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A vida dentro de cinemas, palacetes e hotéis ocupados por sem-teto em SP

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Os elevadores foram cobertos por tapumes e as escadas de mármore antigo estão congestionadas. O cheiro vindo dos banheiros coletivos incomoda. A iluminação é precária. Faltam janelas. Faz calor. Mas há teto.

Cerca de 4 mil famílias, segundo a prefeitura, vivem em prédios ocupados por movimentos sociais no centro de São Paulo. Pressionadas pelo valor dos aluguéis, doenças, desemprego e guerras (caso de estrangeiros refugiados), elas estabelecem lares temporários em locais que no passado abrigaram quartos de hotel, escritórios, salões de arquitetura eclética e cinemas.

A reportagem da BBC Brasil visitou cinco destes edifícios: o antigo hotel Cambridge, frequentado no passado por políticos como Paulo Maluf e Mario Covas, dois edifícios comerciais, um palacete da primeira metade do século passado e um velho motel conectado a um cinema pornô.

A jornada revela cômodos de madeira improvisados em antigos salões sem janelas e quartos ocupados por até oito pessoas. Como nas favelas, muitos são chamados pelos moradores de barracos.

Em um esforço contínuo de tranformação dos espaços, escalas de trabalho coletivo para limpeza, segurança e manutenção de áreas comuns são estimulados pelos movimentos de moradia.

O urbanista Jeroen Stevens, da Universidade Federal de Leuven, na Bélgica, investiga o fenômeno político do centro paulistano. “Há uma agenda comum às ocupações: impor consciência sobre direitos e deveres a pessoas que não tinham cidadania alguma”, afirma.

Junto à urbanista paulistana Eliana Queiroz, ele coordenou visitas aos prédios durante o workshop “Cartografia Insurgente”, que mapeia e discute as ocupações do centro até o próximo sábado.

Tapumes
No próximo sábado, mapas e resultados do trabalho dos pesquisadores belgas em São Paulo serão apresentados em encontro aberto ao público no mezanino do hotel Cambridge, palco das principais atividades, onde hoje vivem 170 famílias.

Foi nos fundos do hotel que encontramos Pitchou, um advogado de 33 anos que fugiu da guerra que afeta a República Democrática do Congo desde que ele era um garoto de 12 anos.

O congolês tenta validar seu diploma profissional por aqui. “Dói não poder trabalhar com o que estudei”, diz ele, empregado como operador de empilhadeira. “Já são cinco anos no Brasil. Nesse tempo meus amigos fizeram mestrado.”

Hoje Pitchou mora com mulher e dois filhos onde funcionava o antigo bar do prédio de quinze andares, em um cômodo cercado por tapumes.

Algumas quadras à frente, estas mesmas lâminas de madeira barata também formam pequenas quitinetes sem janelas nos andares sem paredes dos prédios de escritórios visitados.

Com uma vassoura na mão, ajudando na faxina, a adolescente Luana, de 15 anos, debuta em uma ocupação. “As paredes são de madeira. Eu não gosto. Queria uma casa de verdade”, ela diz.

Perto dali, no palacete da região da Sé, corredores escuros levam a quartos úmidos de pé direito alto e salas repletas de pequenos módulos de madeira.

Junto a outras 23 famílias mora Jeová, um mineiro de 42 anos que divide o cômodo com mulher e filha.

“Eu achava que ocupação era coisa de vândalo”, diz o homem, que antes pagava R$ 700 mensais em uma pensão na região conhecida como “Cracolândia”, também no centro.

Despejado após perder o emprego e prestes a ir para a rua, bateu na porta na ocupação e foi acolhido. Vive lá há dois anos e foi contratado num escritório próximo.

“Aí entendi que há sem-teto se sacrificando para dar um futuro bom para os filhos”, diz à reportagem, enquanto toma conta da portaria.

Homem descansa em frente aos “barracos” construídos em uma das ocupações da região central de SP (Foto: Felipe Villela)

Bastidores
Boa parte das ocupações visitadas pelos pesquisadores da Universidade de Leuven abrigam membros do MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro), braço da FLM (Frente da Luta pela Moradia) – organismo que reúne diferentes movimentos sociais.

Entre elas está um antigo cinema pornô contíguo a um motel desativado, onde vivem atualmente centena de pessoas (leia aqui a reportagem completa sobre o cinema ocupado).

“Há dois grupos principais: os que passam por vulnerabilidade social (baixa renda, moradores de áreas de risco, idosos e deficientes) e os em vulnerabilidade pela especulação imobiliária (gente que gasta mais de 50% do salário com aluguel)”, diz à BBC Brasil Carmen Ferreira, coordenadora geral do MSTC.

As primeiras 24 horas de ocupação são as mais tensas. “Entramos todos os moradores de uma vez e ficamos ali juntos, em ‘cárcere’. A polícia vem e proíbe a entrada de água e comida. Se alguém sai não consegue voltar, então quando entramos levamos tudo”, diz Carmen.

É quando começam a ser criadas frentes de trabalho coletivo para limpeza, segurança e manutenção dos espaços, que serão geridas pelos moradores em esquema de revezamento durante todo o período de ocupação. “É uma experiência de ‘Estado social’ e coletivo”, diz a coordenadora.

Nos locais visitados, placas (às vezes traduzidas em francês e em inglês) alertam moradores para as escalas de trabalho comunitário.

A reportagem entrevistou 23 moradores nas ocupações: eles dizem pagar entre R$ 120 e R$ 200 mensais ao movimento. “Não é aluguel, é para financiar toda a manutenção do espaço”, diz o maquiador Danilo, que mora em um dos prédios.

Corrupção
Mas há ocupações em que o valor da contribuição pode ultrapassar R$ 400. O urbanista belga Stevens, da Universidade Federal de Leuven, alerta para o que chama de “corruptores”.

“Em alguns grupos (que administram prédios ocupados) há diferença entre discurso e prática”, diz. “Eles usam os mesmos slogans, a mesma retórica dos movimentos principais, mas na prática apenas alugam quartos. É preciso conhecer o grupo antes de se juntar a ele.”

Sua conterrânea Carmen Briers, mestranda da universidade de Leuven, diz que “movimentos sérios fazem reuniões antes das ocupações, entrevistam os interessados e sujeitam a entrada ao compartilhamento de tarefas”.

“Os demais dão preços conforme a disponibilidade de vagas e pronto.”

À reportagem, a prefeitura diz se reunir “diariamente” com os sem-teto e “manter diálogo aberto com todos os movimentos e entidades de moradia”.

“Não somos imobiliárias, somos uma luta política”, diz Carmen Ferreira, do MSTC, que faz parte do Conselho Municipal de Habitação. “Sempre apresentamos alternativas à gestão”, ela diz.

A reportagem pede exemplos e ela emenda: “Defendemos a locação social. A família mora, mas não é dona. Esta é uma forma de inibir que famílias vendam os imóveis repassados. Na Europa acontece muito, mas aqui (o processo) é tímido.”

A gestão Haddad diz ser simpática à ideia e cita o Palacete dos Artistas, prédio de 1910 reformado e entregue em dezembro de 2014 a artistas idosos que viviam em situação precária.

Fonte: G1

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