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Cortes sucessivos de verbas provocam autoexílio de cientistas no exterior

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Cenário anunciado pelo governo Bolsonaro, mas já iniciado em gestões anteriores, faz pesquisadores buscarem financiamento em outros países

Pesquisas: sucessivos cortes no setor fizeram pesquisadores serem obrigados a levar seus estudos para o exterior (Chris Ryan/Getty Images)

São Paulo — Um estudo que pode indicar um novo tratamento para o Alzheimer, outro que tenta recriar corações para transplante, uma investigação sobre a adaptação de manguezais às mudanças climáticas. São alguns exemplos de pesquisas produzidas por cientistas brasileiros que não conseguiram financiamento e tiveram de mudar para outro país para continuar o trabalho.

Com sucessivos cortes no orçamento das principais agências brasileiras de financiamento da ciência nos últimos anos, diversos pesquisadores se viram obrigados a levar seus estudos para o exterior. A situação, que chamam de “exílio científico”, parece ainda mais inevitável com o cenário anunciado nos últimos dias, com cortes para a área e declarações do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que o investimento em pesquisa e pós-graduação não será prioridade.

Mesmo pesquisadores com bolsa garantida no momento relatam procurar outras formas de financiamento para sua pesquisa, pois sentem insegurança para os próximos anos. Com medo de não conseguirem terminar o mestrado ou o doutorado com o auxílio financeiro, eles buscam bolsas em instituições de outros países.

É o caso de Ruan Macêdo, de 28 anos, que faz doutorado na Alemanha. “Meu sonho era contribuir com a ciência e poder dizer que minhas descobertas foram feitas em casa, no meu País. Infelizmente, alcançar esse objetivo fica cada vez mais difícil. É impossível manter a competitividade e inovar sem o apoio necessário”, disse.

“Ainda quando estava na graduação em Educação Física, descobri minha vocação para a pesquisa. Iniciei um estudo sobre o efeito terapêutico do exercício físico em mulheres pós-menopausa. Mas, logo depois de me formar, já senti o primeiro obstáculo: a falta de incentivo à ciência no Brasil, já que não havia pós-graduação nessa área no meu Estado, o Piauí”, contou.

“Eu me mudei para Minas para fazer o mestrado em Fisiologia. Nesse período, minha avó foi diagnosticada com Alzheimer e isso me motivou a mudar minha linha de pesquisa. Fui aprovado no doutorado da USP para estudar um tratamento para a doença com uma vitamina sinteticamente modificada. Como havia limitações para algumas análises, surgiu a oportunidade de vir para a Alemanha, com bolsa de estudos da Capes”.

“O contrato prevê que eu fique um ano e meio aqui e mais o mesmo período no Brasil. Mas, com esse cenário atual e a desvalorização da ciência, não me sinto seguro em voltar”, disse Macedo. “Eu quero muito voltar ao meu País e retribuir o investimento, mas não tenho garantia nem mesmo de ter bolsa para terminar o doutorado, quanto mais opção de trabalho depois que concluir”.

“Meu orientador na Alemanha vem acompanhando de perto as notícias do Brasil e tem se preparado para o pior. Não tenho certeza se terei a bolsa até o fim do meu período aqui, e ele está tentando garantir junto às agências de fomento, que financiam sua pesquisa, uma verba que me permita ficar ao menos o tempo prometido. Concomitante a isso, busco ofertas de vaga de pós-doutorado. Algumas ofertas permitem começar antes de finalizar o doutorado, o que seria o meu caso”, afirmou.

“Caso consiga alguma oferta aqui na Alemanha, cogito a possibilidade de devolver o dinheiro à Capes para não precisar voltar ao Brasil. A situação me entristece. Vejo a estrutura de primeiro mundo e percebo como estamos longe disso. É triste que tenhamos tanto potencial e tenhamos de abandonar nosso País para conseguir explorá-lo. Me sinto perdido, com medo. Não é fácil decidir abandonar seu país em uma espécie de exílio científico, tive de me mudar para seguir a carreira para a qual me preparei por anos”, concluiu o pesquisador.

Considerando apenas o orçamento para bolsas de pós-graduação e formação de professores, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) perdeu 24,4% dos recursos nos últimos cinco anos – em 2014, eram R$ 4,6 bilhões, na correção pela inflação acumulada até janeiro, e passaram a R$ 3,4 bilhões neste ano, antes do contingenciamento de 23%.

No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) o orçamento para bolsas caiu 40,6% no mesmo período. “Isso não começou agora com o Bolsonaro, já se tornou uma rotina. O que agrava a situação nesse momento é a postura e as declarações de desprezo do novo governo com a ciência”, diz Helena Nader, membro da Academia Brasileira de Ciências e do Conselho Superior da Capes.

Não há um levantamento de quantos pesquisadores deixaram o Brasil nos últimos anos. No entanto, são indicativos da “fuga de cérebros” a queda de bolsas ofertadas e a falta de reajuste há seis anos do valor das bolsas de mestrado e doutorado no Brasil (giram em torno de R$ 1,5 mil a R$ 2,2 mil).

Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira diz que a redução constante de recursos coloca em risco a posição que o Brasil conquistou, de 13.º maior produtor de publicações científicas do mundo. “Há o risco de perdermos muito rapidamente o que levamos décadas para conseguir. Nem mesmo durante a ditadura se reduziu tanto o investimento em Ciências, porque já havia a compreensão de que é através delas que o País se desenvolve economicamente.”

Em nota, a Capes diz que manteve estável nos últimos anos o orçamento para o pagamento de bolsas de pós-graduação e formação de professores da educação básica. E não comentou sobre a queda de valores. Sobre as políticas para incentivo à pesquisa, a Capes diz que iniciou um programa de parceria com empresas para formar recursos humanos para a indústria. Diz também que vai lançar um programa de doutorados profissionais inédito, alinhado à indústria e com investimento em bolsas feito pelas empresas.

 

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