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Alta da Selic freia consumo e ameaça sonhos de casa própria e carro novo

As recorrentes altas da taxa Selic impactam diretamente no orçamento doméstico. Alguns preferem guardar dinheiro e pagar as compras à vista, para evitar as dívidas. De acordo com especialistas, o momento é de cautela
Por Correio Braziliense
Depois de alcançar o menor patamar desde dezembro de 2021 (10,5% em junho do ano passado), a taxa Selic disparou e chegou a 15% — percentual que é o maior desde 2006. O número, utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação, influencia em outras taxas de juros do país, deixando a população receosa em seguir o sonho da casa própria ou do carro novo, por exemplo.
É o caso da psicóloga Luana Alcantara, 33 anos. A moradora da Asa Norte disse que, com a alta dos juros, é impossível se programar, pois os preços estão sempre instáveis. “Por isso, sempre optei pelo mais seguro, que é juntar dinheiro e pagar à vista”, ressaltou. Além disso, ela contou que sempre foi muito organizada financeiramente. “Tenho uma planilha de gastos, com tudo que entra e sai da minha conta. Por ser uma profissional autônoma, é muito difícil fazer isso se não tiver um controle”, observou.
Foi pensando na questão dos juros que ela e o companheiro decidiram esperar para realizar o sonho da casa própria. “Como a gente não tinha pressa para comprar, achamos mais prudente economizar, principalmente pelo fato de eu ser autônoma (e não ter renda fixa)”, afirmou. “Foi algo muito bom, porque podemos negociar o valor do apartamento e acabamos conseguindo um desconto excelente, o que ajudou também a começar a reforma mais rápido”, observou.
Segundo a psicóloga, o casal prefere sempre pagar tudo à vista. “Até mesmo quando a gente utiliza o cartão de crédito, preferimos não dividir, por causa dos juros. Além disso, estabeleço um teto mensal, de acordo com quanto eu trabalhei no mês, para saber quanto posso gastar no cartão de crédito, independentemente de parcelar ou não”, detalhou. “Na minha geração, ter uma boa educação financeira e conquistar o sonho da casa própria é algo muito difícil. Vivemos muitos altos e baixos no país, que dificulta isso ainda mais”, acrescentou.
mais”, acrescentou.

Equilíbrio
William Baghdassarian, economista e professor de finanças do Ibmec Brasília, reforça as estratégias utilizadas por Luana, ao dar dicas sobre como as famílias podem driblar os efeitos dos juros altos no orçamento da casa. “A primeira recomendação é que as pessoas tentem buscar o equilíbrio financeiro, ou seja, gastar menos do que elas ganham, pois, fazendo isso, acaba tendo uma sobra”, comentou. “Agora, se a pessoa tiver, de fato, que recorrer aos juros, seja para comprar um imóvel, um carro ou por causa do próprio cheque especial, vale a velha dica de buscar o banco que tem a menor taxa”, pontuou.
Questionado sobre como a população pode se proteger financeiramente nesse cenário, especialmente no caso de quem está endividado, Baghdassarian reforçou que o único jeito é buscar o equilíbrio financeiro. “Gastar mais do que ganha faz com que a pessoa passe o tempo todo no cheque especial e, às vezes, tendo que usar o 13º e outras receitas para conseguir equilibrar as contas”, alertou.
De acordo com o especialista, esse momento de juros altos é bom somente para quem tem dinheiro aplicado, não para quem está devendo ou vai precisar de empréstimo. É o que ocorre com o engenheiro de software Renan Sousa, 21, morador do Lago Sul. “Aproveito esses aumentos da taxa Selic para investir, geralmente nos ativos bancários”, comentou.
Além disso, o jovem ressaltou que não costuma parcelar compras ou pegar empréstimos, justamente por ter medo dessa questão dos juros. “Tem muita gente se endividando, então, prefiro evitar isso e utilizar os juros a meu favor”, pontuou Sousa.
Consumo reduzido
Economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), César Bergo alertou que o crédito encarecido faz com que as pessoas deixem de ter condições de consumir. “Geralmente, aquelas que têm uma educação financeira, evitam tomar crédito, o que reduz o potencial de consumo”, opinou. É o caso da vendedora Suziele Oliveira, 23, moradora da Cidade Ocidental. “Dou preferência para compras à vista. Parcelo no cartão de crédito somente em último caso e quando não tem juros”, afirmou.
Ela ainda mora de aluguel e disse que está juntando dinheiro para tentar ou pagar de uma vez pelo imóvel ou financiar o menor valor possível, para que o juros não fique tão alto. “Só não consegui escapar do financiamento veicular, pelo fato de morar muito longe do local de trabalho e precisar de um veículo para me locomover”, destacou. “Então, tenho que pagar esses juros, mas é algo que incomoda bastante, pois poderia estar utilizando o dinheiro para outras coisas”, lamentou Suziele.
Queda à vista
Mas há sinais de que os juros devem cair nos próximos meses? Segundo o professor William Baghdassarian, o cenário é favorável para isso. “Na minha visão, a Taxa Selic chegou a seu patamar mais elevado e, nos próximos meses, devemos observar o começo de uma queda”, avaliou.
A expectativa, de acordo com o especialista, é de que haja uma estabilização da Selic e, em algum tempo, queda. “Só que essa mudança vai depender de uma série de fatores como, por exemplo, um governo fiscalmente mais responsável. Um governo que gasta mais que arrecada acaba por fazer uma taxa de juros muito alta, o que prejudica o crescimento econômico”, ponderou o especialista.
Fique por dentro
A taxa Selic influencia outras taxas de juros do país, como de empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras. Sua definição é o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação e é praticada nas operações compromissadas com títulos públicos federais com prazo de um dia útil. O BC realiza operações no mercado de títulos públicos para que a taxa Selic efetiva esteja em linha com a meta da Selic, que é definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.
Fonte: Banco Central
Opinião
Verdadeiro vilão do orçamento doméstico
Num país onde até o cafezinho parece ter financiamento próprio, falar de juros altos virou quase um ritual nacional. No Distrito Federal, esse velho conhecido da economia tem se transformado em verdadeiro vilão do orçamento doméstico. Segundo o Banco Central, a taxa Selic tem mantido patamares elevados como forma de conter a inflação, mas quem sente o peso disso são as famílias que, ao final do mês, descobrem que a matemática do salário nunca fecha com a da fatura do cartão.
O problema se agrava quando se entende o papel da inflação, essa “comedora silenciosa de salários”, e da inadimplência, o nome técnico da frase “não consegui pagar”. A inflação representa a elevação contínua de preços, corroendo o poder de compra. Enquanto isso, a inadimplência é consequência direta disso: compromissos assumidos em tempos mais calmos tornam-se impossíveis de honrar quando tudo sobe mais que a poupança.
No DF, onde o custo de vida é elevado, a combinação de preços altos com crédito caro forma a tempestade perfeita. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a dívida média da família está concentrada em modalidades como cartão de crédito e financiamentos. E não é por luxo, é por necessidade.
A taxa de juros é o preço que se paga para usar o dinheiro dos outros, e no Brasil, esse preço assusta. Em 2024, o Banco Central registra juros de 440% ao ano no rotativo do cartão e 132% no cheque especial. A Codeplan identificou que 63% dos endividados no DF têm débitos nessas linhas. A dívida cresce como fermento e, quando se vê, o valor triplica.
Mas há saídas. Mutirões de renegociação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-DF) e do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-DF) mostram que é possível conversar. A dica é clara: organizar as contas, cortar o supérfluo e transformar as dívidas em uma só, com condições justas. Com disciplina e planejamento, é possível respirar de novo.
Oto Tertuliano de Oliveira Santana, professor de ciências contábeis do Ceub

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