Centro-Oeste
Denúncias de abandono de idosos crescem 68% no DF em dois anos

Entre 2022 e 2024, o número de casos registrados cresceu de 7.693 para 12.932. Lei distrital que reforçou proteção das pessoas acima de 60 anos completa um ano. Especialistas cobram mais políticas públicas
Desamparo e falta de assistência básica a idosos são crimes e podem acarretar de seis meses a três anos de detenção e multa, segundo o Estatuto da Pessoa Idosa. No Distrito Federal, o número de denúncias aumentou 68% entre 2022 e 2024 (veja quadro) crescendo de 7.693 para 12.932. O crescimento quase se igualou ao aumento das denúncias em nível nacional, que subiram 71% no mesmo período. O drama de dona Lúcia *(nome fictício), moradora do Recanto das Emas, é um exemplo. Aos 88 anos, ela se viu solitária após os filhos se mudarem para outras cidades. Os familiares passaram a negligenciar assistência e se apropriar indevidamente de sua aposentadoria. Desde então, a idosa passou a viver em condições precárias. A situação chamou a atenção dos vizinhos, que, com auxílio jurídico, conseguiram formalizar denúncia ao Ministério Público e ao Conselho do Idoso, com provas de abandono afetivo e material, fazendo com que dona Lúcia recuperasse a dignidade e os seus direitos na Justiça.
De acordo com o estatuto, as sanções variam conforme o tipo de abandono. A pena de quem abandona um idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência ou, ainda, que não prove as necessidades básicas que deve prover por lei, pode ser de detenção, de seis meses a três anos, além de multa. No caso de abandono material ou financeiro, é possível recorrer à Justiça para que o idoso receba uma pensão alimentícia, por exemplo. Foi o caso de dona Lúcia. Uma ação judicial foi movida e foram requeridas medidas urgentes para garantir a dignidade dela, incluindo a recuperação do valor de sua aposentadoria e a responsabilização da família.
“Com auxílio da Defensoria e da Assistência Social, conseguimos uma cuidadora e benefícios para garantir a segurança e o conforto de dona Lúcia. Os filhos, que tinham negligenciado seus deveres, foram chamados à Justiça e, como resultado, o juiz determinou o pagamento de pensão alimentícia e impôs sanção pelo abandono afetivo”, relata Francisco Eugênio Más, advogado especialista em direito de família que atuou na defesa da idosa. “Infelizmente, o abandono de idosos é uma realidade em muitos lares, mas a lei está ao lado dos mais vulneráveis”, completa.
Lei distrital
Em março de 2024, o Distrito Federal ganhou um reforço no combate à negligência e ao abandono material e afetivo das pessoas idosas. Trata-se da Lei nº 7.451/24, promulgada há um ano. O texto da legislação distrital veda, expressamente, o abandono das pessoas idosas pela omissão de cuidados, visitas e acompanhamento, pela negligência emocional, por não prover as necessidades básicas, ou, ainda, pela adoção intencional de qualquer tipo de tratamento desumano por aqueles legalmente responsáveis pela pessoa idosa.
A proibição abrange domicílios, unidades de saúde e entidades especializadas no atendimento à pessoa idosa, a exemplo dos asilos. O descumprimento da norma sujeitará o infrator às penalidades previstas no Estatuto da Pessoa Idosa (Lei Federal nº 10.741/03). “Esta lei foi uma iniciativa interessante da Câmara Legislativa do Distrito Federal. O artigo 98 do Estatuto (do Idoso) é vago e não deixa claro o que são as práticas que podem configurar em um caso de abandono do idoso”, analisa o advogado Paulo Veil, especialista em direito de família e sucessões. “A lei distrital, por sua vez, trouxe um rol exemplificativo do que pode configurar abandono afetivo, como a falta de visitas periódicas, o não comparecimento nas datas comemorativas da vida da pessoa idosa e a ausência de ligações ou contato por outros meios, por exemplo”, acrescenta.
Geração sanduíche
Doutora em política social e professora do Ceub, Liliane Alves Fernandes destaca que, hoje em dia, existe uma geração denominada sanduíche, que são adultos que têm responsabilidade tanto com filhos como com pais e sogros. “No meio desta situação desafiadora, muitas vezes, há somente um provedor na família, o que limita a possibilidade de ajuda a todos os familiares. Muitas vezes, quando mais alguém da família consegue um emprego, os cuidados com idosos acabam ficando negligenciados”, especifica. “Claro que não é sempre assim, muitas vezes é questão de caráter de quem abandonou mesmo”, completa.
Experiente na atuação em casos de abandono de idosos, o advogado Paulo Veil avalia que o contexto atual da sociedade pode fazer com que alguns casos aconteçam mesmo sem intenção da família em desamparar. “Estamos vendo a população ficar cada vez mais idosa e com menos filhos, tudo isso em um contexto no qual o mercado de trabalho exige cada vez mais da faixa produtiva da população. É natural que a conta não feche. Os filhos estão mais ausentes, e isso pode contribuir com o aumento dos casos de abandono ao idoso”, salienta.
“Ocorre, também, casos em que os adultos que foram abusados ou maltratados quando criança, acabam se recusando a comparecer ao pacto de solidariedade geracional. Hoje em dia, há muita fratura intrafamiliar relacionada a isso. Essa é uma realidade muito presente na assistência social pública”, observa Liliane Alves. “O fato é que, às vezes, a família, sozinha, não consegue acompanhar o inverno demográfico, isto é, o aumento da expectativa de vida da população. É preciso criar mais equipamentos públicos para amparar os idosos e outras políticas públicas para amparar pessoas idosas”, finaliza.
Políticas públicas
O Distrito Federal possui dois serviços principais de acolhimento de pessoas acima de 60 anos, o Serviço de Acolhimento Institucional para Pessoas Idosas (Saipi) e o Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias (Saif). O Saif atende pessoas que não disponham de condições para permanecer com a família, que passem por situações de violência e negligência, estejam em situação de rua e de abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos, sem condições de autossustentabilidade ou de retaguarda familiar. O Saif realiza acolhimento temporário para homens adultos desacompanhados; idosos (homens a partir de 60 anos em condições de exercer independentemente as atividades básicas da vida diária), homens com deficiência, mas que possuam condições de exercer independentemente as atividades básicas da vida diária ou com Grau de Dependência I.
Há ainda o Serviço de Acolhimento Institucional para Mulheres (Saim), uma unidade da Política de Assistência Social que realiza acolhimento temporário para mulheres adultas ou idosas, desacompanhadas, e em condições de exercer independentemente as atividades da vida diária ou com Grau de Dependência I.
A Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) tem uma Subsecretaria de Políticas para Idosos (Subidoso), que tem o objetivo de oferecer apoio psicossocial, programas e ações voltados para o grupo. Entre as políticas voltadas para pessoas idosas, está o projeto Viver 60+, criado em 2024, que beneficiou mais de 7 mil pessoas idosas, com ações como caminhadas, ginástica, aulas de dança, bailes e passeios a pontos turísticos, zoológico e cinema, entre outros. “Diante da crescente expansão da população idosa, o desafio diário é criar oportunidades para que cada fase da vida seja vivida com dignidade, segurança e respeito. O compromisso com esta população, refletido nas ações coordenadas pela Sejus, é exemplificado pelo projeto Viver 60 , que promove inclusão, qualidade de vida e autonomia para os idosos do Distrito Federal”, destaca Marcela Passamani, secretária de Justiça e Cidadania do DF.
SERVIÇO
» Para acessar os serviços de acolhimento, basta dirigir-se às unidades de Cras, Creas ou Centro Pop mais próximo, as quais farão a devida orientação e encaminhamento.
Aos finais de semana ou após as 18h, é possível contatar a
Central de Vagas no telefone: 3223 2656.
» A forma de ingresso é a partir da avaliação socioassistencial por equipe SUAS com a
gestão de vagas feita pela Central de Vagas de Acolhimento (CENTVAC).
» A permanência no acolhimento se dará pelo tempo que for necessária para a minimização ou superação de vulnerabilidade ou risco social, sem imposição de tempo mínimo ou máximo. A natureza do acolhimento é provisória e, excepcionalmente, de longa permanência quando esgotadas todas as possibilidades de autossustento, convívio com os familiares e de cuidados fora do
ambiente institucional.
» O abandono de idosos pode ser denunciado
ao Disque 100, ao Ligue 180 ou à Delegacia de Polícia mais próxima. Além disso, o Disque Idoso (156) fornece orientações e informações sobre direitos e rede de atendimento à pessoa idosa no DF.
Correio Braziliense

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