Saúde
Pesquisas recentes revelam que dormir mal pode comprometer a cognição
Falta de sono também pode tornar as pessoas mais propensas à psicose, por exemplo, além de alterações cardíacas e nos ossos
O sono desempenha um papel crucial na manutenção da saúde geral, sendo essencial para a regeneração física, o equilíbrio mental e a função cognitiva. Enquanto dorme, o corpo realiza processos vitais, como reparação de tecidos, consolidação da memória e regulação hormonal, que são fundamentais para o bem-estar diário. A privação de sono está associada a uma série de problemas de saúde, incluindo aumento do risco de doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade, depressão e comprometimento do sistema imunológico. Além disso, estudos recentes revelam novos impactos de não dormir.
Uma equipe de pesquisa liderada pela Universidade da Califórnia Irvine, nos Estados Unidos, revelou a ligação entre a frequência de eventos de apneia do sono — quando a respiração é interrompida enquanto a pessoa dorme — durante o estágio de movimento rápido dos olhos (REM) e a gravidade do comprometimento da memória verbal em adultos com risco de Alzheimer.
No ensaio, publicado na revista Alzheimer’s Research & Therapy, foi observado que a apneia durante os estágios REM, em comparação com as fases não-REM, estava mais associada a um pior desempenho da memória. Segundo Bryce Mander, co-autor do estudo e professor associado de psiquiatria e comportamento humano na UC Irvine, “as características específicas da apneia do sono que estão associadas à memória são frequentemente ignoradas ou minimizadas clinicamente”, frisa, em nota.
O trabalho envolveu 81 adultos e idosos. Os participantes passaram por polissonografia — teste que registra atividades durante o sono — e avaliações de memória verbal. Os resultados mostraram que os eventos de apneia durante o REM são um fator crítico para o declínio da lembrança, especialmente em indivíduos com predisposição genética para Alzheimer.
Danilo Sguillar, otorrinolaringologista, médico do sono e membro do Departamento de Medicina do Sono da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia, frisa que a relação entre apneia no sono REM e memória se dá, provavelmente, porque é durante o REM que ocorre o maior relaxamento da musculatura. “Com isso, há maiores chances de apneia do sono e consequente queda do oxigênio. Os estudos caminham para o entendimento do porquê a mulher ter mais apneia no sono REM. Os mecanismos ainda não estão totalmente esclarecidos.”
“Precisamos suspeitar de doenças do sono especialmente em idosos. Dessa forma, ao se estabelecer o diagnóstico, o médico direciona o tratamento no intuito de evitar consequências adversas”, completou o especialista.
Rafael Côrtes, cardiologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, detalha que, entre outras consequências, está o risco aumentado de entupimento de vasos do coração, arritmias e hipertensão, além da diabetes e dificuldade de perda de peso. “Estudos recentes sugerem que indivíduos com duração de sono inferior a seis horas por noite têm um risco 20% maior de infarto comparados àqueles que dormem o período recomendado. É imperativo que nos concentremos em estratégias integradas que promovam um sono adequado como um fator de risco modificável.”
O trabalho destacou ainda que mulheres são mais propensas a eventos de apneia no sono REM, o que poderia contribuir para o maior risco de Alzheimer.
Outra investigação mostrou os impactos mentais de problemas ao dormir. Pesquisadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, revelaram que crianças que sofrem de falta crônica de sono podem ter um risco maior de psicose no início da vida adulta.
A equipe avaliou dados sobre a duração do sono noturno de um grande estudo que envolveu mais de 12 mil crianças com idades entre seis meses e sete anos e quase 4 mil jovens com 24 anos. Eles descobriram que os pequenos que dormiam menos horas tinham duas vezes mais probabilidade de desenvolver um transtorno psicótico no início da idade adulta e quase quatro vezes mais probabilidade de ter um episódio psicótico.
A autora principal, Isabel Morales-Muñoz, comentou que é normal crianças sofrerem de problemas de sono em diferentes momentos da infância. “Mas também é importante saber quando pode ser a hora de procurar ajuda. Às vezes, o sono pode tornar-se um problema persistente e crônico, e é aqui que vemos ligações com doenças psiquiátricas na idade adulta”, afirma, em nota.
A equipe analisou a saúde geral do sistema imunológico das crianças para ver se deficiências nessa questão poderiam ser responsáveis por algumas das associações entre falta de sono e psicose. Isso foi testado aos nove anos, por meio dos níveis de inflamação em amostras de sangue. Os resultados mostraram que um sistema imunológico enfraquecido poderia explicar parcialmente as ligações entre falta de sono e psicose.
Camila Ferrari, neuropsicóloga especialista em neurociência aplicada à educação na clínica Neurodesenvolvendo, em Brasília, detalha que um bom padrão de sono é um dos pilares para o desenvolvimento correto. “Uma criança que dorme bem tem mais chances de manter o humor estável, emoções reguladas, atenção plena e sucesso na inibição de respostas comportamentais inadequadas.”
Segundo a especialista, também já é conhecida a relação entre o sono e o córtex pré-frontal, área do cérebro responsável pela flexibilidade cognitiva e raciocínio. “A criança que dorme bem tem mais chances de ser um adulto com o aparato emocional, cognitivo e comportamental com prontidão para enfrentar os desafios da vida e ter sucesso.”
Apesar da associação robusta entre falta de sono na infância e psicose, a equipe reconheceu que outros fatores correlatos ao sono infantil e à condição precisam ser explorados.
Osteoporose
Por volta dos 20 anos, as pessoas atingem o pico de densidade mineral óssea, um dos principais determinantes do risco de fraturas mais tarde na vida. Posteriormente, a densidade óssea permanece estável por algumas décadas até que, na transição da menopausa, as mulheres têm uma perda óssea acelerada. Homens também sofrem declínios à medida que envelhecem.
Christine Swanson, autora principal do trabalho e membro do Departamento de Medicina da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, apontou que, assim como a densidade óssea, os padrões para dormir mudam ao longo dos anos.
Swanson explicou que os genes que controlam o relógio interno, o ciclo circadiano (variação nas funções biológicas), estão presentes em todas as células ósseas, e que a reabsorção e formação dos ossos seguem um ritmo diário. Esse padrão sugere a importância da regularidade para o metabolismo ósseo. “Essa ritmicidade é provavelmente importante para o metabolismo ósseo normal e sugere que o sono e os distúrbios circadianos podem afetar diretamente a saúde óssea”, afirmou, em nota.
Para investigar essa relação, a equipe avaliou como os marcadores da renovação óssea respondiam à falta de sono e à perturbação circadiana. Os participantes do estudo viveram em um ambiente controlado, sem saber que horas eram, e foram submetidos a um “dia” de 28 horas. “Essa interrupção circadiana foi projetada para simular o estresse sofrido durante o trabalho noturno rotativo e é aproximadamente equivalente a voar quatro fusos horários para oeste diariamente durante três semanas”, detalhou Swanson.
Os resultados mostraram alterações prejudiciais na renovação óssea em resposta ao sono e ao ciclo circadiano perturbados. O declínio nos marcadores de formação de ossos foi maior em indivíduos mais novos. As mulheres jovens apresentaram aumentos significativos no marcador de reabsorção óssea. Se a formação diminui enquanto a reabsorção se mantém ou aumenta, pode haver perda óssea, osteoporose e maior risco de fraturas.
Leonardo Bandeira, diretor do Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia ressalta que é importante manter as recomendações dadas para evitar outros problemas de saúde que a privação de sono pode desencadear. “Esse é mais um problema. Então, é preciso criar medidas para ter uma boa noite de sono, tanto em quantidade de sono, quanto em qualidade. Fazer a chamada higiene do sono.”
Bandeira Salienta que quem não dorme bem vai ter mais cansaço e maior irritabilidade. “Quem passa pela privação de sono têm mais depressão, ansiedade e piora as relações interpessoais.
Em xeque
“Os mecanismos biológicos que ligam o sono inadequado à saúde cardiovascular têm a ver com as alterações decorrentes de um desequilíbrio do sistema que regula os batimentos do nosso coração, o funcionamento dos órgãos internos, regula a pressão e influencia no ajuste fino da frequência do coração e também nos mecanismos de dilatação e de estreitamento dos vasos cardíacos. O sono inadequado e situações de estresse exagerado do sistema nervoso afetam o ritmo circadiano e isso pode comprometer o equilíbrio desse sistema e aumentar a chance de problemas cardiovasculares como descompensação de hipertensão arterial, infarto agudo e arritmias.”
Alexsandro Fagundes, cardiologista e presidente da Sociedade Brasileira de Arritmia Cardíaca
Risco de osteoporose
Por volta dos 20 anos, as pessoas atingem o pico de densidade mineral óssea, um dos principais determinantes do risco de fraturas mais tarde na vida. Posteriormente, a densidade óssea permanece estável por algumas décadas até que, na transição da menopausa, as mulheres têm uma perda óssea acelerada. Homens também sofrem declínios à medida que envelhecem.
Christine Swanson, autora principal do trabalho e membro do Departamento de Medicina da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, apontou que, assim como a densidade óssea, os padrões para dormir mudam ao longo dos anos.
Swanson explicou que os genes que controlam o relógio interno, o ciclo circadiano (variação nas funções biológicas), estão presentes em todas as células ósseas, e que a reabsorção e formação dos ossos seguem um ritmo diário. Esse padrão sugere a importância da regularidade para o metabolismo ósseo. “Essa ritmicidade é provavelmente importante para o metabolismo ósseo normal e sugere que o sono e os distúrbios circadianos podem afetar diretamente a saúde óssea”, afirmou, em nota.
Para investigar essa relação, a equipe avaliou como os marcadores da renovação óssea respondiam à falta de sono e à perturbação circadiana. Os participantes do estudo viveram em um ambiente controlado, sem saber que horas eram, e foram submetidos a um “dia” de 28 horas. “Essa interrupção circadiana foi projetada para simular o estresse sofrido durante o trabalho noturno rotativo e é aproximadamente equivalente a voar quatro fusos horários para oeste diariamente durante três semanas”, detalhou Swanson.
Os resultados mostraram alterações prejudiciais na renovação óssea em resposta ao sono e ao ciclo circadiano perturbados. O declínio nos marcadores de formação de ossos foi maior em indivíduos mais novos. As mulheres jovens apresentaram aumentos significativos no marcador de reabsorção óssea. Se a formação diminui enquanto a reabsorção se mantém ou aumenta, pode haver perda óssea, osteoporose e maior risco de fraturas.
Leonardo Bandeira, diretor do Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia ressalta que é importante manter as recomendações dadas para evitar outros problemas de saúde que a privação de sono pode desencadear. “Esse é mais um problema. Então, é preciso criar medidas para ter uma boa noite de sono, tanto em quantidade de sono, quanto em qualidade. Fazer a chamada higiene do sono.”
Bandeira Salienta que quem não dorme bem vai ter mais cansaço e maior irritabilidade. “Quem passa pela privação de sono têm mais depressão, ansiedade e piora as relações interpessoais.
Coração em xeque
“Os mecanismos biológicos que ligam o sono inadequado à saúde cardiovascular têm a ver com as alterações decorrentes de um desequilíbrio do sistema que regula os batimentos do nosso coração, o funcionamento dos órgãos internos, regula a pressão e influencia no ajuste fino da frequência do coração e também nos mecanismos de dilatação e de estreitamento dos vasos cardíacos. O sono inadequado e situações de estresse exagerado do sistema nervoso afetam o ritmo circadiano e isso pode comprometer o equilíbrio desse sistema e aumentar a chance de problemas cardiovasculares como descompensação de hipertensão arterial, infarto agudo e arritmias.”
Alexsandro Fagundes, cardiologista e presidente da Sociedade Brasileira de Arritmia Cardíaca
Epilepsia
A apneia do sono e os baixos níveis de oxigênio ao dormir estão associados à epilepsia de início tardio, afirma um estudo liderado pela Universidade Johns Hopkins, nos EUA, e publicado na revista Sleep. Para o trabalho, a equipe analisou dados de sono de mais de 1.300 participantes e descobriu que aqueles com saturação de oxigênio abaixo de 80% durante o sono tinham três vezes mais probabilidade de desenvolver epilepsia. A apneia do sono também dobrou esse risco. O estudo sugere que a exposição crônica a pouco oxigênio pode causar alterações cerebrais que aumentam o risco da condição. Embora ainda não se saiba se o tratamento da apneia pode reduzir as chances do problema.
Você precisa estar logado para postar um comentário Login