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Especialistas criticam plano do governo para proteger indígenas isolados

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Governo propõe plano para proteger índios isolados com barreiras sanitárias que não existem (Adriano Machado/Reuter

Os cinco especialistas que compõem a Sala de Situação organizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificaram a proposta do governo para a criação de barreiras sanitárias em terras indígenas como equivocada e repleta de erros conceituais que podem, ao invés de acelerar, atrasar ainda mais os trabalhos para conter o avanço da covid-19 nas aldeias da Amazônia. O plano do governo será apresentado ao STF pela Advocacia-Geral da União (AGU) nesta quarta-feira.

Entre as falhas que saltaram aos olhos de médicos e indigenistas especializados em índios isolados e de recente contato estão o desconhecimento da atual situação da região pelo militares e afirmações falsas do governo de que já estariam instaladas “oito barreiras sanitárias e um ponto de quarentena na Terra Indígena Vale do Javari”. Os especialistas verificaram que “não há absolutamente nenhuma barreira sanitária efetivamente instalada” na área.

Por não terem memória imunológica para resistir às mais simples gripes, esses povos originários correm risco de serem dizimados caso o coronavírus se espalhe por suas aldeias.

No documento apresentado na última reunião pelo coronel Cláudio Saturnino, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), também são questionadas a inclusão de barreiras sanitárias que já estariam em funcionamento nos locais conhecidos como Jaquirana (aldeias Soles e Lobo), rio Itaquaí (Massapê) e rio Ituí (Marubo). “Além delas não existirem ainda nos causa desconforto entender o porquê da escolha desses locais”, diz trecho do documento ao qual O GLOBO teve acesso.

“Não há hoje qualquer ação organizada em campo pelo Governo de Barreiras Sanitárias de fato nos rios Jaquirana, Ituí e Itaquá como afirma a minuta”.

Maquiagem nas bases

Os especialistas apontam incoerências no conceito básico do que é, de fato, uma barreira sanitária compreendida pelas autoridades. Eles questionam a tentativa do governo de maquiar as Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes) existentes na região para transformá-las em barreiras sanitárias, que muito além das Bapes criadas para monitoramento e fiscalização, as novas instalações teriam que adotar diversos protocolos de conduta para prevenir riscos de contaminação e disseminação de doenças, como a Covid-19.

De acordo os médicos Erik Jennings e Douglas Rodrigues, que compõem a Sala de Situação ao lado dos indigenistas Carolina Santana, Fabricio Amorim e Leonardo Lenin, as Bapes até podem ser usadas como uma barreira física, mas não podem ser confundidas com barreias sanitárias, além do que elas não existem em quantidade suficiente para impedir a contaminação em terras com a presença de povos isolados e de recente contato.

“Barreiras sanitárias requerem uma série de práticas e protocolos, equipamentos, estratégias de trabalho e objetivo relativamente distintos das Bapes. Considerá-las, automaticamente como barreira sanitária/epidemiológicas não irá conter o avanço do novo coronavírus, portanto amplia-se a possibilidade de transmissão e mortes em massa dos povos indígenas isolados”, afirmam.

O documento do governo comete ainda um erro de localização ao citar a existência de uma Bape no rio Quixito e de um ponto de quarentena no mesmo rio, porém, O GLOBO confirmou com um servidor da Funai que conhece a região que esta base já foi até desativada, mas mesmo assim consta com uma das “barreiras sanitárias” já em funcionamento pelo GSI.

A proposta do governo foi apresentada nas duas últimas reuniões da Sala de Situação das quais participaram representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) , da Procuradoria-Geral da República (PGR), Defensoria Pública da União (DPU) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O documento com a análise dos especialista foi enviado pela Apib à Sala de Situação. Procurada, a AGU ainda não se manifestou.

Localizada no oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru, a Terra Indígena Vale do Javari é considerada a área de maior concentração de povos isolados do mundo. Seu processo de demarcação foi finalizado no governo Fernando Henrique Cardoso, em 2001, e possui uma extensão territorial equivalente a quase dois estados do Rio de Janeiro (85,4 mil km²). É considerada a segunda maior demarcação depois da Terra Yanomami (96, 6 mil km²), homologada em 1992, pelo ex-presidente Fernando Collor.

 

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