Conecte Conosco

Destaque

Protestos no Panamá levam a forte repressão e estado de emergência

Publicado

em

O Panamá enfrenta há mais de dois meses uma série de greves, bloqueios de estradas e manifestações que refletem um levante popular contra diversos problemas, especialmente uma reforma previdenciária aprovada em março pelo governo conservador de José Raúl Mulino.

Devido aos protestos e bloqueios rodoviários, Mulino decretou, em 20 de maio, estado de urgência — equivalente a um estado de sítio no Brasil — na província caribenha de Bocas del Toro, foco principal das manifestações, o que desencadeou uma forte repressão estatal.

Essa medida autorizou o governo a realizar prisões sem mandato judicial e suspender direitos como habeas corpus, inviolabilidade do domicílio, liberdade de ir e vir, de reunião e de expressão.

O estado de urgência foi encerrado em 29 de maio, deixando ao menos dois mortos — incluindo uma criança menor de dois anos que faleceu por inalação de gás lacrimogêneo — 370 detidos e 600 feridos, conforme dados oficiais e da organização panamenha de direitos humanos Direitos Comuns.

A instabilidade política no país centro-americano, com população de 4,4 milhões, começou a aumentar há cerca de dois anos e tem se agravado, acompanhada de repressão crescente, explicou o sociólogo Werner Vásquez von Schoettler, pesquisador da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) e residente no Panamá.

“O Panamá enfrenta uma crise econômica com aumento da pobreza, elevação do custo de vida e da energia, alimentando uma crise política sem precedentes. São problemas acumulados que resultaram em uma forte agitação social”, detalhou o doutor em estudos políticos.

Mesmo com o fim do estado de urgência, permanece ativa a Operação Omega, lançada para controlar os protestos. O governo chegou a cortar internet e serviços de telecomunicações na província, restaurando-os somente em 30 de maio, conforme informou a empresa estatal do setor.

Esse bloqueio das comunicações foi criticado pelo Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ), que ressaltou que a medida impediu o trabalho da imprensa e afetou o direito de cerca de 200 mil habitantes de Bocas del Toro.

Os protestos são convocados por sindicatos contrários à reforma previdenciária (Lei 462), que, segundo eles, reduz as pensões e aumenta a contribuição dos trabalhadores. Organizações estudantis, professores, comunidades indígenas e outros grupos também participam das manifestações.

O governo defende que a reforma traz sustentabilidade ao sistema de pensões e classifica os manifestantes como “vândalos” e “infiltrados” que querem desestabilizar o Panamá politicamente.

Líderes sindicais foram presos acusados de diversos crimes, incluindo lavagem de dinheiro.

Autoridades informaram que houve depredação de prédios públicos, saques em comércios e invasão do aeroporto de Changuinola. Essas ações prejudicaram o turismo local, principal atividade econômica da região.

“Não podemos permitir que setores políticos irresponsáveis usem a população para pressionar, fomentando o caos e se colocando como falsos mediadores. Esse comportamento é imoral e criminoso, e seus promotores serão investigados e punidos”, comunicou o governo.

von Schoettler afirma que a repressão às manifestações atingiu níveis autoritários, comparáveis à última ditadura ou à invasão estadunidense ao Panamá em 1989.

“Nunca vi as forças militares reagirem assim ao povo. O corte de internet e redes telefônicas é claramente um ato autoritário”, avaliou.

O Sindicato Único Nacional de Trabalhadores da Construção e Similares (Suntracs), principal entidade do país, teve suas contas congeladas desde fevereiro. Seu líder, Saúl Méndez, está asilado na Embaixada da Bolívia. As lideranças sociais denunciam perseguição política e autoritarismo.

“O Suntracs, um dos sindicatos mais fortes da América Latina, tem mobilizado e organizado manifestações críticas ao governo nos últimos dois anos e vem sendo alvo de ataques”, comentou o pesquisador.

Os sindicatos dos professores (Asoprof) e dos trabalhadores do setor bananeiro (Sitraibana) iniciaram greves indefinidas em abril contra a reforma. Fenando Àbrego, secretário-geral da Asoprof, afirma que a paralisação continua.

“A polêmica Lei 462 condena trabalhadores atuais e futuros à miséria e não garante investimentos seguros dos fundos previdenciários”, criticou.

Após quase um mês de greve, a empresa Chiquita Brands, sucessora da United Fruit Company, demitiu cerca de 5 mil funcionários, alegando ilegalidade da paralisação, medida apoiada pelo governo. Essa ação aumentou ainda mais os protestos.

von Schoettler relaciona a revolta social à suspensão da mineradora canadense First Quantum em 2023, após protestos estudantis e indígenas contra a ampliação das operações da maior mina de cobre do mundo.

Em novembro de 2023, a Justiça cancelou o contrato da empresa com o governo para expansão das explorações.

Para o sociólogo, a paralisação da mina está ligada à reforma previdenciária e à atual revolta social.

“Como o governo não recebe mais recursos da mineração, a reforma urgente das pensões se torna necessária”, explicou.

Também há preocupações sobre o futuro do Canal do Panamá, atualmente sob controle panamenho desde 1999, que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, busca retomar.

“São três décadas de questões acumuladas que provocam essa explosão social, envolvendo discussões sobre o canal e a influência política dos EUA no Panamá”, concluiu.

Clique aqui para comentar

Você precisa estar logado para postar um comentário Login

Deixe um Comentário

Copyright © 2024 - Todos os Direitos Reservados