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Um baixinho atrevido no caminho de Trump na Inglaterra

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Presidente da Câmara dos Comuns que fechou o salão nobre para o futuro visitante adora aparecer; nem sempre pelos motivos certos

Altos e baixos: o emotivo Bercow e a exibida Sally são personagens da política e das fofocas (Pascal Le Segretain/Getty Images)

Altos e baixos: o emotivo Bercow e a exibida Sally são personagens da política e das fofocas (Pascal Le Segretain/Getty Images)

Três personagens ocupam o noticiário atual no Reino Unido. Dois são mais conhecidos: Jeremy Corbyn, o radical líder do Partido Trabalhista em choque com a base por causa da votação parlamentar no Brexit, e o habitualmente angelical David Beckham, exposto em vazamento de e-mails como interesseiro, manipulador e avarento, mesmo com toda aquela dinheirama que ganhou no futebol.

O terceiro tem bem menos calibre como celebridade, mas gosta muito de aparecer. John Bercow é presidente da Câmara dos Comuns e, aproveitando a deixa de um deputado da oposição, disse que não autorizaria um discurso de Donald Trump no Westminster Hall, o salão mais histórico de um conjunto de prédios onde nasceu organicamente o próprio conceito de democracia parlamentar, o Palácio de Westminster.

Bercow pode ser mais um afetado pela Síndrome de Transtorno Trumpiano, um distúrbio que leva opositores ao presidente americano a perder o juízo, a lógica e até a memória, derrapando nas críticas que, mesmo quando merecidas, demandam argumentos racionais e não diatribes destemperadas.

Por exemplo: o presidente da Câmara disse que Trump é “racista e sexista” e interfere na separação entre os poderes. Mas fez todos os rapapés, incluindo o acesso ao Westminster Hall, ao presidente chinês Xi Jinping.

A visita do presidente chinês obedeceu a razões de Estado, evidentemente. Na ocasião, Bercow não mencionou a enorme repressão à minoria muçulmana na China, só para sair do habitual caso do Tibete.

A propósito de sexismo, existem casos de aborto forçado no país. A própria rainha Elizabeth foi filmada, durante uma daquelas recepções ao ar livre onde sempre chove e os convidados comem sanduíches de pepino, comentando com uma comandante da polícia, integrante do esquema da segurança durante a visita, que os chineses tinham sido “muito rudes” com a embaixadora britânica durante os preparativos.

E a China não é exatamente um exemplo de equilíbrio entre poderes. Aliás, o conceito nem sequer existe na república popular unipartidária ainda nominalmente comunista.

É claro que Bercow entende a importância e a natureza única do relacionamento da Grã-Bretanha com os Estados Unidos, ainda mais num momento arriscado como o atual, quando a futura saída da União Europeia expõe o reino a uma fase de incertezas.

É por isso que existe alguma suspeita sobre a politização indevida da declaração que ele fez, sem sequer consultar o parceiro obrigatório, o presidente da Câmara dos Lordes, o qual gentilmente o admoestou. Bercow pediu desculpas.

No sistema parlamentar britânico, o presidente da Câmara dos Comuns não é uma personalidade poderosa do partido dominante, mas sim uma figura de consenso. Ele funciona mais como um secretário que abre as sessões, conduz os debates entre governo e oposição – cada qual do seu lado das bancadas cobertas de couro verde – e controla eventuais exageros. Tem que ser enérgico, mas consciente das limitações de seu papel.

O atual speaker, no cargo desde 2009, é eloquente e até emotivo, pelos padrões britânicos. Já comentou que se ressente das referências à sua altura, num mundo onde ninguém mais aceita piadas sobre raça, crença, deficiências ou orientação sexual. Ele tem 1,68 metro, mas parece mais baixinho, principalmente quando está ao lado da mulher, Sally, com 12 centímetros a mais.

Quem acha que só na política brasileira pululam fenômenos estranhos deveria dar uma olhada na vida de Sally. Ela já participou de um Big Brother de famosos, foi multada por comentários injuriosos em redes sociais e protagonizou um drama amoroso constrangedor: teve um caso amplamente comentado em público com um primo do marido, que não foi adiante quando ele se reconciliou com a mulher.

O Palácio de Westminster, a imagem mais conhecida do reino por causa da torre do Big Ben, rebatizada de Torre Elizabeth, em homenagem à rainha, já viu acontecimentos muito mais importantes, e alguns bem mais trágicos, do que um speaker que gosta de aparecer e sua mulher exibida.

Com mil anos de história, foi residência real desde antes da invasão dos normandos e é praticamente uma história feita de pedra – e reconstruída em estilo gótico depois do grande incêndio de 1834. Quando o rei não estava presente, o grande salão era ocupado pelas cortes de justiça da época.

O protótipo de parlamento também foi arranjando um lugar por ali, primeiro num anexo da sublime abadia de Westminster. Todo o lento processo de transferência de poder aconteceu nas mais de mil salas e cinco quilômetros do palácio que, por metonímia, passou a significar parlamento.

Quando convidou Donald Trump para uma visita de estado, com rainha, banquetes e todo o magnífico cerimonial do entorno dos motivos verdadeiros dessas viagens – fazer negócios –, a primeira-ministra Theresa May não mencionou um discurso no salão nobre justamente por saber que os presidentes das duas câmaras têm a prerrogativa de abri-lo.

É claro que Trump gostaria do máximo de pompa – inclusive porque Barack Obama discursou no Westminster Hall. Aberto a convidados especiais e circunstâncias como banquetes de coroação e funerais de estado – ali foi velado Winston Churchill –, o salão com abóboda gótica estará fechado a ele por decisão de Bercow.

Descendente de judeus romenos e filho de motorista de táxi, como Amy Winehouse, o baixinho Bercow resolveu falar grosso. Ainda está por ser decidido se, ao marcar posição, atrapalhou os interesses de seu país. Donald Trump certamente encontrará protestos muito mais fortes nas ruas de qualquer país que visite.

Resta a dúvida: se Jeremy Corbyn sobreviver e David Beckham não afundar mais na ignomínia, o que farão se forem convidados pela rainha para o banquete com Trump?

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