Brasil
Brasil pode ser ambicioso e mirar mercado global na industrialização verde, diz CEO da Sigma Lithium
Ana Cabral defende, em evento da EXAME, papel da indústria de base para o avanço da descarbonização do transporte no Brasil e diante da demanda do mundo
A Nova Indústria Brasil (NIB), iniciativa lançada em janeiro pelo governo federal para retomar a industrialização no país, tem como uma de suas metas garantir que, até 2026, ao menos 3% dos veículos elétricos em circulação tenham baterias nacionais. A estimativa é que esse percentual cresça ainda mais em 2033 e alcance um terço dos carros. Mas, na avaliação da CEO de Ana Cabral, Co-Chairperson e CEO da Sigma Lithium, a meta, embora positiva, é pouco ambiciosa.
“Acho incrível fazer baterias aqui, mas a oportunidade é muito maior do que o nosso próprio mercado doméstico”, afirmou, durante painel do Fórum Infraestrutura Cidades e Investimento, realizado pela EXAME, que debateu a descarbonização no transporte e o papel dos minerais críticos, na terça-feira, 10.
À frente da empresa responsável pela operação de mineração de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, Cabral destaca que esse processo de descarbonização envolve 18 elos de cadeia produtiva de interesse de todo o mundo.
“Hoje 88% dos carros de passageiros circulando [no Brasil] são flex. Essa é uma forma industrial feita para uma oportunidade ímpar que temos para virar uma grande catapulta de exportação de materiais industrializados a partir da indústria de base. E nós, aqui no Brasil, temos a oportunidade de entregar um material que pode ser carbono neutro. Estamos falando aqui de uma plataforma exportadora”, defendeu.
De acordo com a executiva, o país reúne as condições necessárias para ter protagonismo global, como resiliência, – com linhas diversificadas de produção –, segurança jurídica, abundância de recursos, energia renovável limpa e barata, leis trabalhistas e regras ambientais.
“Somos amigos da China, dos Estados Unidos, Europa, de todo mundo. Aqui todo mundo é bem-vindo, então você tem como ser o receptáculo dos investimentos de todos para abastecer o mundo inteiro”, garante Ana Cabral.
Janela de oportunidade
A CEO diz que há uma “contraciclicalidade positiva”, em suas palavras, com relação à diminuição do consumo de veículos elétricos no hemisfério norte.
Isso porque enquanto a China produziu 58% de todos os carros sem motor a combustão fabricados no mundo para atender o consumo doméstico, houve um arrefecimento da demanda por veículos elétricos no hemisfério norte.
“A ironia é que as grandes empresas de tech [no valor] de um trilhão, que estavam na dianteira de chegarem ao carbono neutro antes das indústrias pesadas de base, andaram para trás nas suas metas climáticas por conta das instalações de data centers. Dependendo de onde estavam, eles usavam energia de carvão”, explica.
Desafio da competitividade
No rol das vantagens competitivas nacionais, no campo do biocombustível, a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) prevê que até 2028 metade do incremento da oferta de biocombustível do mundo virá do Brasil.
Um levantamento produzido pela Unica(União da Indústria de Cana-de-Açúcar) apontou que o uso do etanol resultou em uma redução de emissões de 535 milhões de toneladas de CO2eq, entre 2003 e 2019. A medida é usada para comparar emissões de diferentes gases do efeito estufa.
Mas o Brasil também precisa buscar melhorias no balanceamento da matriz de transporte, muito dependente dos caminhões que têm uma proporção de emissão de gases poluentes de duas a três vezes maior do que as ferrovias e quatro vezes a do transporte marítimo de cabotagem, segundo a CNI.
“A descarbonização no setor de transporte envolve um desafio enorme e o Brasil precisa utilizar suas vantagens comparativas para que a gente possa encarar essa janela de oportunidade. O setor industrial está preparado para isso”, disse Ramon Goulart Cunha, especialista em infraestrutura da CNI.
Toyota aposta no Brasil
A descarbonização no transporte é um desafio também para a indústria automobilística. Segundo levantamento da Agência Internacional de Energia, apenas o transporte rodoviário, que em sua maioria é composto por veículos leves, responde por 15% do total de emissões.
Com operações no Brasil desde 1958, a Toyota vem apostando no mercado nacional e no crescimento da tecnologia híbrida para o Brasil e para a exportação. A montadora produz hoje no país dois modelos híbridos e anunciou recentemente um investimento de R$ 11 bilhões de reais para fabricar mais dois veículos híbridos flex no Brasil.
Além de abastecer os consumidores internos, o modelo híbrido será exportado para o Paraguai, que tem etanol disponível nas bombas de combustível, e vai chegar a outros 21 países na versão gasolina.
“Hoje 20% do etanol produzindo no Brasil vem do milho e isso está crescendo. Na América Latina, o Brasil é um dos principais produtos de veículos e é um candidato natural para exportar essas tecnologias”, disse Roberto Braun, diretor de comunicação da Toyota e presidente da Fundação Toyota no Brasil.
Ana Cabral adverte, contudo, que há outros mercados investindo na indústria verde, que não permite que o Brasil perca tempo. “Cavalo selado, quando passa, temos que subir nele. Porque uma série de outros países que reúnem essas condições e estão fazendo um trabalho incrível. Temos que caminhar para uma transição justa”, afirmou.
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