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Sergio Abranches: a PEC da Impunidade 2.0

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“A imunidade ampla, geral e irrestrita desejada por parlamentares é abusiva, ilegal e antidemocrática. É um projeto de poder e de impunidade”, critica o articulista

É muito grave a tentativa de deputados federais de aprovar medida que transforma os parlamentares numa casta acima da lei. Além de inconstitucional, tem sérias consequências para a democracia republicana e para a sociedade. Politicamente representa uma investida sobre as prerrogativas do Poder Judiciário e ato contra o processo judicial. É uma ofensa ao preceito constitucional, inarredável na democracia, de igualdade de todos perante a lei. No plano social, instituiria uma linhagem privilegiada, com poder para autorregular a apuração e punição de crimes que possa ter cometido.

É a segunda vez que a Câmara dos Deputados tenta blindar deputados de processos criminais. A primeira PEC da Impunidade, em 2021, pretendia submeter a prisão de parlamentares à aprovação do Congresso. Foi engavetada por causar repercussão muito negativa na sociedade.

A principal consequência da segunda PEC da Impunidade é proteger parlamentares suspeitos de conspirar contra o Estado Democrático de Direito e outros indiciados ou investigados por corrupção. Acobertaria, também, eventuais crimes de assédio sexual, violência contra a mulher e homofobia, que já foram punidos em assembleias legislativas e câmaras de vereadores. São crimes comuns. Não se justificam pelo exercício do cargo político eletivo.

Tudo que se apura sobre o projeto, indica a busca da impunidade por crimes comuns. É importante ressaltar que deputados e senadores não podem ser processados por atos ligados ao exercício da representação parlamentar, como opiniões, votos e iniciativas legislativas. É proteção correta e democrática.

O que se pretende com a PEC da Impunidade 2.0 é livrá-los de inquéritos por delitos dissociados da função parlamentar. Os parlamentares, no passado, eram favoráveis à prerrogativa de foro e a defenderam de todas as tentativas de eliminá-la. Em 2019, cogitaram ampliá-la limitando os poderes de juízes de primeira instância.

Diante dos inquéritos no STF contra parlamentares, principalmente sobre fake news e atos golpistas, querem eliminá-la para que os processos voltem à primeira instância.

Entre as ideias que circulam na Câmara dos Deputados, consta a autorização da Mesa Diretora para abertura de inquéritos, uma prerrogativa das autoridades encarregadas do processo judicial — portanto, uma invasão de esfera alheia ao Poder Legislativo. Querem, também, a quebra do sigilo de justiça, inclusive na fase de inquérito. O pretexto dessa última providência seria garantir o devido processo legal e o direito ao contraditório. Justificativa falaciosa.

Esse direito diz respeito à fase de julgamento, quando o indiciado se torna réu, e está preservado. Não pode ser estendido à fase de investigação, antes de encerrada toda a coleta de provas.

Abuso

A imunidade ampla, geral e irrestrita desejada por parlamentares é abusiva, ilegal e antidemocrática. É um projeto de poder e de impunidade. Se esse plano legislativo tivesse sucesso, levaria à captura de prerrogativas do Judiciário. A mesma pulsão que levou à dominância legislativa sobre o orçamento, invadindo área do Executivo. O efeito institucional é desequilibrar a estrutura republicana e desorganizar o processo político democrático.

É uma afronta à Constituição. Suas cláusulas pétreas, que não podem ser mudadas por emenda constitucional, asseguram os direitos e garantias individuais. Entre eles, está o direito à igualdade que inclui, expressamente, o direito à igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Portanto, iniciativas para proteger um determinado grupo do alcance da lei, do processo judicial, cairão por inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) — este, com certeza, será provocado a se manifestar. É, no fundo, mais um ataque ao Poder Judiciário, um ato deliberado de conflito entre Poderes por parte de parlamentares que temem o braço longo da lei.

O exame de constitucionalidade deveria barrar qualquer projeto dessa natureza na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), se ela levasse a sério suas atribuições regimentais. É dela a decisão sobre aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos.

Em boa hora, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), antecipa o juízo que caberá à CCJ sobre a inconstitucionalidade da PEC. As decisões no Parlamento são sempre mais políticas do que jurídicas, mas a obediência e observação da Constituição são obrigações às quais um parlamentar não poderia se furtar.

 Correio Braziliense.

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