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Febre amarela: 43% dos transplantados sobreviveram
A taxa de sucesso do transplante, de 43%, pode parecer baixa numa primeira análise, mas representa um marco no tratamento da doença no mundo
Em seus quase 30 anos de experiência em transplantes de fígado, o médico Luiz Carneiro D’Albuquerque poucas vezes viu uma situação tão dramática como a dos pacientes com quadro grave de febre amarela. “A gente colocava o doente na lista de espera por um órgão no fim da tarde, recebíamos autorização para transplantar em duas horas e, quando era no outro dia de manhã, enquanto esperávamos o fígado, o paciente já estava agônico, quase morrendo. Era desesperador”, diz.
Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e chefe de transplantes de órgãos abdominais do Hospital das Clínicas, o especialista chefiou a equipe que fez, em 30 de dezembro, o primeiro transplante de fígado em um paciente com febre amarela no mundo. Desde a primeira cirurgia, outras 20 foram realizadas em hospitais de São Paulo, Rio e Minas, segundo Carneiro. Dos 21 pacientes operados, 9 sobreviveram, dos quais ao menos 4 tiveram alta.
A taxa de sucesso do transplante, de 43%, pode parecer baixa numa primeira análise, mas representa um marco no tratamento da doença no mundo e, ao mesmo tempo, um desafio para os cientistas brasileiros envolvidos no processo.
Nos casos agudos da doença, em que há comprometimento neurológico – uma das situações em que o transplante é indicado -, a mortalidade chega a 90%. Mas o transplante de fígado em casos de febre amarela nunca havia sido realizado, por duas razões: primeiro, porque geralmente o paciente morre antes da chegada do órgão; segundo, porque os médicos não sabiam se, após a cirurgia, o vírus passaria a atacar o fígado novo.
Com a observação dos transplantados, os médicos descobriram que o vírus da febre amarela é tão devastador que os pacientes com hepatite fulminante causada pela doença não podem esperar pelo novo órgão o mesmo tempo que os doentes com insuficiência hepática por outras causas. Isso porque, mesmo que o fígado seja trocado, se o vírus já tiver atacado outros órgãos vitais, a chance de recuperação é pequena.
“A gente não conhecia bem essa doença em São Paulo. O último surto urbano foi na década de 40. Percebemos que os critérios clássicos para indicação de transplante de fígado não servem para febre amarela. Nos casos em que o paciente morreu após o transplante, o que aconteceu foi que o comprometimento de outros órgãos já era tão grave que a troca do fígado não bastou”, diz D’Albuquerque, que transplantou seis pacientes no HC, metade ainda viva.
Critérios
Em fevereiro, o grupo de especialistas brasileiros envolvidos nos transplantes definiu, em conjunto com o Ministério da Saúde, critérios específicos para os casos de troca de órgão em pacientes com febre amarela. Segundo os médicos, a principal diferença entre os pacientes que sobreviveram e os que morreram foi o momento em que o transplante foi realizado. “Os que tiveram êxito foram encaminhados para transplante mais precocemente – e quando digo precoce são apenas um ou dois dias de diferença, o que dá uma ideia do quanto a situação era dramática”, afirma Antônio Márcio de Faria Andrade, responsável técnico pelo transplante de fígado do Hospital Felício Rocho, de Belo Horizonte, onde quatro pacientes foram transplantados, dos quais dois sobreviveram.
Um dos critérios adaptados para esses pacientes foi referente ao grau de comprometimento neurológico causado pela falência do fígado, a chamada encefalopatia hepática. “Em casos de hepatite fulminante por outras causas, nós indicamos o transplante com comprometimento (máximo) grau 3 ou 4. No caso da febre amarela, o paciente já pode ter indicação com comprometimento grau 1, tamanha a agressividade da doença”, afirma Andrade.
Os cientistas também já começam a definir sinais que indicam pouca chance êxito no transplante. “Sintomas como pancreatite aguda grave, hemorragias cerebral e digestiva e choque refratário (queda severa de pressão) podem contra indicar o transplante”, relata Ilka Boin, professora titular da Unidade de Transplantes Hepáticos do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde dois transplantes foram feitos, nenhum deles com sobreviventes.
Além de considerar o quadro do próprio doente, os médicos precisam definir com cautela quem será indicado ao procedimento para que não seja feito o chamado transplante fútil, no qual o órgão doado é desperdiçado com um paciente com poucas chances de sobrevivência.
Com base nos transplantes realizados nos últimos três meses, o Ministério da Saúde deve publicar nos próximos dias uma norma técnica definindo se o procedimento seguirá sendo feito no País e sob quais condições. Atualmente, ele é considerado experimental.
Para D’Albuquerque, o transplante possibilitou salvar pacientes que provavelmente morreriam. “No HC, indicamos o transplante para 20 doentes, dos quais 6 foram transplantados. Dos 14 que não passaram pelo procedimento, 13 morreram. Me parece que o transplante é válido, mas deve ser feito com critérios muito precisos.”
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