suposto esquema de pagamento de propinas na Saúde, Nóbrega negou ter relações com a empresa Ticket Car.
“Agora, não me recordo se havia outras empresas no mercado. O processo de gerenciamento é importante para termos a real utilização dos cargos, a manutenção e a continuidade da informação. Nós precisamos ter o real custo e andamento dos procedimentos. Eu não tenho o que falar dos contratos de manutenção da Ticket, que não eram de minha responsabilidade”, afirmou Nóbrega à época.
O governador Rodrigo Rollemberg defendeu a mulher e negou que ela tenho cometido irregularidade. “É um absurdo que uma presidente de um sindicato [Marli], de forma leviana, sem apresentar nenhuma prova, sem apresentar nenhum fato concreto, faça acusações contra pessoas que têm a vida honrada. [Com] Pessoas assim nós vamos dialogar na Justiça. Eu tenho certeza que ela vai pagar muito caro pelas informações difamatórias e caluniosas que fez hoje à CPI.”
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