Conecte Conosco

Destaque

Protestos no Panamá levam a forte repressão com estado de emergência

Publicado

em

O Panamá enfrenta há mais de dois meses uma série de greves, bloqueios de estradas e manifestações que refletem um descontentamento popular contra várias questões, entre elas uma reforma previdenciária aprovada em março deste ano pelo governo conservador de José Raúl Mulino.

Devido às manifestações e ao fechamento de rodovias, Mulino decretou, em 20 de maio, estado de emergência — semelhante a um estado de sítio, com suspensão de garantias constitucionais na província caribenha de Bocas del Toro, principal foco dos protestos, desencadeando uma repressão estatal severa.

O decreto permitiu ao governo prender pessoas sem mandado judicial e suspender direitos como habeas corpus, inviolabilidade da residência, liberdade de ir e vir, direito de reunião e liberdade de expressão.

O estado de emergência foi encerrado no domingo, 29 de maio, deixando um saldo de pelo menos duas mortes — incluindo uma criança com menos de 2 anos que faleceu por inalação de gás lacrimogêneo — cerca de 370 detidos e aproximadamente 600 feridos, de acordo com dados oficiais e de organizações panamenhas de direitos humanos.

A crise política na nação centro-americana de 4,4 milhões de habitantes tem se intensificado desde 2023 e agravado com o aumento da repressão, conforme analisou o sociólogo Werner Vásquez von Schoettler, pesquisador da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) residente no Panamá.

“O Panamá enfrenta uma crise econômica com aumento da pobreza, alta no custo de vida e na energia, que alimenta uma crise política sem precedentes. São problemas que se acumularam e agora geram um ponto crítico de agitação social”, explicou o doutor em estudos políticos.

Além do estado de emergência, permanece ativa a Operação Omega, criada para conter os protestos. O governo também cortou o acesso à internet e telecomunicações na província de Bocas del Toro, restabelecendo os serviços apenas no dia 30 de maio, segundo a empresa estatal responsável.

Essa interrupção das comunicações foi criticada pelo Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), que afirmou que a medida prejudicou o trabalho dos repórteres e limitou o direito à informação de cerca de 200 mil habitantes da região.

Os protestos são convocados por sindicatos contrários à reforma previdenciária (Lei 462), que alegam que as mudanças reduzem as pensões dos aposentados e aumentam as contribuições dos trabalhadores. Grupos estudantis, professores e comunidades indígenas também participam das mobilizações.

O governo, por sua vez, defende que a reforma garante maior sustentabilidade ao sistema de pensões e classifica os manifestantes como “vândalos” e “infiltrados” com intenção de desestabilizar politicamente o Panamá.

Líderes sindicais foram presos durante os protestos, acusados de crimes como lavagem de dinheiro.

O governo do Panamá informou ainda que houve depredação de prédios públicos, saques em comércios privados e invasão do aeroporto de Changuinola, afetando a principal atividade econômica da província: o turismo.

Em nota oficial, o governo repudiou o uso da população como instrumento para fomentar o caos político e avisou que investigará e responsabilizará os envolvidos.

O sociólogo von Schoettler destacou que a repressão estatal assumiu características autoritárias, comparando a violência recente à vivida na última ditadura do país e à invasão dos Estados Unidos, em 1989.

“Nunca vi uma reação tão agressiva das forças militares contra a população, com corte de internet e redes telefônicas, práticas típicas de regimes autoritários”, comentou.

O Sindicato Único Nacional de Trabalhadores da Construção e Similares (Suntracs), principal sindicato do Panamá, teve suas contas congeladas desde fevereiro. O líder do sindicato, Saúl Méndez, buscou asilo na Embaixada da Bolívia no país. As lideranças sociais acusam o governo de perseguição e autoritarismo político.

Outros sindicatos, como o dos professores (Asoprof) e dos trabalhadores do setor bananeiro (Sitraibana), declararam greve por tempo indeterminado em protesto contra a reforma. O secretário geral da Asoprof, Fenando Àbrego, afirmou que a paralisação segue ativa nesta semana.

“A Lei 462 condena as gerações atuais e futuras da classe trabalhadora à escravidão, fome, miséria e desespero, além de não garantir que os fundos previdenciários sejam investidos de forma segura”, criticou Àbrego.

Em resposta à greve, a empresa Chiquita Brands, sucessora da United Fruit Company, demitiu cerca de 5 mil trabalhadores após quase um mês de paralisação, acusando a greve de ilegalidade, ação apoiada pelo governo.

Outro fator da instabilidade social é a suspensão das atividades da mineradora canadense First Quantum em 2023, após protestos estudantis e de populações indígenas preocupadas com o impacto ambiental da expansão da mineração de cobre.

A justiça panamenha suspendeu o contrato firmado entre a multinacional e o governo para a ampliação da mina e, segundo von Schoettler, essa situação está ligada à necessidade urgente de reforma previdenciária, já que o governo deixou de receber recursos da mineração.

O especialista também ressaltou que as manifestações são alimentadas pela incerteza sobre o futuro do Canal do Panamá, cujo controle tem sido reivindicado pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que deseja reaver a administração do canal que foi transferida para o Panamá em 1999.

“Há um acúmulo de questões ao longo de pelo menos três décadas que culminam nessa forte explosão social, em meio a debates sobre o futuro do Canal do Panamá e à influência de figuras políticas dos EUA no país”, concluiu.

Clique aqui para comentar

Você precisa estar logado para postar um comentário Login

Deixe um Comentário

Copyright © 2024 - Todos os Direitos Reservados