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Bactérias convertem plástico em seda

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A estudante Sahiti Tamirisakandala analisa o material orgânico durante o processo de fermentação - (crédito: RPI/Dakota Pace)

Os fragmentos do polímero foram utilizados como fonte de carbono, fornecendo energia necessária para o crescimento e reprodução dos microrganismos. A pesquisa envolve cientistas do Rensselaer Polytechnic Institute (RPI), nos EUA

 

Uma equipe de cientistas do Rensselaer Polytechnic Institute (RPI), nos Estados Unidos, projetou uma cepa bacteriana capaz de transformar resíduos plásticos em seda biodegradável, semelhante à produzida por aranhas para tecer suas teias. O objetivo é que a abordagem, no futuro, seja utilizada em indústrias têxteis, cosméticos e até aplicações biomédicas.

Helen Zha, professora de engenharia química e biológica do RPI e uma das autoras do estudo, relata que a motivação inicial era elaborar uma alternativa para reduzir o impacto da geração de plástico mundial. Desde 2020, a equipe trabalha no conceito de “reciclagem microbiana”, modificando bactérias para metabolizar materiais como o polietileno — polímero presente em itens descartáveis, como embalagens alimentícias — e convertê-los em produtos de alto valor.

“Os resíduos plásticos escapam frequentemente para os ecossistemas naturais, onde persistem durante centenas de anos como lixo ambiental. O polietileno é particularmente problemático, pois compreende uma grande parte da produção global de plástico e é excepcionalmente difícil de quebrar devido às estruturas poliméricas quimicamente não reativas”, explica Zha.

Para criar a bioinspired spider silk (seda de aranha bioinspirada, em português), a equipe escolheu modificar as bactérias Pseudomonas aeruginosa graças às suas características metabólicas, biocompatíveis e versáteis únicas. Os cientistas integraram genes recombinantes — estruturas de DNA artificialmente modificadas — da proteína verde fluorescente (GFPuv) e de proteína inspirada na seda de aranha, denominada A5 4mer, no genoma do microrganismo.

“Enfrentamos vários desafios, incluindo a otimização da estratégia para introduzir novos genes nas bactérias hospedeiras e o desenvolvimento de formulações eficazes para apoiar o crescimento celular e a geração de produtos proteicos”, relata Mattheos Koffas, um dos integrantes da equipe que desenvolveu a pesquisa.

Despolimerização

As bactérias modificadas foram cultivadas em meio de cultura contendo amostras de polietileno quebrado em unidades menores por meio de um processo químico conhecido como despolimerização. Os fragmentos do polímero foram utilizados como fonte de carbono, fornecendo energia necessária para o crescimento e a reprodução dos microrganismos, a ação de fermentação. No processo, as bactérias metabolizam o polietileno e o converteram em proteínas de seda.

Publicados na revista Microbial Cell Factories, esses resultados mostram que as proteínas de seda foram secretadas como um material polimérico branco, com comprimentos variando entre 1,5cm a 4cm. A equipe ainda não realizou testes de desempenho da seda modificada.

“Não testamos as propriedades e desempenho da seda. No entanto, usando a nossa mesma plataforma microbiana, estas propriedades podem ser potencialmente alteradas para serem mais hidrofóbicas, fortes, resistentes, conforme necessário para se adequarem a uma aplicação desejada ou para corresponderem às propriedades de um plástico de base fóssil”, afirma Koffas.

Segundo os autores, além da seda, os resultados demonstram a capacidade do processo de reciclagem microbiana para criar proteína verde fluorescente (GFPuv), que tem relevância comercial potencial como corante fluorescente.

Seda

Igor Taveira, professor substituto no Instituto de Microbiologia (IMPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa que uma das principais vantagens da pesquisa é a potencial diminuição do uso das larvas do bicho-da-seda para a produção do tecido.

“A estratégia utilizada pelos autores do estudo propõe a produção da proteína da seda por microrganismos, como bactérias do gênero Pseudomonas e, consequentemente, o uso das larvas do bicho-da-seda pode ser substituído, futuramente, por uma linha de produção laboratorial que depende apenas da manutenção do microrganismo”, explica Taveira.

Na avaliação do professor, apesar dos resultados apresentados, ainda são necessários mais testes para verificar a potencialidade do material produzido pelas bactérias. “Embora promissora, a tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores ainda necessita de etapas futuras para garantir a qualidade do produto bem como a sua otimização para a produção de quantidades significativas desta matéria prima da indústria têxtil”, observa Taveira.

Os pesquisadores pretendem explorar a utilização de outras matérias-primas residuais como fontes de nutrientes para as bactérias projetadas com o objetivo de expandir a ideia de “reciclagem microbiana” a outros setores industriais.

“Os próximos passos são desenvolver ainda mais plataforma microbiana para aumentar o rendimento do produto. Isso, provavelmente, envolverá a compreensão da preferência metabólica das nossas bactérias para certos tipos de plásticos ou compostos químicos derivados e o aumento das capacidades metabólicas em relação a esses plásticos”, diz Koffas.

Múltiplos benefícios

“A contribuição mais relevante do estudo é justamente o estabelecimento da produção da seda sintética por uma bactéria a partir do uso de uma fonte de carbono considerada como um poluente, neste caso o polietileno. Logo, o trabalho proposto busca solucionar dois problemas de forma concomitante: a produção da seda de forma sintética e desvencilhada da exploração do bicho-da-seda e a biorremediação, ou seja, a mitigação de impactos ambientais causados por polímeros plásticos como o polietileno. Assim, o estudo é relevante dentro do campo da biologia sintética uma vez que a demanda por biomateriais é crescente e os atuais meios de produção não são mais capazes de suprir a demanda global ou encontram-se defasados quanto ao ponto de vista bioético sobre o manejo apropriado dos animais, como no caso da larva utilizada para produção do tecido atualmente.”

Igor Taveira, professor substituto de microbiologia no Instituto de Microbiologia (IMPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Para saber mais

“A seda natural é um material maravilhoso: biodegradável, não tóxico e com propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias. As fibras de seda do bicho-da-seda domesticado têm sido utilizadas há décadas como material em suturas médicas e atualmente são investigadas como um material promissor para distribuição de medicamentos e regeneração de tecidos. Essas propriedades tornam a seda um material de base biológica potencialmente excelente para substituir os plásticos convencionais de base fóssil. Ao contrário dos plásticos convencionais, a seda pode degradar-se naturalmente, o que significa que não contribuirá para a poluição plástica persistente. No entanto, a produção comercial de seda natural ou não é sustentável — a sericultura do bicho-da-seda domesticado tem grandes necessidades de utilização da terra e da água — ou não é possível para algumas espécies de aranhas, que não podem ser cultivadas devido à natureza canibal. A criação de proteínas semelhantes à seda por fermentação em microrganismos modificados é uma estratégia ambientalmente benigna para a criação de seda para aplicações comerciais de forma escalonável.”

Helen Zha, professora de engenharia química e biológica do RPI e uma das autoras do estudo

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