Brasil
Favelas do Rio contestam dados oficiais da covid-19 e criam painel próprio
Moradora da Vila dos Pinheiros, na Maré, Rita Sales, de 55 anos, morreu de covid-19 na UPA da comunidade, em 22 de abril. A família dela viveu, além da dor da perda, outro drama: só conseguiu que uma funerária buscasse o corpo no dia seguinte. Como Rita, outras vítimas da pandemia lotaram em abril o necrotério da UPA da Maré, onde, de acordo com um painel organizado por moradores, já foram contabilizados 112 óbitos e 1.353 casos. O número é maior do que as estatísticas da prefeitura, que mostram as ocorrências por Regiões Administrativas e apontam que a Maré teria 82 óbitos e 406 casos.
Coletivos e organizações da sociedade civil se uniram e lançaram o Painel Unificador covid-19 nas Favelas. O grupo já contabilizou 751 óbitos em 36 comunidades do Rio e diz que o número de casos chega a 5.410 desde o início da pandemia. São levadas em conta autodeclarações de sintomas da doença.
Os movimentos sociais — são pelo menos 14—, receberam apoio da Fiocruz e de agentes internacionais para produzir o próprio painel. A plataforma, que permite relatos de agentes comunitários sobre casos suspeitos de contaminação, mostra, por exemplo, que o Complexo do Alemão contabiliza 37 óbitos e 339 casos confirmados da doença. Nos dados da prefeitura, o local tem três mortes e dez ocorrências da doença.
Na Rocinha, foram 308 casos e 62 óbitos, de acordo com o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas da última segunda-feira. No Painel Rio Covid-19, da prefeitura, até a mesma data, os números das Regiões Administrativas majoritariamente formadas por favelas também eram menores. Na Rocinha, havia 271 infectados e 48 vítimas.
Casos invisíveis
O painel dos moradores informa ainda que o Complexo do Jacaré já teve 41 mortes e 330 casos de Covid-19 confirmados. Cidade de Deus tem 50 óbitos e 244 casos; Manguinhos, 49 óbitos e 207 casos confirmados; e Gardênia Azul, 33 óbitos e 195 confirmações. Na Vila Kennedy, são 34 óbitos e 192 casos.
Organizador do painel nas favelas, o grupo Comunidades Catalisadoras (ComCat) destaca que a ideia surgiu pela falta de informações nas favelas.
— A prefeitura não tem dados sobre as favelas. E, como esses locais são mais vulneráveis, mereceriam mais atenção do poder público — comenta a planejadora urbana Theresa Willianson, organizadora da ComCat.
O Redes da Maré está promovendo a campanha “Maré diz não ao coronavírus”, que arrecada recursos para apoiar as famílias mais vulneráveis da região. A assistente social Luna Arouca faz o levantamento dos casos que são invisíveis pelo painel oficial da prefeitura:
— São necessárias políticas públicas adequadas, como a garantia do abastecimento de água e o aporte financeiro do governo para proteger famílias que não podem sair em busca de sua sobrevivência.
Por meio de nota, a prefeitura criticou o sistema de coleta de informações através de relatos. O município alega que “utiliza um sistema de informação oficial, baseado nos casos confirmados por exame feito em laboratório”. Este padrão, acrescenta, é nacional.
“Como órgão público responsável por mapear a pandemia e implantar políticas públicas para combatê-la, a prefeitura não pode e não deve trabalhar com métodos como inquérito verbal/autodeclaração, que levam em consideração a informação de sinais e sintomas, o que resulta no levantamento de casos prováveis de infecção, e não de casos confirmados”, conclui a nota.
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